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A cobertura da impunidade num momento decisivo para a democracia na Guatemala

O silêncio da cidadania tem sido a proteção mais eficaz para os corruptos, ao longo de sua história e, é claro, durante os governos da época democrática
Carolina Vásquez Araya
Cidade da Guatemala

Tradução:

A democracia é como o amor: para conservá-la é preciso trabalhar por ela, consolidá-la dia a dia no respeito às leis e aos direitos dos outros, participar como cidadãos e cultivar ideais comuns na busca da igualdade, com tolerância às ideias alheias. Tudo isso dentro de um ambiente de paz e harmonia. Lindas palavras cuja realidade costuma ser incompatível com a natureza humana, mais inclinada ao abuso de poder, à cobiça e à busca de satisfação individual. Este quadro, que se repete uma e outra vez em países como os nossos, tem causado uma debilidade endêmica ao longo da história, em parte pela ingerência de potências industriais cujas ações diretas e indiretas nos transformaram – em maior ou menor grau – em repúblicas bananeiras, mas também pela impotência cidadã. 

O silêncio da cidadania tem sido a proteção mais eficaz para os corruptos, ao longo de sua história e, é claro, durante os governos da época democrática

Wikimedia Commons
A Guatemala está perto da possibilidade de perder uma democracia incipiente que tem custado milhares de vidas

Durante o fim de semana, a Guatemala se converteu no exemplo mais representativo desta triste definição. Um governo sob a influência de uma casta de empresários cujo duvidoso mérito reside em haver conseguido montar todo um sistema de privilégios, tão efetivo como para haver perdurado por séculos e para continuar enganando os iludidos, que creem em seu aporte para a economia e ao desenvolvimento. Somado a isso, um exército que no seu papel de guardião desta casta de privilegiados, perdeu todo o contato com a sua verdadeira missão e uma classe política cujo maior interesse é blindar-se contra a ação da justiça para fazer dos bens nacionais sua caixinha. 

Quando por obra de algum milagroso fenômeno da natureza conseguiu-se criar um organismo de investigação e apoio à justiça (Cicig) para perseguir os delitos cometidos pelas organizações criminosas incrustadas no Estado, podia-se pensar em uma abertura nessa cobertura espessa da impunidade institucionalizada. Por esse esforço foi possível avançar em importantes casos de alto impacto, levando à prisão personagens dos setores políticos, empresariais e castrenses. No entanto, o presidente da República e seu conselho de segurança, integrados pelos ministros de governo, relações exteriores, defesa e outros funcionários menores, se entrincheiraram contra qualquer investigação sobre seus atos de corrupção, rompendo em pedaços o marco institucional, violando disposições constitucionais e desobedecendo as ordens das mais altas cortes do país em seu afã por impedir a ação da justiça. 

Mas este cenário que poderia haver provocado uma repulsa geral e imediata da cidadania, só teve ressonância em certos estratos da sociedade como as organizações civis e os grupos mais próximos à vida política nacional. As grandes massas, divididas por estratégias elaboradas pelos grupos dominantes, continuam na dúvida de se perseguir criminosos instalados no Estado é bom ou mau para a saúde nacional, porque há quem afirme que esta classe de notícias prejudica gravemente a economia e a imagem do país no exterior, desanimando possíveis investidores,

O silêncio da cidadania tem sido a proteção mais eficaz para os corruptos, ao longo de sua história e, é claro, durante os governos da época democrática. O saque de riquezas tem sido constante e pródigo para os grupos de poder, enquanto o povo se consome na miséria mais injusta. As ações intimidatórias do governo contra a Cicig e a cidadania são apenas uma amostra do perigo ao qual se expõe a Guatemala: a possibilidade de perder uma democracia incipiente que tem custado milhares de vidas. 

*Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala

www.carolinavasquezaraya.com

elquintopatio@gmail.com

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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