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A família tradicional como imposição

João Baptista Pimentel Neto

Tradução:

Desde o princípio dos dias, o sistema patriarcal nos impôs até a forma como devemos andar ou sentar, tudo a respeito do papel de gênero e sem falar de comportamentos, que vêm por categorias dependendo dos estereótipos e preconceitos; que vêm por padrões de criação ou que nós, até mesmo antes de aprender a falar optamos por patenteá-los como próprios ou convenientes.

Ilka Oliva Corado*
ilka-5Não há nada mais imposto nesta vida e que nos faça mais mal como sociedade que o padrão patriarcal que é machista e misógino. Mãe em potencial, dizem as saudações do Dia da Mãe às mulheres que não têm filhos, como se todas as mulheres pelo simples fato de seu gênero devem converter-se em mães, sim ou sim. Essa mulher já está gasta, não vale, dizem quando se sabe que uma mulher solteira teve relações sexuais antes do casamento. E o homem? É mais macho quanto mais mulheres tiver em sua lista. Mas há um detalhe: o que acontece com o homem que é diferente da média? Seguramente será maricas, puto, viado, e um sem fim de apelativos que são visto como normais em uma sociedade que fez do desrespeito, do insulto e da violência uma forma de vida.
Diz-se que a mulher divorciada quer pau, da mesma forma que a mãe solteira que por andar de puta, veja o que ganhou: uma barriga. E a estas mulheres nós as vamos catalogando com nossos estereótipos torpes, as desvalorizamos como seres humanos e por causa do gênero já não valem como outras que cumprem estritamente os padrões patriarcais, seja por conveniência pessoal ou por temor; por temor contamos os extremos, quando estão sendo violentadas para manter as aparências para uma sociedade que vive em uma bolha. Muitas delas acabam desaparecidas ou assassinadas.
O que acontece com as crianças diferentes? Olha, esse menino vai por mau caminho, tem que endireitá-lo. Olha, essa sua filha é sapatão, quer e precisa de uma boa trepada. E como consequências acontecem as violações sexuais “corretivas”, as surras e os assassinatos, os feminicídios e os transcídios. Porque nos ensinaram a rechaçar e ter medo de tudo o que é diferente e livre, de tudo o que rompe com a norma; nos enjaularam desde nosso nascimento em um sistema patriarcal que nos mutila dia a dia.
É um nojo, essas pessoas devem morrer, há que queimá-las vivas, são criaturas do demônio. O que mais dizem os bons filhos de Deus? O que mais dizem aqueles que defendem de capa e espada a família tradicional? Dizem eles que porque é exemplar e tem valores. As pessoas diferentes acaso não os têm? Que valores? Começando por aí. Dupla moral, hipocrisia, machismo, homofobia, transfobia, lesbofobia, bifobia? De que valores falam estes santos filhos do patriarcado? Quem disse que uma pessoa diferente não é íntegra, culta, humana?
E o que dizem estes santos filhos do patriarcado sobre os homens que engravidam mulheres e as espancam para que abortem, mas que em público batem no peito e juram ser contra o aborto? Ou pior ainda, as mulheres que ocultam esse abuso quando é com outra? Quando terminam por matá-las? O que dizem esses exemplares dos bons costumes sobre o homem que viola? Dos machos que assassinam homossexuais, transexuais? O que pensa a sociedade do direito de amar, de existir, à diferença e à diversidade?
O que é uma família tradicional? Quais são os valores destas falsidades que vivem de aparências: Por que a mulher tem que casar de branco e com véu? Porque pra ele se pode fazer uma despedida de solteiro com trabalhadoras sexuais e pra ela não? Tantas perguntas, tantas asas rotas, tantas vidas truncadas por absurdos de um sistema e um modo de vida que nos foi imposto.
Retóricas que nunca deixaram de aparecer em época de eleições, vemos isso por todo o mundo; um candidato afim ao neoliberalismo e ao capitalismo sempre vai manejar esse tipo de declaração da classe conservadora. E com esse discurso conseguem captar boa parte da sociedade que é iludida; em nome da boa fé a deixam rezando o padre nosso enquanto os oradores levam o dinheiro para bancos no exterior. Nada é melhor que um povo submisso, machista, homofóbico e patriarcal para o sistema do capital.
Tanto ódio nesta terra, tanta violência, tanta dupla moral, tantos preconceitos, tanta hipocrisia. A família tradicional não existe, a família em si não existe, também é uma construção da sociedade. Uma imposição como muitas outras. Uma pessoa pode ser família de um bosque, de um rio, de una manada de cabras ou de felinos.
Quando vamos deixar de cortar asas e ferir para toda a vida os seres que se atreveram àquilo que nós por falta de audácia nunca faríamos? E a respeito da decência de gênero, todas as mulheres somos putas, umas mais ativas que outras. É isso.
Quando vamos aprender e quando vamos ter a coragem de desobedecer e lutar por nossa liberdade como espécie? Quando vamos aceitar que não há nada mais maravilhoso neste universo que a nossa diversidade?
E você, querido leitor me conte: sua família é tradicional ou é, como dizem os classistas, filhos do santíssimo patriarcado e da bem-aventurada igreja, disfuncional?
 
*Colaboradora de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

João Baptista Pimentel Neto Jornalista e editor da Diálogos Do Sul.

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