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O colonialismo por trás da cortina da Eurocopa

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Cristiano Ronaldo
Cristiano Ronaldo

Cristiano Ronaldo entrou para o rol das lendas do futebol mundial. Conseguir que a fraca seleção portuguesa obtivesse seu primeiro título Europeu só foi possível por sua atuação dentro e fora do campo. Sua atitude de conter o choro de frustração por deixar o campo devido a uma lesão no joelho, para voltar a motivar e dirigir os jogadores se transformará em uma dessas imagens antológicas do que representa o futebol. Não podemos deixar de lado a atuação das mãos de ferro e reflexos milagrosos do goleiro Rui Patricio, que transformou o arco português em uma muralha impenetrável. Mas eu não vim falar do espetáculo. Meu conhecimento e capacidade de análise não estão à altura da expectativa dos prováveis leitores deste texto.

Amauri Chamorro*
Eu vi a final da Eurocopa entre Guinea-Bisáu, Cabo Verde, Angola, Senegal y Argélia. E me perguntava como neste momento de endurecimento do racismo histórico dos anglo-saxões, flamengos, gauleses, prussianos e eslavos em relação a suas colônias, se depositava tanta esperança na habilidade dos cidadãos de outro lado do Mediterrâneo.
A final deveria ser mais bem utilizada para combater a hipocrisia europeia para com o resto do mundo. Agora que as fronteiras da Europa se fecham de maneira insensível para os milhões de refugiados e deslocados africanos, agora que a islamofobia se consolida, a Eurocopa poderia ser utilizada como um caso de estudo do eurocentrismo neocolonialista. África envia as estrelas para manejar trilhões de dólares da “cosa nostra” futebolística mundial, e em troca lhes daremos a honra de vestir as camisas das seleções colonizadoras. A quantidade de africanos que jogaram na Eurocopa, entre eles Éder que fez o golaço do título para Portugal, dá um sinal que pode ser mais que apenas uma metáfora de como tem funcionado o mundo. Novamente os africanos só servem para trazer riqueza e alegria aos povos brancos do norte.
Das seleções que jogaram no domingo dia 4, nasceram na África: William Carvalho, Éder, Umtiti e Evra; outros 6 jogadores têm origem africana: Renato, Nani, Sagna, Matuidi, Pogba e Sissoko. Apesar disso, dia após dia a Europa continua fechando a ajuda aos milhões de migrantes que fogem das bombas francesas, dos caças alemães, da infantaria inglesa e das artilharias suecas que diariamente destroçam a Síria, a Líbia, o Iraque, o Afeganistão, e que continuam financiando o assalto ao continente africano para contrabandear seu ouro, diamantes, marfim e petróleo, causando um deslocamento forçado  de milhões de pessoas. Essas guerras, nas quais a ONU age apenas como porta voz dos impérios para justificar o injustificável são causadas há séculos por Portugal, França, Holanda, Bélgica, Inglaterra, Alemanha, Espanha. Toda a deteriorada União Europeia tem responsabilidade no genocídio africano, de proporções tal que fazem o Holocausto Judeu parecer um dia normal em um jardim da infância. O rei da Bélgica, Henrique V assassinou de maneira sistemática mais de 10 milhões de pessoas no Congo durante 15 anos, e agora o jogador de origem congolesa Jordan Lukaku joga na seleção belga. Em apenas um par de anos, a França matou mais de um milhão de pessoas na Argélia de Zidane e Benzemá. Seus soldados faziam selfies com as cabeças decepadas de cidadãos comuns. Essa é a verdade por trás da Eurocopa do milagre português.
Todos esses jogadores africanos que deram alegrias aos europeus são fruto da migração forçada para a Europa, resultado dessa visão de mundo, onde nós participamos como a multidão do banquete eurocêntrico, o mesmo que também molda a cultura do racismo nativo e subdesenvolvido que ainda persiste dentro de todos nós. Os afro equatorianos, peruanos, colombianos, brasileiros, que sobrevivam no futebol. Esse é o seu espaço. Essa é a sua sorte. Essa é a sua desgraça. O corrupto futebol, que tanto nos traz alegria, que nos arranca lágrimas, que une a todas as pessoas de uma mesma nação, deveria ser aproveitado como vetor para a aproximação cultural, para a superação da discriminação e quem sabe até como forma de assumir a impagável dívida histórica que a Europa tem com o resto do mundo. Parabéns à Guiné-Bissau pelo título de Portugal.
 
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Quito, Equador


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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