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Extrema direita já tem candidato à sucessão de Lula: Tarcísio de Freitas

Para o economista Paulo Feldmann, governador é um candidato forte e pode tentar repetir estratégias de Doria com vistas em 2026
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Foi dada a largada para a próxima corrida ao Planalto em 2026. Nada melhor do que se valer do estado mais rico e populoso da Federação para mostrar as “maravilhas” que privatização e iniciativa privada podem trazer ao estado-país do Brasil.

Como o jogo já começou, é prudente acompanhar o que diz e faz o carioca eleito para comandar SP e a vida dos paulistas pelos próximos quatro anos. Por isso, conversei com o professor Paulo Feldmann – perplexo diante da perspectiva de privatização do Ensino: “Somos um país cuja maioria das pessoas pobres têm pouquíssimo acesso à educação”, denuncia ele, indignado também com o tratamento dispensado à Educação pela nova administração, que tem a perspectiva de ver o estado se transformar em vitrine do neoliberalismo.

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Dos 15 governadores eleitos no primeiro turno da última eleição, nove declararam apoio à candidatura de Jair Bolsonaro (PL) ao Palácio do Planalto. Seis são aliados de Luiz Inácio Lula da Silva. Como não poderia deixar de ser, São Paulo é o maior trunfo que o bolsonarismo poderia ter para disputar a próxima eleição presidencial. Tudo é grande em SP: a começar pela miséria. Ainda assim, e mesmo com a desindustrialização ‘em marcha’, o estado se mantém disparado como o mais rico da nação.

Vale lembrar que o Império do Norte tem interesse em manter o bolsonarismo na presidência do País. Os interesses em jogo são gigantescos. Quando os EUA vão conseguir alugar Alcântara (MA) – a melhor e mais econômica base de lançamento de foguetes do planeta? Brasileiro está proibido de circular em seu próprio País. Nem Fernando Henrique Cardoso conseguiu chegar a tanto.

Assim como a serpente* trata de esconder seus ovos no subsolo para protegê-los de intempéries e predadores, políticos são preparados para ocupar os mais altos cargos da administração pública onde haja potencial desenvolvimento e capital. Tarcísio foi contemplado com o terreno fértil de SP – tanto em capital quanto em número d’empresários, obras públicas, entre outros atrativos.

Para o economista Paulo Feldmann, governador é um candidato forte e pode tentar repetir estratégias de Doria com vistas em 2026

Alan Santos/ PR
Segundo Feldmann, tendência é governo de Tarcísio coloque em prática as ideias que Guedes não conseguiu aplicar no Governo Federal




Cintura grossa

Com todo esse handicap, o bem cultivado ‘zigoto’ Souza cresceu forte. E articulado. Quem poderia dizer que um desconhecido na política viesse a quebrar o monopólio de quase 30 anos do PSDB, além de vencer nomes de peso como Haddad, ex-candidato à presidência (PT)?

Tarcísio foi catapultado ao posto de sustentáculo do bolsonarismo nos próximos anos. Porém, com a derrota de Bolsonaro, a vida de quem recém saiu da casca na política se complicou. O suporte político e econômico de Brasília vai exigir muita negociação para ser obtido. Depois de montar um secretariado sob medida para satisfazer seu criador, agora ele negocia com o PT e seus aliados.

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O primeiro teste se deu no último dia 9, segunda-feira, pós depredação da Capital Federal por bolsonaristas enfurecidos. Paulo Pimenta, ministro da Secretaria Especial de Comunicação Social, Secom, cobrou a presença de Tarcísio de Freitas e Jorginho Mello (PL/SC)  – aliados do ex-presidente amante da ditadura – no encontro de governadores com o presidente Lula, em Brasília, para discutir medidas de segurança. Ambos negavam-se a participar. O “Republicano” só resolveu recuar no último minuto do segundo tempo, às 13h30, daquela mesma segunda.

A julgar pelo seu curto histórico político, Freitas não parece preencher o quesito ‘jogo de cintura’ para administrar situações antagônicas como as que vem encontrando pelo caminho. Poucas atitudes poderiam ser menos republicanas do que negar-se a discutir com o presidente eleito as medidas para evitar barbáries como a do dia 8 do corrente. São Paulo virou curso de capacitação para disputar a presidência daqui a quatro anos.


Pior possível

Capitão do exército como Bolsonaro, Tarcísio tem seu nome associado invariavelmente à competência e profissionalismo, entre outros adjetivos altamente qualificativos. A teoria não corresponde aos fatos. Por enquanto, inquéritos e investigações contra ele seguem a passos de formiga na Justiça. E não são poucos. Na campanha eleitoral, o capitão falou à vontade de seus feitos e pouco foi contestado. Os primeiros movimentos do incipiente governo são os piores possíveis.

Para mais informações, leia reportagem “Bonde do Tarcísio”: espaço para direita delirante de Bolsonaro só cresce em São Paulo, aqui na Revista Diálogos do Sul.

Nem bem as cartas foram postas na mesa, e as peças se movimentam no tabuleiro sem saber ao certo a direção a tomar. Aceitar participar do encontro para discutir o atentado à República poderia indicar conciliação com o governo liderado pelo PT. Mas a verdade é que foi dada a largada para a próxima corrida ao Planalto.


Lei da gravidade

O discurso do novo governador seduziu o eleitorado, enquanto a composição do secretariado escolhido atesta fidelidade a Bolsonaro. Ao contrário do que os opinólogos da mídia hegemônica escrita, filmada e gravada esperavam, Souza transformou a administração pública de SP em cabide de emprego para o rebotalho do ‘exército’ bolsonariano. Com menos de um mês de governo, alguns secretários já deixam claro a que vieram.

Secretária para Políticas para a Mulher em SP, Sonaira Fernandes, 32, formada em Direito, é contra a vacina e a presença de transexuais no esporte. ‘Afilhada’ de Eduardo Bananinha e de papai, Bolsonaro, a nova versão de Amélia, a mulher de verdade, tem como bandeira a luta contra o feminismo. Em seu entendimento, a articulação das mulheres provoca degradação familiar, libertinagem sexual e a deterioração da dignidade feminina.

“Bonde do Tarcísio”: espaço para direita delirante de Bolsonaro só cresce em São Paulo

A jovem secretária publicou tanta asneira na web, que o Instagram teve de alertar seguidores: as contas da moça continham repetidamente informações falsas e contrárias às normas da plataforma. Um dos conteúdos de maior audiência de Sonaira é o vídeo que mostra um operário recebendo um banho de pipoca de uma mulher vestida como baiana. Michele Bolsonaro compartilhou a mensagem, que repercutiu nacionalmente. Resultado: queixa-crime contra Sonaira e Michele. Para agradar seu amo, a secretária é capaz de ser contra a lei da gravidade. 

Renato Feder, 44 anos, foi o primeiro secretário empossado por Tarcísio de Souza. Criticado por educadores e intelectuais, ele é ardoroso defensor da privatização do ensino e também da militarização de escolas. Seu modelo na direção das escolas estabelece um “co-diretor” de origem militar. Em sua gestão como secretário da Educação no Paraná, 195 escolas passaram a adotar esse modelo –  com todo o apoio do ex-presidente ‘exilado’ nos EUA.


Privatização do ensino

A contratação da iniciativa privada para se encarregar de serviços administrativos das escolas, como limpeza, merenda e segurança é a ‘receita de sucesso’ de Feder. Ao fim de outubro último, o governo paranaense lançou edital para contratar empresas para gerir 27 escolas estaduais, a partir deste ano. Sindicatos e partidos de esquerda argumentam que a prática é o primeiro passo para a privatização do ensino público.

Tarcísio, por sua vez, antes mesmo de se tornar candidato, já falava em privatizar as escolas. “Isso é péssimo. Mais ainda num país onde a Educação é tão difícil. O governador diz que vai privatizar as escolas num país cuja maioria das pessoas pobres têm pouquíssimo acesso à educação. Mas essa foi a escolha dos paulistas”, lamenta Feldmann, economista e professor da USP, que lembra que a postura de Freitas sempre foi contra a escola pública, apontando o ensino privado como o mais eficiente.

Privatização do ensino público e movimentos de resistência

Falar em privatização no regime atual remete a Paulo Guedes, ex-ministro da Economia. O empresariado teve a faca, o queijo, o vinho e o que quisesse para impor sua ordem neoliberal na economia de Pindorama. Deu no que deu: caos. Convidado para ocupar a Secretaria da Fazenda paulista, ele recusou, alegando cansaço. Depois de propor o nome dele para conselheiro da pasta, em 14 de dezembro, Souza escolheu Samuel Kinoshita para secretário da Fazenda e Planejamento e outros quatro assessores de Guedes para compor a pasta.


Mercado sabichão

“O ex-ministro das finanças de Bolsonaro é considerado um dos últimos economistas no mundo a adotar o modelo neoliberal na sua plenitude”, observa Paulo Feldmann. Ele ressalta que Guedes defende de forma ferrenha a tese de que o Estado não deve intervir na economia e de que o mercado seria capaz de resolver tudo sem planejamento. Só que, na prática, as coisas não ocorreram exatamente assim, aponta o entrevistado, ao lembrar que o chamado ‘Posto Ipiranga’ “não praticou sua teoria no governo Federal”.

Ainda assim, os cinco ex-assessores do Ministério da Economia de Bolsonaro, escolhidos para a Fazenda por Tarcísio, significariam a manutenção da política de privatização e estado mínimo. Bastaria ver a péssima situação econômica do País, observa Feldmann: “As intervenções de Paulo Guedes estiveram muito longe de ser apropriadas”. Pior: ele teria adotado medidas contrárias ao que dizia: “Ele não privatizou tanto quanto prometeu, por exemplo”. 


Perigo à vista

Na avaliação de Feldmann, mesmo não integrando formalmente a Secretaria da Fazenda de SP, o ex-ministro tem tudo para definir a política econômica do estado mais rico da Federação, o que seria péssimo para São Paulo, uma influência que o professor teme: “Simplesmente porque a tendência é que eles coloquem em prática as ideias que não conseguiram aplicar no Governo Federal”. O governo de Tarcísio, ao que tudo indica, deve incorporar o modelo neoliberal ortodoxo.

Guedes, sendo o professor, dificilmente vai deixar de privatizar as principais empresas do estado de SP, a começar pela Sabesp – o que será muito ruim para a economia da administração e à coletividade. Em seus cálculos, haverá uma reação muito grande.

Tarcísio já avisou: se eleito, vai vender a Sabesp. Paulistas vão sofrer com água 2x mais cara

Mas, pondera o economista, o candidato eleito enfatizou sempre seus planos de privatizar empresas estaduais. No debate com Haddad na campanha eleitoral – lembra – o postulante do PT levantou a questão da venda da Sabesp: “A população sabia disso e votou nele. Não há muito o que fazer”, admite Feldmann contrariado, que nem por isso deixa de dar o aviso: “Guedes aqui em São Paulo é muito ruim, mesmo indiretamente”. Por outro lado, atrai o eleitorado do ex-presidente.


Estratégia eleitoral

“Com relação ao Tarcísio, o que posso dizer é que ele vai ser o candidato a presidente da República daqui a quatro anos. Ele vai buscar se eleger com o voto dos bolsonaristas, claro. Foi esse voto conservador todo que o elegeu. Ele também apoiou o Bolsonaro. Afinal de contas, Bolsonaro teve 49% dos votos. Então, o Tarcísio é um candidato forte. Ele vai querer escolher secretários que tenham aquela aura de ministros. Mais ou menos o que João Doria tentou fazer em São Paulo, ao trazer Henrique Meirelles para ser secretário da Fazendo em 2018. Acho que isso é uma estratégia eleitoral do Tarcísio, que deseja se mostrar, desde o começo, como forte candidato a presidente da República.

É claro que um governador de SP sempre é forte candidato à presidência, diz Feldmann, ao ressaltar que veremos medidas desse tipo, que vistas à eleição de 2026. A escolha de Paulo Guedes, de uma certa forma, confirmaria isso: “É um ministro adorado pelo mercado, idolatrado, lamentavelmente. Portanto, ele não será criticado”, o que também inclui a anuência da grande imprensa, que fala o que o mercado quer ouvir: “Infelizmente teremos de conviver com isso”.

O docente aposta que o modelo Paulo Guedes buscará definir, mais uma vez, como deve funcionar um Brasil: “Eles vão mostrar que “SP é um país neoliberal”. Acreditam que isso vai dar certo. Dessa forma, estará posta a grande plataforma para Tarcísio se eleger presidente da República em 2026: “A tendência é o grupo de Tarcísio adotar todos os conceitos neoliberais: vão privatizar tudo o que for possível, vão passar as escolas para a iniciativa privada”.


Modelo Maluf

Para Paulo Feldmann, o processo seria semelhante ao que Paulo Maluf fez na prefeitura: “Ele se valeu de um esquema extremamente sacana. Usava o prédio do governo e colocava a empresa privada para administrar. O estado entrava com o item mais caro, que é o imóvel. Fez isso também na saúde quando prefeito: usou todos os postos de saúde da prefeitura e passou a administração para empresas privadas. Certamente vão fazer isso nas áreas de Saúde, Educação, onde for possível”.

O serviço público, em sua avaliação, vai virar concessão, e sabe-se lá o que vai dar. A certeza é só uma: esse modelo está totalmente ultrapassado e quem vai sofrer é a população paulista.

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Certo ou errado, o fato é que Tarcísio de Freitas ganhou a eleição com 55% dos votos, contra 44% de Fernando Haddad, diferença de cerca de 3 milhões de votos. “Trata-se de uma diferença importante. Os paulistas quiseram assim. Acho que não vai dar certo”. Daqui a 4 anos eles vão querer mostrar que é possível ter um modelo neoliberal. Se der certo, sorte deles.


*O Ovo da Serpente Nazista

Em 1977, o cineasta Ingmar Bergman (Suécia, 1918-2007) dirigiu o filme ‘O Ovo da Serpente’, rodado na Alemanha da República de Weimar (1925-1933) –  poucos anos antes da ascensão de Hitler. A história se passa em Berlim, 1923. Abel Rosenberg, trapezista judeu desempregado, descobre que seu irmão Max se suicidou. De uma hora para outra sua vida vira um caos. Bergman reconstruiu minuciosamente a Berlim de então para propor uma profunda reflexão sobre as origens do Nazismo.

O médico e escritor Merlan Zisman observa que a expressão “ovo da serpente” refere-se a tudo o que nasce e possa se tornar pernicioso, ou causar futuros prejuízos à coletividade. A “chocadeira” do ovo da serpente funcionaria bem quando houvesse depressão econômica, alta taxa de desemprego, insegurança, instabilidade sócio-política-moral e inflação. A semelhança com o Brasil de 2018 a 2022 é consequência da matriz ideológica do regime implantado por Bolsonaro.


Alienação da realidade

A filósofa Hannah Arendt sustenta que o poder do regime totalitário está centrado na propaganda: “Ela visa doutrinar, pois a força da propaganda totalitária reside na sua capacidade de isolar as massas do mundo real”. O objetivo seria oferecer um mundo completamente imaginário e distante da realidade. Isso porque naquela época nem se imaginava algo como web e redes anti sociais. (ARENDT: 1989, Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989).

Amaro Augusto Dornelles | Colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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