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Imperialismo, golpe, sanções, refugiados: como conflito no Sudão impacta ordem multipolar

Crise, motivada por acordos e pressões promovidos por ONU, EUA e Inglaterra, envolve numerosos jogos internacionais
Redação Misión Verdad
Missão Verdade
Caracas

Tradução:

Em 15 de abril deste ano teve início um confronto armado entre as Forças Armadas do Sudão (SAF, na sigla em inglês), comandadas pelo atual líder general Abdel Fatah al Burhan, e a formação paramilitar Forças de Resposta Rápida (RSF, na sigla em inglês), sob o comando de Mohamed Hamdam Dagalo, conhecido também por seu codinome Hemedti, sócio “júnior” da coalizão que de fato governa o país desde final de outubro de 2020, depois de um golpe de Estado levado a cabo pelo SAF, com apoio das RSF, contra o Conselho de Transição.

Depois da derrubada do governo de Omar al Bashir em abril de 2019 o país passou às mãos de um conselho de transição formado por cinco militares e cinco civis, estes últimos representantes das classes profissionais das principais cidades: Jartum (a capital) e Omdurman (a segunda cidade). Poder-se-ia dizer que este órgão, mais do que uma representação efetiva das complexas e diversas forças políticas do extenso e balcanizado país, é uma clara amostra da fôrma ocidental que incidiu em sua configuração.

Recrudecimento de conflitos étnicos ameaça a paz e unidade territorial do Sudão do Sul

As duas figuras, até há pouco aliadas, integravam o Conselho Soberano, encabeçado por al Burhan, que pelo menos em princípio foi a entidade encarregada de dar os passos de “transição” para um governo civil baseado no Acordo Marco assinado em dezembro de 2022 e promovido pela ONU, Estados Unidos e Inglaterra. Não obstante, o fator que levou ao conflito está diretamente relacionado com a maneira como foi estabelecido o acordo e as pressões, em um marco temporal extremamente curto, para que as RSF se assimilassem à estrutura formal do exército sudanês.

Isto, na superfície, degenerou no enfrentamento armado de ambas as formações por quase 15 dias em plena capital, onde uma série de atritos turvaram as discussões entre ambos levando-os até o atual confronto de forma traumática, não só pelo que por si só representa até agora com sua alta cifra de mortos, feridos, deslocados e destruição mas sim que ocorre, diferentemente do padrão histórico habitual, em plena capital, em vez de nas costumeiras periferias geográficas (Darfur, Kondorfán, o Nilo Azul ou as montanhas núbias)*.

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A toque de caixa, em 2 de maio foi dada a notícia de um cessar fogo durante sete dias promovido e transmitido por um comunicado do ministério de exteriores do Sudão do Sul, mediado por Salva Kiir, seu presidente, que conversou diretamente com as duas partes e anunciou também o início de diálogos em Riad, na Arábia Saudita, no formato do IGAD, acrônimo da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento da África Oriental.

Os combates foram particularmente cruentos posto que foram travados em zonas residenciais mais do que em âmbitos militares, e as RSF se entrincheiraram também em hospitais e outros edifícios civis. A ONU já começa a falar em 100 mil deslocados para países vizinhos, correndo o risco de chegarem a 800 mil, com o consequente número de mortos e feridos, além dos danos materiais. Enquanto isso, em regiões voláteis como Darfur o conflito reflete em grande medida parte do quadro sociológico existente na capital.

Crise, motivada por acordos e pressões promovidos por ONU, EUA e Inglaterra, envolve numerosos jogos internacionais

Forças Armadas do Sudão
Quadro político interno no Sudão pode parecer frágil e complexo, ainda mais quando visto pelo Ocidente, mas isso não o torna menos dinâmico




O pano de fundo

Como de costume, a explicação que se divulga sobre o que ocorre no Sudão se limita, essencialmente, à luta pelo poder entre o SAF e as RSF, em especial porque esta é uma estrutura paramilitar que emergiu e se consolidou depois da guerra de Darfur, com Hemedti como seu líder. O suposto núcleo do desentendimento radica, segundo dizem, no tempo ao término do qual se daria a assimilação: Burhan aposta em um período de dois anos, enquanto que Hemedti de dez.

Impossível aprofundar nisso mas torna-se obrigatório ressaltar, pelo menos, que a turbulenta história do Sudão é narrada a partir das diferenças estruturais da relação centro-periferia: no primeiro se encontra a elite ribeirinha (pelo Nilo) e na segunda o resto das expressões regionais, com seus periódicos ciclos de tentativas de unidade, antagonismos por diferenças políticas e étnicas, golpes de Estado que levam o país a décadas de governo militar, etcétera.

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No centro se concentram os principais espaços de poder, riqueza e controle sobre os recursos, uma marca que evoluiu desta maneira desde a colônia, passando pela descolonização e permanecendo neste status por décadas; enquanto que na segunda, encarnada neste caso por Hemedti — uma das expressões regionais — trata-se de um líder militar que provem de clãs árabes de Darfur.

Esta divisão histórica sofre uma modificação com a chegada ao poder das RSF, que foram adquirindo seu próprio espaço, organizando sua estrutura de poder particular. Esta estrutura replicava a já instalada pelas forças políticas de Jartum, baseada em um consenso militar-empresarial que, mediante indústrias, firmas comerciais e o poder político administram os distintos fluxos de renda e riqueza. No caso das RSF isto se manifestou mediante a extração de ouro mas também nos serviços militares que oferecem como companhia militar privada e mercenariato —tiveram uma importante cota de mercado na agressão saudita e dos emirados ao Iêmen, ao se porem a serviço da coalizão que de Aden enfrentava os hutis e o exército iemenita.

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Em poucas palavras: trata-se de um ator com um peso político e militar específico que não pode ser ignorado nem desprezado, depois que durante os anos incertos que vão de 2019 a nossos dias conseguiram estabelecer um jogo de poder que replica o da elite ribeirinha; esta o vê com maus olhos porque não representa os círculos tradicionais, sendo considerado um arrivista.

Mas, claro, isto por si só não teria como explicar o desequilíbrio provocado que levou às hostilidades abertas entre ambos, tal como gostaria de mostrar o “senso comum” da mídia mainstream. No fundo, operam dois elementos fundamentais: em primeiro lugar a recente mediação/atuação da ONU e dos atores ocidentais, de outro lado os múltiplos e complexos vetores geopolíticos em jogo que além do mais testemunham os dramáticos movimentos regionais mas também globais, primeiro no mundo árabe e, segundo, no processo de formação da multipolaridade.

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O Sudão, outrora o maior país da África e entre os primeiros do mundo, desde sua independência formal em 1956, sempre esteve na mira das dinâmicas do poder geopolítico, razão pela qual sobre seu território sempre exerceu-se uma série de fatores de divisão e uma dinâmica muito pesada em matéria de intervenção estrangeira. Tampouco existe espaço para glosar neste texto a divisão étnica norte-sul que levou à balcanização do país em 2011 e que dividiu o Sul subsaariano, agrário e cristão/animista — onde se encontram 75% das reservas de petróleo, agora em mãos do Sudão do Sul —, do norte árabe, islâmico, com o olhar posto nessa direção.

O certo é que pelo menos o alinhamento sudanês em suas relações internacionais reproduzia uma série de posições que se ajustaram primeiro com o Irã — com quem posteriormente rompeu relações, em 2016— para situar-se depois na órbita arábica, o que implicava o não-reconhecimento do Estado de Israel sendo, ainda, um promotor ativo — inclusive com apoio militar — da causa palestina. Não obstante, o processo de articulação regional que se orientou para as estipulações sauditas, dos emirados e egípcias, por um lado, e à dinâmica do Chifre da África, pelo outro, foi levando-o a uma posição diferente.

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Aqui também operaram em suas distintas etapas as consequências do regime de “sanções” imposto pelos Estados Unido, que tipificou o Sudão como país promotor do terrorismo, assim como os crimes de guerra processados pela Corte Penal Internacional da região de Darfur. Igualmente é evidente o peso que tem para calibrar o fundo que mantem este conflito a produção e extração de commodities além do petróleo, em particular o ouro, uma vez que se trata de um país repleto de recursos hídricos e minerais, além de uma posição geográfica decisiva: de frente para o mar Vermelho e o estreito de Bab el Mandeb.

Para os grandes poderes globais é impossível ignorar todo este contexto. Desde 2019 até nossos dias houve diversas guinadas importantes com sua inegável série de consequências. Por um lado, existe uma relação particular com o Egito desde os tempos coloniais. Por outro, os distintos círculos militares e econômicos exercem seus próprios esquemas de relações com os pesos pesados do golfo Pérsico, onde a Arábia Saudita tem um papel preponderante — próxima, neste caso, a al Burhan e ao SAF —, mas sem desprezar o papel dos Emirados —com os quais Hemedti goza de uma relação privilegiada — , nem o de outros atores como Turquia e Catar, que representavam outra corrente islamista que até há pouco se encontrava em uma situação difícil com relação a Riad e Abu Dhabi.

Acrescente-se a isto que o principal sócio comercial de Jartum continua sendo a China e que goza de boas relações com a Rússia; desde então as potências ocidentais perceberam que não iam conseguir estabelecer de todo, ou pelo menos como queriam, um governo civil na fôrma liberal —excluindo a infinidade de matizes e dinâmicas interconectadas— mais “western friendly”.

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Ainda assim o Sudão deu passos dramáticos nesta direção, reabrindo uma embaixada estadunidense depois de 25 anos sem ela, enquanto que, ainda mais dramático, estabeleceram um calendário ativo para o reconhecimento do Estado de Israel sob o guarda-chuva dos Acordos de Abrahão promovidos pela administração Trump, mediante os quais os países árabes empreendem o processo paulatino de reconhecimento de Telavive.

É em função desse ato de reconhecimento que os Estados Unidos levantam o regime de medidas coercitivas unilaterais, tirando do Sudão o status de país promotor do terrorismo. Como de costume, estas decisões nunca vêm sozinhas e com esta comporta aberta ingressa na dinâmica do país todo o rosário de mecanismos não só de intervenção e cooptação como as lógicas do esquema liberal ocidental, e também a “ordem baseada em normas”.

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Assim, a principal causa do atual conflito não pode ser circunscrita a uma vulgar luta pelo poder entre al Burhan e Dagalo, não só aliados político-militares mas amigos, mas à atuação “mediadora”, neste caso, da ONU.

Se por um lado Hemedti e as RSF buscam preservar instâncias de poder no lugar que paulatinamente construiram e que, portanto, propugnam para que sejam reconhecidas, por outro reflete-se a lógica simplificadora, ansiosa e básica dos tótens liberais da formação de um novo governo sob “administração civil”, “transição para a democracia” e “eleições livres” como elementos sine qua non para a “normalização” do Sudão. No centro disto opera o enviado da ONU, Volker Perthes, um “think-tanker do establishment alemão, iluminado pela ideologia neocon”.

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Concentrando as pressões, como se viu na última reunião do organismo multilateral em 15 de março, na transição do poder e na formação do governo civil, em lugar de considerar as distintas dinâmicas, matizes e processos sociopolíticos em curso, que poderiam gerar as condições básicas para um processo com êxito, o pouco voo diplomático exacerbou a crise em vez de contribuir para o estabelecimento de passos que garantissem a estabilidade no rumo discutido. Com esta aproximação confirmou-se o que disse M.K. Bhadrakumar: a preferência do atual secretário geral da organização, Antonio Guterres, por enviar encarregados angloeuropeus aos focos críticos “onde estão em jogo os interesses geopolíticos ocidentais”.

O poucoa nível diplomático é sem dúvida uma das causas principais da intensificação deste conflito, mas não necessariamente a única. Parecia ter sido uma surpresa, assim como motivo de preocupação e alarme para todos os atores implicados, sem , dada a cacofonia das distintas iniciativas de mediação às vezes erráticas e os vários fracassos de cessar fogo. O último estabelecido foi precedido por um no marco do Eid al Fitr, no final do mês sagrado do Ramadan, que simplesmente nenhuma das partes cumpriu.

Não obstante, um exame com lente de aumento incrementada permite vislumbrar uma série de vetores não menos importantes.


Os movimentos geopolíticos além da superfície

Convém indicar em primeiro lugar a pressão que entre os requisitos ocidentais cumpre a transição para um governo civil contemplado no reconhecimento de Israel como quid pro quo para o levantamento das “sanções”, enquanto que no centro desta exigência se encontra, do lado de Telavive, que tal reconhecimento não seja oriundo de um governo militar. Mas no centro desta tática, foi dito, contrapõem-se todas as dinâmicas intrínsecas e históricas da administração do poder, dos recursos e do dinheiro, o que incluiria o alinhamento em matéria de relações internacionais do país. Processo que não se resolveria por artes de magia liberal.

Depois, em um plano mais constante, estão as relações com os fatores regionais de maior poder e influência econômica: Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. Na última década o Sudão embarcou nas distintas agendas internacionais destes países, estabelecendo acordos de natureza comercial, de infraestrutura e econômica.

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Apesar de que Jartum não teve uma posição clara e imediata em relação à guerra contra a Síria — não apoiou a expulsão do país levantino da Liga Árabe —, tampouco se opôs à de Riad ou Abu Dhabi. Igualmente, e de forma mais clara, manifestou-se no Iêmen enquanto assumia uma de caráter intermediário com relação ao Catar e à Turquia, outros núcleos políticos e econômicos de importância mas na órbita ideológica dos Irmãos Muçulmanos em oposição às do sistema saudita, com sua banca islâmica, suas madrasas e suas organizações caritativas.

Precisamente isto levou o Sudão a seguir a pauta — o mesmo fez o Chade — de somar-se aos Acordos de Abrahão, como um dos primeiros movimentos do governo de transição que emergiu desde a queda de al Bashir em 2019.

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No meio de tudo isso aparecem as próprias apostas sauditas e dos emirados, algo que como se supunha consistia em reajustar-se à nova orientação destes países em matéria de estilo diplomático, políticas de resolução de conflitos e adesão à proposta econômica em torno dos Brics,  com o petroyuan como centro gravitacional emergente. Países que por haverem assumido posições beligerantes e aventuras de intervenção estrangeiras falidas —Síria, Iêmen e Irã— tiveram que realinhar-se agora sob novos auspícios. Em suma, este conflito no Sudão supõe uma nova prova de suas capacidades diplomáticas, resolutivas e comerciais.

Durante a administração Trump o Departamento de Estado em vez de assumir uma política direta com relação ao Sudão decidiu delegar todos os mecanismos desta natureza, precisamente, a estes aliados históricos —inclusive a Etiópia— em lugar da ação direta, algo que havia começado a modificar-se com o exercício da administração Biden, que tampouco estabelece uma política particular e clara, além dos postulados habituais já mencionados.

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Os interesses geoeconômicos das potências regionais árabes são grandes, e a posição mais ou menos geral sobre este conflito, em particular para Riad, é de uma resolução rápida, agora com tanto em jogo. O mar Vermelho influi preponderantemente nos projetos de transição do príncipe Mohamed Bin Salman com seu mega projeto de cidade do futuro, NEOM, assentado na costa norte do país. Além disso, Riad criou duas zonas econômicas especiais, precisamente nesta linha costeira com o Sudão, como parte de sua estratégia de transição econômica e energética.

Por outro lado os Emirados, até agora mais próximos a Hemedti, fazem parte do grupo conhecido como o “Quad”, junto com os Estados Unidos e o Reino Unido, em apoio a uma transição democrática no Sudão. Mas chega-se a considerar que nesse cálculo de apoio um conflito desta magnitude não estava previsto nem era desejado em sua tática, visto que seu próprio investimento multimilionário em projetos de agricultura e em uma cadeia de interconexão marítima encontra-se igualmente comprometido.

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Também é preciso avaliar o papel do Egito, por um lado alinhado a Riad, que também tem seus próprios interesses e preocupações, e manifesta seu apoio a um exército nacional unificado, razão pela qual favorece a posição de al Burhan mas também interessado em uma inserção coerente das RSF nas estruturas estatais.

Depois, não menos importante e em grande medida um fator visível, está a própria relação com a Federação Russa. Em fevereiro o chanceler Serguei Lavrov realizou uma visita ao Sudão, onde se reuniu com ambas as partes, o que supôs seu papel a favor da estabilidade política no país, coisa que se refletiu no comunicado de sua chancelaria no mesmo dia 15 de abril, quando começaram as hostilidades, em que apelava a ambas as facções para que manifestassem vontade política e encontrassem uma solução política para o conflito.

Se Moscou tivesse algum interesse em provocar um desentendimento que derivasse em armas não teria reativado em setembro do ano passado um acordo de 2017 que contemplava a construção de uma base naval da armada russa em Port Sudan, no Mar Vermelho, coisa que não provocou nenhum estardalhaço naqueles que na época eram o comando político do país, e que hoje se enfrentam.

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Mas isto nos leva diretamente ao comentário/ameaça do vistoso embaixador dos Estados Unidos no Sudão depois de 25 anos de interrupção da representação diplomática, quando no final do próprio mes de setembro declarou em uma entrevista que “todos os países têm o direito soberano de decidir com quem associar-se, mas estas escolhas, claro, têm consequências”, advertindo na mesma entrevista que esta decisão poderia isolar o Sudão “em um momento em que os sudaneses querem aproximar-se mais da comunidade internacional”.

Vale destacar que Hemedti estava em 22 de fevereiro de 2022 em uma visita oficial a Moscou, no dia em que Moscou deu início à Operação Militar Especial (OME) na Ucrânia.

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Outro filão que acompanhou a versão simplista do conflito foi a de um suposto “acordo” entre a —para o ocidente— controversa companhia militar privada Wagner, que supostamente fez um acordo com Hemedti e as RSF e se tornou um dos motivos pelos quais os Estados Unidos e a Inglaterra convocaram o Conselho de Segurança e conferiram internacionalização ao conflito (ocidentalizando-o?) para inibir as possíveis vias de solução com fatores regionais.

Mas é que, além disso, a arqui falcona Victoria Nuland esteve no Sudão em 9 de março deste ano para discutir a “transição democrática”. A isto deve-se agregar que desde 2011, o ano em que o Sudão foi dividido em dois, a NED e a Usaid incrementaram consideravelmente sua presença no país, o que contribuiu para sugerir significativamente a composição tecnocrática e ongueira do governo de transição de primeira hora em 2019.


O conflito e o equilíbrio instável: conclusões

Ao recrudescer o conflito na capital sudanesa um número considerável de delegações diplomáticas —inclusive a venezuelana— começou a evacuar seu pessoal. Uma revelação não desdenhável foi a descoberta da cifra que compõe o “pessoal diplomático” da embaixada dos Estados Unidos, um conjunto de 70 funcionários. Uma cifra altíssima para um país que não goza de relações políticas e comerciais intensas com Washington.

Para situar em perspectiva, a delegação estadunidense na Ucrânia é composta por 71 funcionários, além dos elementos militares fora do quadro diplomático formal. E falando deste mesmo ponto de vista, voltando ao Sudão, atrás ficaram, depois da evacuação, 16 mil cidadãos estadunidenses, o que não é preciso ler nas entrelinhas para ver aí um potencial conflito internacional e matéria prima para a intervenção direta.

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Mais ainda quando a única explicação para uma embaixada com um número tão alto de funcionários não tem explicação no interesse político formal, torna-se impossível não especular acerca de que isto tem a ver mais com uma base de inteligência avançada do que com um exército de atores comerciais.

O quadro político interno no Sudão pode parecer frágil e complexo, ainda mais quando visto pelo Ocidente, mas isso não o torna menos dinâmico, principalmente quando se põe em perspectiva os numerosos jogos internacionais em que Jartum, com seu choque de vetores internos, decidiu inserir-se.

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Sejam quais forem as razões que possam ser consideradas na natureza das decisões de abertura, tanto para o Oriente como para o Ocidente, por parte do Sudão, no contexto deste processo de transição política, pode concluir-se, independentemente dos sinais para Israel e para os Estados Unidos, que a orientação se dirige com peso para a outra frente.

O Sudão não só se acomoda ao realinhamento político no Oriente Médio — onde a China, o principal sócio comercial do país do Chifre da África, empreendeu acordos de paz e transformações profundas em matéria de comércio e investimentos —, mas que se encontra entre os últimos 19 países que se postularam para incorporar-se ao Brics+ há poucas semanas, o que estabelece claramente a impressão que também tem estado se refletindo tanto nos projetos econômicos e portuários dos países do golfo como também com os de infraestrutura em grande escala em matéria hidrológica e ferroviária sob a mesma lógica ganha-ganha do Cinturão e Rota.

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Diante disso, em 23 de abril o presidente Joe Biden anunciou uma Resolução de Poderes de Guerra para as presidências do Congresso e o Senado que habilita os Estados Unidos a deslocarem tropas para o Sudão, Djibuti e Etiópia, o que parece explicar a função que podem ter aqueles supostos 16 mil cidadãos de seu país no Sudão aos quais devem ser acrescentados otros nos outros países, em particular na Etiopía, que por pouco degenera, também, em uma guerra civil entre o governo e forças treceirizadas das regiões Tigray.

O outro foco de potencial conflito é representado pela transposição de Darfur do que ocorre nas principais cidades sudanesas, em particular em Jartum, uma vez que a própria dinâmica regional supõe o risco de que se transmita mediante alianças, clãs e outros vínculos para as fronteiras do Chade e da Líbia, perigo de um cenário de caos violento ainda maior.

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Com um prognóstico, em que fica claramente estabelecido porque o Sudão importa tanto na aposta multipolar e no Sul Global, emerge uma pergunta: Quanto cobrarão os Estados Unidos da Arábia Saudita porque a monarquia decidiu aderir de forma contundente e dramática à mudança de paradigma que rapidamente emerge este ano rumo à desdolarização?

Redação | Misión Verdad
Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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