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A herança doentia de Fujimori: crimes e corrupção no Peru, 20 anos depois

Fujimori enriqueceu ainda mais os ricos e empobreceu ainda mais os pobres. Vendeu o país ao FMI, governando em função dos interesses do capital financeiro. Torturou, matou...
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Alberto Fujimori é conhecido como “el chino” sem razão alguma porque não é, nem seus ancestrais foram, mas é assim que ele é lembrado. Recorda-se como “el chinito de la yuca” e, graças a essa lembrança, alguns dançaram durante anos “a dança do chino”. Apresentar-se dessa forma foi a primeira de suas desvergonhas. Depois vieram muitas outras até hoje, pois elas ainda não acabaram.

Sua eleição como mandatário em 1990 foi o que pode ser considerado uma das casualidades da história. Em circunstâncias normais – sem o neoliberalismo em ofensiva e sem a esquerda dividida – não teria conseguido mais de 3% dos votos. Mas aconteceu, e isso mudou o rosto do Peru.

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Antes de assumir o poder, vendeu o país quando foi recebido por Michael Camdessus no Aeroporto de Nova York. Este lhe ofereceu mundos e fundos sob a condição de que colocasse a economia nas mãos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e governasse em função dos interesses do capital financeiro. Quando disse “sim” em um espanhol esforçadamente aprendido, selou seu próprio destino, mas também o nosso.

Golpe de 5 de abril

O Golpe de 5 de abril de 1992 foi outra de suas desvergonhas. Disse que o fazia para “salvar o país” e impôs os Decretos Legislativos “de Pacificação”, com os quais estabeleceu julgamentos sumários, juízes sem rosto, sentenças anônimas e penas draconianas, num cenário de execuções extrajudiciais, privações ilegais de liberdade, desaparecimentos forçados, tortura institucionalizada e criação de centros clandestinos de reclusão. Arrasou populações inteiras, registrou 15 mil desaparecidos, incinerou opositores nos fornos do Serviço de Inteligência Nacional (SIN), matou crianças e mulheres grávidas.

Também impôs os Decretos Legislativos “Trabalhistas”. Com eles, normalizou a terceirização, acabou com o direito de greve, deteriorou a negociação coletiva, acabou com a estabilidade no emprego, estabeleceu contratos a prazo fixo, ordenou dispensas massivas, criou uma imensa bolsa de desocupados e elevou a informalidade no mercado de trabalho a 79%. Destruiu o setor estatal da economia, leiloou empresas públicas e aniquilou o aparato produtivo.

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Envileceu a vida pública a extremos jamais vistos. Com o apoio do empresariado e da imprensa lixo, tentou persuadir os peruanos de que havia “pacificado” o país e “salvado a economia”. Na verdade, as Forças Terroristas do Estado deixaram de explodir torres e colocar bombas, enquanto o FMI nos endividava com “empréstimos” que ainda estamos pagando.

Ricos mais ricos e pobres mais pobres

Isso sim, fez os ricos mais ricos e empobreceu os pobres. Recebeu dinheiro em quantidades astronômicas de todos os lados. Eram os tempos da “Imprensa Chicha” e da “Televisão Lixo” das Gueixas, hoje recicladas, e dos comprados e vendidos que proliferavam na salinha do SIN.

Com seus sócios, Fujimori fez o que quis e roubou o país sem remorso. Quando brigou com eles, fugiu levando 55 malas cheias de dinheiro e vídeos. Renunciou à presidência por fax e ficou em Tóquio, onde sempre se sentiu japonês. Na terra do Imperador, candidatou-se ao Senado Nipônico, assumindo essa nacionalidade e renunciando à peruana.

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Depois, voltou à América, aterrissando no Chile, onde se sentia protegido. Não estava. Foi entregue à Justiça Peruana, julgado e condenado a 25 anos por crimes graves. Foi considerado um dos sete ex-presidentes mais corruptos do mundo.

Paraíso prisional e indultos

Nunca esteve propriamente preso. Recluso em um cassino campestre da Polícia, tinha um apartamento com vários cômodos e jardim próprio. Ali teve de tudo, desde telefones celulares até TV a cabo, visitas permanentes e atenção médica diária.

Não se cansou, entretanto, de implorar indultos com o apoio de aliados bem remunerados. Foi comprando “opositores”, alguns dos quais ainda hoje o defendem com unhas e dentes e propõem o “esquecimento” dos crimes de guerra cometidos por ele.

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O país foi testemunha das andanças de Fujimori: “Enfermou” gravemente quando quis e se colocou “à beira da morte” para suscitar compaixão e alcançar um “indulto humanitário” que finalmente chegou em dezembro de 2023 via “governo” de Dina Boluarte. Quando a imprensa “chicha” o chama de “ex-presi…”, uns o imaginam ex-presidente e a maioria, ex-presidiário (por ora).

Novo julgamento

Recentemente, a Justiça Chilena autorizou um novo julgamento contra ele por diversos crimes ainda pendentes. Um deles é a esterilização forçada de mulheres, semelhante à imposta no Japão entre 1948 e 1956 e que hoje este país abomina. Ela foi aplicada no Peru, exatamente da mesma forma, prejudicando 350 mil mulheres da região andina.

Ante a ameaça, “el chinito” caiu da cama e quebrou a cadeira. Mesmo assim, teve força para escrever uma carta ao Decano da Imprensa Nacional afirmando sua vontade de “servir ao país”, como presidente, claro. Sua filha se indigna quando falam dele como ditador ou delinquente. E seu cúmplice nas esterilizações forçadas faz o mesmo. Enchem de agravos o promotor Domingo Pérez. No fundo, detestam-no porque não podem comprá-lo, como fizeram com outros.

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Não têm outra alternativa senão ouvi-lo e saber que, após suas maciças denúncias, surge uma verdade que todo o país conhece, mas que alguns preferem esquecer ou silenciar.

As desvergonhas de Fujimori são o trago amargo de um país enfermo.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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