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EUA estão intervindo na política da Venezuela desde anos 2000, diz especialista

“As coisas podem estar ruins para Maduro, mas existe um senso entre muitos venezuelanos de que as coisas podem ficar piores sob governos de oposição”
Janine Jackson
Fair
Nova York

Tradução:

Quando se trata de Venezuela, a elite da mídia estadunidense não esconde seus sentimentos. E os sentimentos deles são sempre os mesmos.

Manchetes sobre a reeleição do presidente Nicolás Maduro da Venezuela, no ano passado, eram diferentes apenas no tom, incluindo o desdenhoso: “enquanto os venezuelanos passam fome, o seu governo realiza uma eleição fictícia”, do The EconomistUSA Today’s: “Maduro está transformando a Venezuela em uma ditadura”; ou o Foreing Affairs, com uma versão mais sombria, “Suicídio da Venezuela: Lições de um Estado Fracassado”. Há também a Forbes vagamente ameaçadora: “Por que Nicolás Maduro da Venezuela pode desejar perder a eleição presidencial”; e a Foreign Policy’s, sem vergonha “É a Hora Para um Golpe na Venezuela”.

Mas, são muitas variações de um tema e é difícil não escutar, deixar que mídia faça tanto barulho, alto e repetitivo. Para tratar deste tema, conversamos com Alexander Main, que é  diretor de política internacional no Center For Economic and Policy Research. Confira:

Nas eleições do ano passado, Alan MacLeod apontou que a ação preferida da imprensa dos EUA era dizer que Nicolás Maduro foi reeleito “em meio” — em meio a gritos, em meio à desilusão generalizada, em meio a acusações de irregularidades. A mensagem, eu penso, para os leitores, era a de que a reeleição de Maduro não era legítima. O que nós devemos saber sobre a última eleição de Maio na Venezuela?

Alexander Main: Então, o que não é geralmente mencionado pela mídia é um fator crítico no resultado de uma eleição que a abordagem é tomada pela oposição da Venezuela. Muitos da oposição, muitas dessas partes, decidiram boicotar aquelas eleições, por uma variedade de razões.

De qualquer forma, a mídia não examinou esse fato. E nós continuamos não vendo isso muito bem. Eu penso que uma das poucas exceções é o Washington Post, no artigopublicado na última semana, que mencionava as divisões dentro da oposição e sua decisão de não participar da eleição o que teve, obviamente, um gigantesco efeito no resultado das eleições.

A cobertura da mídia daria uma impressão que as eleições da Venezuela quase aconteceram em um vácuo, mas houve de fato um envolvimento da, por exemplo, Organização dos Estados Americanos.

Bem, a Organização dos Estados Americanos, ou melhor, o secretário geral da organização, cujo nome é Luis Almagro. Ele representa a si mesmo. Ele foi eleito, mas, uma vez secretário geral, ele tem um tipo de poder executivo lá, mas, ele não representa os países dentro da organização. Ele tem estado na campanha contra o governo de Maduro, há muito tempo. Isso decorre de sua decisão inicial de não permitir que ele envie observadores eleitorais para as eleições.

“As coisas podem estar ruins para Maduro, mas existe um senso entre muitos venezuelanos de que as coisas podem ficar piores sob governos de oposição”

Carlos Latuff
Maduro tomou posse para seu novo mandato em 10 de janeiro; no dia 23 Juán Guaidó, presidente da AN, se autonomeou presidente

E isso é baseado na decisão tomada pelas autoridades eleitorais da Venezuela muitos anos atrás, quando eles decidiram que eles tinham transparência suficiente, medidas de segurança suficiente sobre as eleições, que eles não precisavam de nenhum tipo de tutela externa. 

Um número de países latino-americanos têm tomado as mesmas decisões. É a decisão de que temos que respeitar a soberania deles. Certamente você não vê nos EUA nenhuma presença massiva de observadores internacionais, mas, eu acho que muitas pessoas gostariam de ver isso de alguma forma.

Mas enfim, essa é uma decisão soberana que foi tomada pela autoridade eleitoral da Venezuela. E seguindo isso, Almagro realmente foi rápido demais e tem estado muito envolvido nos esforços para tentar deslegitimar o governo de Maduro e dar suporte para muitas linhas de frente da oposição.

Ao fazer isso, ele meio que ultrapassou os limites em termos de sua retórica, mesmo para muitos governos de direita na América Latina, quando, ano passado, ele expressou apoio a um golpe militar, como muitos oficiais estadunidenses e membros do Congresso dos EUA fizeram. E como resposta, você teve todos os governos da América Latina, que assinaram uma declaração na qual, categoricamente, rejeitam a possibilidade de apoiar qualquer intervenção militar, seja por golpe ou por qualquer outra intervenção externa na Venezuela.

Mas certamente, sua retórica, e a campanha que ele tem liderado — junto com outras figuras, como Senador Marco Rubio — certamente deu a impressão de que há um desejo dos EUA de intervir no que está acontecendo na Venezuela, e isso, eu acho, tem resultado em uma certa reação defensiva do governo venezuelano.

Bem, isso soa muito perturbador, mas também confuso. Você sabe, quando eu estava olhando para as manchetes, eu vi algo do tipo “Conselho Pacífico de Política Internacional”, que disse “Maduro reeleito. A democracia pode prevalecer na Venezuela?”. Eu quero dizer, somente no nível da sentença, é confuso. E então, você começa a falar sobre um golpe para salvar a democracia — que é o resultado da cobertura atual, e política, eu acho — e apenas não parece haver sentido algum. O chamado é para que os EUA intervenham, mas os EUA já estão intervindo, é isso?

Bom, sim, absolutamente, eles vêm intervindo na Venezuela há várias administrações estadunidenses, desde pelo menos os anos 2000, quando nós sabemos que o governo dos EUA — através de instituições como a National Endowment for Democracy — vem fornecendo financiamento e treinado grupos de oposição na Venezuelae frequentemente grupos linha-dura que adotaram uma linha mais radical, não reconhecendo o governo e tentando buscar sua remoção, incluindo um golpe de curta duração para tomar o governo, em abril de 2002.

Os EUA têm se envolvido muito para tentar isolar a Venezuela, diplomaticamente, em toda a região, colocando muita pressão nos governos latino-americanos para apoiar as medidas dos EUA condenando a situação na Venezuela.

Mais recentemente, os EUA têm aplicado sanções contra o governo da Venezuela. E isso é uma coisa muito sub-relatada na mídia dos EUA e na mídia internacional em geral.

Quando você vê as coberturas, por um instante, da posse de Maduro, o que você não vê são todas as referências do impacto das sanções econômicas que estão sido aplicadas. De fato, existem poucos meios de comunicação, nesse ponto, que até reconhecem que existem sanções econômicas, apesar de estarem em vigência desde agosto de 2017, quando Trump anunciou através de um decreto executivo, determinando que a Venezuela seria um “assunto extraordinário para a segurança dos EUA”. Aqueles foram os termos que foram utilizados em ordem, para justificar aquelas sanções.

E eles tiveram um terrível efeito na Venezuela, que tem experimentado uma crise econômica há um bom tempo, desde pelo menos 2014. E o governo, é claro, falhou em resolver isso. Isso tem a ver com algumas das políticas econômicas do nosso próprio governo. Mas, nesse ponto, os EUA também carregam a responsabilidade dessas sanções, quando eles cortaram o acesso da Venezuela para os mercados financeiros internacionais, pelo qual eles podem emprestar dinheiro e comprar as importações indispensáveis para as necessidades do país.

E isso também tem um terrível efeito na produção de óleo do país. E, é claro, o petróleo é a maior fonte de receita nacional da Venezuela. Junto com a queda dos preços, tem havido uma tremenda falha na produção de petróleo na Venezuela e isso se acelerou, atualmente, depois que aquelas sanções foram postas em prática, porque o governo da Venezuela não é capaz de fazer os investimentos necessários nos campos de petróleo.

Então, se isso não é mencionado, sério, em qualquer que seja a mídia hegemônica, mesmo tendo economistas, incluindo economistas aliados à oposição da Venezuela, como Francisco Rodriguez, que tem apontado o impacto muito negativo que essas sanções têm para o país.

Allan MacLeod também encontrou um artigo na Bloomberg que chegou perto de reconhecê-lo, mas de uma forma tão estranha. Isso foi um artigo no qual a Bloomberg disse que a vitória em uma “eleição amplamente ridicularizada” deu a Maduro “propriedade exclusiva do esmagamento da crise econômica da nação”. E então, na sequência, ela se vanglorifica de que os EUA e líderes regionais vão punir a Venezuela impondo “isolamentos mais distantes e sanções em toda indústria de petróleo da nação em crise”.

Exatamente. Há uma ideia absurda de que as sanções de alguma forma apenas prejudicam o governo venezuelano e os funcionários oficiais do governo. Isso sempre é responsabilidade do governo venezuelano, quando eles discutem a situação econômica. 

De tempos em tempos, você vê a mídia dizendo, “Ah, mas o governo venezuelano diz que as sanções dos EUA estão contribuindo para esta terrível situação econômica”. Eles não perguntam para qualquer especialista independente. Você sabe, qualquer economista que está analisando o que está acontecendo na Venezuela hoje dirá: “Bem, sim, essas sanções, obviamente, estão tendo um impacto muito negativo”.

Finalmente, uma das coisas que a cobertura faz é apresentar o povo venezuelano como ignorante. Um artigo da Timedo ano passado, inclui uma das minhas criações favoritas. Primeiro de tudo, diz que a atual crise “remonta à eleição de Hugo Chávez à presidência, em 1998”, então Chávez inventou um sistema político que, “frequentemente, usava preços altos do petróleo para subornar as massas para apoiá-lo”.

A imagem do povo venezuelano que se tem pela cobertura da mídia dos EUA é realmente meio ignorada, sem saber o que é bom para eles mesmos, e mais uma vez, exigindo algum tipo de intervenção para dizer a eles como se faz uma democracia.

Sim, Isso é um tanto absurdo. Sério, o que nós estamos vendo na Venezuela é, em primeiro lugar, uma extraordinária população bem organizada e particularmente em comunidades pobres, que são certamente quem está enfrentando uma situação econômica muito dramática, mas eu penso que fazendo algo de forma eficaz que torne a situação sustentável para aquelas comunidades. Então, nós veremos um nível muito, muito alto de organização nas comunidades.

Eu diria que a vasta maioria de venezuelanos neste momento está, provavelmente, bastante descontente com Maduro e seu governo. Entretanto, a oposição da Venezuela realmente não oferece uma alternativa viável para o governo de Maduro. Eles nunca apresentaram nenhum tipo de proposta econômica coerente, com a possível exceção do candidato da oposição da eleição do ano passado. Mas, é claro, a maioria dos partidos da oposição boicotaram as eleições.

Em geral, eu acho que muitos venezuelanos, certamente aqueles que vieram de comunidades de baixa renda, são muito consciente do fato de que a oposição é ligada à tradicional elite econômica do país e eles tem a terrível reputação de envolvimento nos governos antes de Chávez estar no poder.

As coisas podem estar ruins para Maduro, mas, eu acho que existe um senso entre muitos venezuelanos de que as coisas podem ficar bem piores sob os governos de oposição, particularmente, se eles impuserem o tipo de política neoliberal que prejudicou imensamente o povo pobre da Venezuela durante décadas antes da eleição do Hugo Chávez, no final dos anos 1990.

Não deixe de assistir o programa especial da Tv Diálogos do Sul sobre a tentativa de golpe na Venezuela:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Janine Jackson

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