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Luís Nassif: Porque a "grande imprensa" brasileira perdeu a narrativa para as fake news

Quem que faz a mediação da opinião pública? Deveria ser a mídia, os chamados jornais da grande mídia. Mas você não tem mais essa imprensa aqui.
Luís Nassif
GGN

Tradução:

O País tem assistido a uma disputa de narrativas que é uma das coisas mais nonsense de sua história. Veja o episódio da saída dos médicos cubanos.

Bolsonaro queria mudar pagamento ao governo cubano e impôr a revalidação do diploma, um conjunto de exigências que acabaria com o programa Mais Médicos.

Hoje, com Cuba anunciando sua retirada da parceria, Bolsonaro diz a seus seguidores que libertou os médicos da escravidão e os devolveu a seus familiares. Mas como deputado, Bolsonaro tentou proibir, por exemplo, a vinda dessas mesmas famílias ao Brasil.

É um caso que mostra que estamos lidando com um mentiroso clássico, que foi eleito presidente da República.

Quem que faz a mediação da opinião pública? Deveria ser a mídia, os chamados jornais da grande mídia. Mas você não tem mais essa imprensa aqui.

Facebook / Reprodução
Estamos lidando com um mentiroso clássico, que foi eleito presidente da República.

Guerra de Narrativas

De um lado teríamos o pessoal do Bolsonaro dizendo que os cubanos foram libertados e, de outro, aqueles que dizem que a saída dos cubanos, com todos os reflexos sobre 600 municípios que ficarão sem médico, é culpa das declarações do presidente eleito.

Quem que faz a mediação da opinião pública? Deveria ser a mídia, os chamados jornais da grande mídia, aqueles que definem a opinião. Mas você não tem mais essa imprensa aqui.

Desde o impeachment Collor há um jornalismo de guerra que consiste em sempre dar as versões que interessavam, que dão manchete mesmo em cima de avaliações erradas e sensacionalistas. O importante é ter volume de leitura.

De 2005 para cá, quando Roberto Civita montou a cartelização da mídia e implementou definitivamente o jornalismo de guerra, qualquer história de mediação veio por água abaixo.

No jornalismo de guerra, o que importa é ganhar a narrativa considerando alguns interesses, como o do mercado.

Há inúmeros exemplos de narrativas erradas que ganham a opinião pública nos últimos anos. A história que Bolsonaro repete, de que há um número gigante de estatais e por isso tudo deve ser privatizado, é uma delas. Que a Petrobras foi quebrada pela corrupção, é outra narrativa manipulada.

O que levou a uma redução de valor da Petrobras foi a queda do preço do barril de petróleo no ambiente internacional. Os ajustes contábeis decorrentes desse fato foram todos tratados pela imprensa meramente como valor da corrupção.

Há décadas, diariamente, a mídia viciou o organismo da opinião pública em toda sorte de manipulação. E soma-se a isso a arrogância que acompanhou a imprensa desde o impeachment do Collor, como se ela fosse o poder maior. Tudo isso matou a capacidade de mediação da mídia.

Então, agora, quando chega um novo governo com um chanceler que fala os absurdos que fala, com os filhos do presidente e outros membros do núcleo duro moldando discursos com base numa visão religiosa fundamentalista, sem conhecimento técnico e científico sobre vários assuntos, prevalecem as mentiras deslavadas, como essa do Mais Médicos, porque a mídia já não consegue fazer a mediação.

Manipulação versus mediação

A mídia ganhou nos últimos anos um poder de manipulação que consequentemente matou sua capacidade de mediação.

A queda na qualidade jornalística comprometeu a informação, que é fundamental dentro de um ambiente democrático e de mercado. Através da informação é que se forma a opinião, e através da opinião você forma os pactos jurídicos, políticos, constitucionais, e dali derivam as leis.

O que aconteceu foi que o desmonte da credibilidade da informação se deu ainda no período de predomínio da mídia, e agora as redes sociais bagunçam mais ainda a guerra de narrativas. Não adianta mais a imprensa dizer que a culpa dos Mais Médicos é do Bolsonaro porque o pessoal vai acreditar no que ele diz nas redes.

O grande problema, acima de tudo, são os filtros, a falta de canais de controle. Trump tem seus canais de controle dentro do próprio governo. É o que está impedindo que as maluquices dele tenham consequências maiores. Lá, por trás de tudo, você tem uma mídia de opinião que faz a cabeça dos técnicos que seguram os abusos. Fazem a cabeça gerando debate na imprensa a partir de várias opiniões técnicas. Isso não tem no Brasil. O que a mídia criou dentro das corporações públicas, nesse período, foi uma militância antipetista que se sobrepôs ao debate técnico e aos mecanismos de controle.

Não importa mais se a consequência é que vamos deixar milhões sem médicos. O que importa é que vamos tirar esses comunistas daqui. Vence o discurso que não se submeteu à mediação.

Elogios e críticas

O padrão de mediação da mídia, em relação a qualquer governo, deveria ser o de elogiar o que tem de ser elogiado, e criticar o que tem de ser criticado, para que o leitor entenda o peso. Mas esse padrão não foi estabelecido.

Hoje temos um País em que todas as barbaridades, no plano das discussões das ideias, ganham força. Tudo vira guerra de narrativas.

Infelizmente a imprensa tenta agora de algum modo recuperar a credibilidade perdida, mas foram muitos anos de demonstração de poder, de usar a influência midiática para promover badernas e derrubar presidentes, e hoje o mercado de opinião está a mercê de qualquer cultivador de teorias de disco voador.

Assista o comentário de Luis Nassif, na íntegra, abaixo:

Original: GGM

** Revisão e edição: João Baptista Pimentel Neto


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Luís Nassif

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