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Stella Caloni: Guerra Contrainsurgente – Brasil sob fogo

Stella Calloni

Tradução:

Stela Calloni, jornalista das mais premiadas na Argentina, correspondente de La Jornada do México, e representante de Diálogos do Sul, a primeira a revelar para a Mídia a Operação Condor, inicia uma série de reportagens sobre a guerra contrainsurgente na América Latina, e começa com o Brasil, talvez o mais emblemático.

Stella Calloni*

terror-155754_640Imagens da guerra contrainsurgente que os Estados Unidos aplicam de forma simultânea se vêem todos os dias em vários países da região, para fazer-nos lembrar de que a ofensiva está ativada e que não há nenhum tipo de ocultação sobre o objetivo geral que não é – como se diz – chegar a uma restauração conservadora, mas sim, como estamos vendo na Argentina, uma restauração colonial.

É por causa de “erros” que caem os governos populares e progressistas? Na realidade o maior erro cometido é não ter percebido que a “nova” direita brutal à qual se enfrentam, é hoje como nunca foi antes a mais decadente, porém organizada, dirigida e financiada por Washington. Governos sem poder, como são e como foram, enfrentam-se nada menos do que com o poder imperial, que os castiga não pelos seus erros, mas por seus melhores acertos. O erro é não ter percebido que o inimigo real em período de expansão global e descarnada, os Estados Unidos não iam deixar avançar o maior projeto emancipatório destes tempos, quando seu plano, desde o princípio do século, era a recolonização continental.
A imagem dos deputados “coloniais” do Congresso do Brasil, quando em “nome de Deus”, da “democracia”, do “povo brasileiro” protagonizavam um violento “golpe suave” votando a favor do julgamento político contra a presidenta Dilma Rousseff, sem nenhuma acusação válida, sem nenhuma prova, deu conta da guerra contrainsurgente deste período histórico.
Rousseff, espionada dia a dia, como denunciou em 2013 Edward Snowden, consultor da Agência Nacional de Inteligência dos Estados Unidos, por órgãos de inteligência desse país, estava sendo golpeada, desacreditada tanto pela Rede Globo, poderosa dona de mídia no Brasil, como pela revista Veja, especialista em denúncias falsas, entre outras tantas.
A espionagem é um crime contra a lei brasileira e a Constituição, que garante o direito à intimidade e à privacidade, violadas todos os dias pelos meios do poder hegemônico.
A Guerra psicológica, parte essencial da contra insurgência na GBI (Guerra de Baixa Intensidade) que o Império está aplicando no continente, derivou para um nível de terrorismo mediático de um nível nunca visto, enquanto os milhões de dólares investidos por Washington servem para financiar a oposição brasileira, mediante uma série de Fundações e Organizações Não Governamentais (ONGs) dependentes das Fundações “mães” desse país. Uma oposição em cujas filas se concentram um dos poderes econômicos mais corruptos da América Latina.
Essa imagem do Congresso na noite de 17 de abril será inesquecível para nossos povos, para os milhões de brasileiros que pela primeira vez na história, sob os governos de Inácio Lula da Silva (2003-2011) e de Dilma Rousseff (2011, reeleita em 2014, assumindo em janeiro de 2015), tiraram 50 milhões de cidadãos da miséria e da indigência.
Essa imagem dupla estava nas ruas. Por um lado, uma evidente classe alta e média e os integrantes de muitas ONGs pagas por Washington, e por outro, o povo, os intelectuais, os trabalhadores, os sem terra, os que não puderam ser cooptados pela propaganda fascista (aquela que foi usada por Joseph Goebels o “comunicador” de Adolf Hitler na Alemanha Nazista) e por isso denunciaram o golpe. Atrás dos primeiros está a sombra dos militares, aqueles que mantiveram uma longa ditadura de 1964 até 1985, depois de derrubar, também com o apoio dos EUA, o presidente João Goulart.
Era tão evidente a diferença de classes, que é bom registrá-la entre as imagens desta ofensiva contrainsurgente. O que demonstra que desde o início essa ofensiva encontra resistência em todos os nossos países.
No Brasil estamos vendo um novo golpe – como os de Honduras 2009 e Paraguai 2012 – onde promotores e juízes agiram junto a parlamentares, muitos deles de partidos de longa tradição, e responsáveis por todas as formas de corrupção, para destituir um presidente democraticamente eleito pelo povo.
Poucos têm falado das novas “Escolas das Américas” neste caso para treinar e cooptar juízes e funcionários do judiciário, parlamentares, ou jovens estudantes e empresários, como aqueles da ex Europa do Leste que participaram ativamente dos golpes suaves ou brandos, das falsamente chamadas “revoluções coloridas” cujas ações eram planejadas nas dependências do Pentágono estadunidense.
E é preciso dizer que eram financiadas por meio das mesmas famosas Fundações e suas crias, as ONGs, que nestes tempos se entendem como teia de aranha invasora por toda a América Latina.
A justiça nunca se democratizou em nossa região. E os parlamentares da nova direita decadente e amoral – como estamos vendo na Argentina ou na Venezuela, ou na Bolívia ou no Equador – foram muitos deles “comprados” como aconteceu e foi demonstrado no golpe hondurenho. É claro que tardiamente.
Dilma é denunciada por deputados tão corruptos como Eduardo Cunha (PMDB-RJ), como é de público conhecimento, e juízes abertamente envolvidos com a oposição contra ela, como Sergio Moro, sem prova de nenhum delito cometido pela mandatária. Isso é de uma gravíssima ilegalidade e inconstitucionalidade.
O mesmo Moro ordenou espionagem telefônica contra a mandatária – violando leis – e contra o  ex-presidente Lula, que foi sequestrado em sua casa, no último dia 4 de março, por ordens do mesmo magistrado para uma declaração forçada, o que foi e continua sendo ilegal. E para acrescentar irregularidades, o juiz Itagiba Preta Neto, publicamente opositor ao governo como Moro, ordenou a suspensão da nomeação de Lula como Ministro da Casa Civil, como havia decidido a presidenta. A imagem do ex presidente Luiz Inácio Lula da Silva  caminhando algemado entre policiais, só para humilhá-lo e para que essa foto percorresse o mundo, é parte das imagens desta guerra contrainsurgente. O secretário geral da OEA (Organização de Estados Americanos), Luis Almagro, negou que houvesse uma “acusação bem fundamentada” contra Dilma Rousseff e falou de irregularidades. O que fará agora? A mesma coisa fez The New York Times, em uma recente manchete.
Almagro é o mesmo que ampara a oposição venezuelana, majoritária no Congresso, e que tenta utilizá-lo para não debater e legislar como é devido, mas simplesmente para tentar por todos os meios destituir o presidente Nicolás Maduro, como tem declarado publicamente, embora não conte com uma justiça “injusta” como gostariam.
Esse parlamento, como o do Brasil, está em grave falta e dinamita o próprio Congresso como instituição da “democracia”, o que é necessário avaliar pelas consequências políticas para um futuro próximo.
Os canais de TV do monopólio da desinformação no Brasil, tal como a Rede Globo, continuam jogando seu jogo golpista a cada dia, o que não é novidade se olharmos para o seu passado.
Em abril de 2014, um documento desclassificado e divulgado pela jornalista Helen Sthephanowitz, da cadeia Rede Brasil Atual, mostrou claramente o papel cumprido por Roberto Marinho, titular do poderoso grupo O Globo durante a ditadura militar nesse país (1964-1985). Marinho ademais era o homem à frente da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa). Tratava-se de um documento de comunicação do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, informando ao Departamento de Estado sobre suas conversas com o poderoso empresário Marinho.
Helen Sthephanowitz mencionou os detalhes do documento sobre a discussão de ambos – o diplomata e o empresário – em relação à sucessão do general Humberto Castelo Branco, “o primeiro presidente de fato da longa ditadura”. A data do documento era 14 de agosto de 1965 quando Gordon enviou a seus chefes um telegrama classificado como “altamente confidencial” no qual dizia que Marinho estava “trabalhando em silêncio para conseguir a prorrogação ou renovação do mandato que seus pares haviam outorgado a Castelo Branco”.
Mencionava também nessa mesma tarefa o chefe da Casa Militar, general Ernesto Geisel – que substituiu Castelo Branco na sucessão ditatorial – e ademais o chefe do Serviço Nacional de Informação, general Golbery do Couto e Silva, e o chefe da Casa Civil, Luis Vianna.
“De acordo com Gordon, o general resistia à ideia”, destaca a jornalista. Segundo o documento, o proprietário da Globo também sondou Gordon sobre a possibilidade de “trazer” o então embaixador em Washington, Juracy Magalhães, para ocupar O Ministério da Justiça.
“O objetivo era ter Magalhães por perto para endurecer o regime, já que o ministro Milton Campos era considerado demasiado fraco, segundo o telegrama”, assinalou a jornalista da Rede Brasil Atual. Agregou que Magalhães, na pasta da justiça, “reforçou a censura aos meios de comunicação e pediu aos donos de jornais a cabeça dos jornalistas”.
De maneira que o papel golpista das Organizações Globo é uma continuidade da tarefa com os Estados Unidos, que decidiu regressar ao seu quintal, mediante o novo esquema de “golpe suave” imitador das chamadas “revoluções coloridas” na Europa, e das “primaveras árabes”. Estas deram inicio às guerras coloniais de século XXI e aos genocídios, que continuam na zona do Oriente Médio, no Norte da África, na Síria e em outros países.
O terrorismo mediático dos poderosos não teria dúvida em apoiar uma invasão militar dos Estados Unidos em nossa região, seja “humanitária ou em defesa da democracia”. E todos sabemos o que isso significa para “limpar o território”, ocupar e assegurar a morte antecipada de toda a resistência e assim consolidar seu retorno colonial. Isso se deixarmos, mas já estão vendo que não será tão fácil o está por vir.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Stella Calloni Atuou como correspondente de guerra em países da América Central e África do Norte. Já entrevistou diferentes chefes de Estado, como Fidel Castro, Hugo Chávez, Evo Morales, Luiz Inácio Lula da Silva, Rafael Correa, Daniel Ortega, Salvador Allende, etc.

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