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Benedito Tadeu Cesar*
Marcada pelas reviravoltas, a campanha eleitoral de 2014 revelou surpresas e, no encerramento do primeiro turno de votações, contrariou algumas verdades aparentes, constantemente repetidas e aceitas em todo o país.
Se foi surpreendente, no âmbito da disputa para a Presidência da República, a ascensão e a queda meteóricas de Marina Silva e a consequente recuperação de Aécio Neves e sua ida ao segundo turno, foi igualmente surpreendente, no âmbito da disputa para o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, a derrocada de Ana Amélia Lemos e a liderança repentina de José Ivo Sartori, atingindo votação muito além da detectada até mesmo pelas pesquisas de boca de urna.
Surpresas, entretanto, que expõem a falácia da irrelevância dos partidos políticos, dos campos ideológicos e dos projetos de governo, “verdades” repetidas pela grande mídia brasileira e amplamente assimiladas pelo eleitor padrão. Os partidos políticos, as ideologias e a consistência dos projetos de governo valem sim e são importantes na definição do voto dos eleitores.
Marina Silva, passada a comoção da morte de Eduardo Campos, começou a ter sua candidatura esvaziada quando as inconsistências e as contradições de seu plano de governo começaram vir à tona. Se a fragmentação programática fez com que Marina Silva vibrasse, em um primeiro momento, com a insatisfação difusa das ruas, que caracterizou as manifestações de junho de 2013, fez, também com que a candidata entrasse em conflito com estes mesmos sentimentos, quando ela teve que fazer concessões para granjear os apoios de Silas Malafaia e Geraldo Alckmin, por exemplo.
Efeito semelhante produziu a agregação, pela candidatura “sonhática”, de bandeiras históricas do PSDB, como a independência do Banco Central. A imagem da “nova política” esvaiu-se rapidamente. A falta de uma estrutura partidária capaz de fazer frente à máquina peessedebista a ponto de possibilitar a disputa direta de votos em cada munícipio do país, fez o resto, determinando a exclusão de Marina Silva do segundo turno e o rápido crescimento de Aécio Neves. Os votos antipetistas, que haviam migrado de Aécio Neves para Marina Silva, na etapa intermediária da disputa, refluíram celeremente para o seu leito original.
Ana Amélia Lemos, que liderou a disputa eleitoral no Rio Grande do Sul até a semana anterior ao primeiro turno, calcada em sua imagem midiática e empunhando uma campanha de negação da política e dos políticos tradicionais, da eficiência administrativa e da ética pessoal, mas que nunca apresentou planos consistentes de governo, viu suas intenções de voto esvaírem-se nos dias finais da campanha. Bastou que a imagem virginal, que ostentava e procurava fixar como marca pessoal e de seu possível futuro governo, fosse maculada por denúncias tênues de falhas de conduta, o que contraditava seu discurso de campanha, para que a maioria dos eleitores abandonasse rapidamente sua candidatura.
Passaram ao segundo turno da disputa pelo Governo do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori e Tarso Genro, candidatos situados no mesmo grande campo político-ideológico da centro-esquerda e dotados de estruturas partidárias mais amplas do que a de Ana Amélia, cuja base partidária mais importante está fixada nos pequenos e micros municípios gaúchos, onde o PP é forte e detém a maioria das Prefeituras Municipais, e apenas tenuemente implantada nos médios e grandes municípios, onde PT e PMDB têm a maioria dos votos.
O antipetismo, percebendo que Ana Amélia, sua candidata preferencial, perdia força, fluiu rapidamente para a candidatura de José Ivo Sartori, representante do polo mais fraco da centro-esquerda gaúcha e que se apresentou como o candidato mais habilitado, naquele momento, para fazer frente a Tarso Genro e ao PT. Se o voto antipetista abandonou Ana Amélia, ele não abandonou Lasier Martins, para quem fluíram os votos de parcela significativa dos eleitores do PP e do PMDB, empenhados em barrar a eleição de Olívio Dutra.
A “antipolítica”, que emergiu com força nas jornadas de junho do ano passado e que explodiria nas eleições deste ano, não triunfou. Nem passaram ao segundo turno as candidatas à Presidência da República e ao Governo do Rio Grande do Sul que se apresentaram como representantes da “nova política”, nem ocorreram as avalanches de votos nulos e brancos apregoados por muitos analistas apressados e/ou interessados em propagar a falsa ideia da falência dos partidos, das ideologias e da própria política. Em todo o país, a abstenção eleitoral ficou em 19,39%, os votos em branco ficaram em 3,84% e os votos nulos em 5,80%, todos repetindo suas marcas históricas.
*Cientista político e colaborador da Diálogos do Sul.
Publicado originalmente no Sul21