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Imagem: Hernán Vitenberg para Emergentes (CC BY-NC 4.0)

A tarefa do Progressismo na América Latina, do início ao futuro do século 21

Coube e cabe ao progressismo construir um projeto neodesenvolvimentista e patriótico, uma opção política de contrariedade e enfrentamento ao neoliberalismo
Nils Castro
Diálogos do Sul Global
Cidade do Panamá

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A onda de governos progressistas que caracterizou grande parte da América do Sul nos primeiros anos deste século deixou uma marca política nova. Apesar das muitas diferenças entre as realidades e processos políticos dos países onde esse fenômeno brotou, cabe resumir as características gerais de seus logros e intentos, para reconhecer em que consiste essa marca.

No passado, a noção política de progressismo teve outras acepções, geralmente a de qualificar pessoas ou grupos potencialmente afins a alguns projetos da esquerda tradicional. Esse já não é seu significado. Agora assume o sentido de movimentos e governos que se enfrentam às políticas neoliberais. Em particular, ao dogma neoliberal de reduzir o Estado à sua mínima expressão, cedendo suas responsabilidades e atribuições ao mercado. Em nosso continente, desde os anos 1980 do século passado, o neoliberalismo implicou um grande enfraquecimento do Estado nacional e a redução de seu campo de ação, transferindo ao setor privado grande parte de seu campo de ação.

Diante da ofensiva neoliberal, como retomar a integração e o processo de desenvolvimento da da América Latina?

Os movimentos e governos progressistas surgiram na América Latina como reação aos desastres sociais provocados pela entronização das políticas neoliberais impostas a nossos países desde o final do século passado. Os movimentos e governos progressistas têm o objetivo de lutar contra as desigualdades sociais e econômicas, contra as discriminações e marginalizações, e contra suas causas. Isso os caracteriza como organizações ou governos de esquerda democrática, que procuram aliar-se solidariamente com os demais setores interessados em alcançar as mudanças necessárias, sem recorrer à violência.

Isso significa buscar um substancial fortalecimento da soberania popular e nacional, o que implica tornar a cidadania mais efetiva. Ou seja, fazer de cada compatriota um cidadão, não um mero consumidor. Isso significa ser um lutador cívico contra as desigualdades, marginalizações e discriminações, e contra suas causas. Na prática, lutar para obter melhorias efetivas no acesso a empregos de qualidade, à educação geral e especializada, a melhores serviços sociais de saúde e moradia, e garantir segurança para contar com eles na velhice.

Opções progressistas

Na época soviética, a esquerda propunha acumular forças para realizar uma revolução, geralmente violenta, para acabar com o capitalismo e instaurar o socialismo. Algumas esquerdas radicais ainda o propõem. Mas o fato é que, desde a Revolução Cubana até hoje, isso não voltou a acontecer, nem se vislumbra entre as possibilidades atuais, apesar de o neoliberalismo ter piorado a situação da grande maioria das pessoas. Mas, se no futuro previsível essa possibilidade não é viável, então, o que fazer? Não é por isso que se deve deixar de agir ou deixar de fazer o que pode ser feito, como é levar adiante a opção política progressista.

Depois de experiências como a crise de 2008 e a pandemia, as diferentes experiências de governos na América Latina, cada um segundo suas próprias circunstâncias, coincidiram em reivindicar o cumprimento das responsabilidades sociais do Estado e restabelecer sua autoridade frente ao mercado, diminuídas pelo tsunami neoliberal.

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Reafirmar na prática e na legislação que o Estado está obrigado a proteger os cidadãos e suas famílias frente aos interesses que dominam o mercado. Desenvolver políticas específicas de combate à pobreza e à fome, e de combate às suas causas, assim como às causas e manifestações de desigualdade, discriminação e marginalização.

Investir no desenvolvimento das capacidades produtivas da população trabalhadora, especialmente dos jovens, das mulheres e das populações marginalizadas.

Incentivo, expansão, fortalecimento…

Incentivar o desenvolvimento das forças produtivas nacionais, sua capacidade de inovação para aumentar sua produtividade e competitividade, e a capacidade nacional para substituir importações e exportar bens e serviços.

Expandir as universidades públicas nacionais e as oportunidades de acesso a elas, de modo que atuem e obtenham resultados como instituições de fortalecimento da capacidade do país e de pesquisa para impulsionar o desenvolvimento nacional.

América Latina e Estados Unidos: As cadeias do endividamento e da submissão

Fortalecer o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, como instrumento do desenvolvimento do país e de pesquisa e implementação de soluções próprias para os problemas nacionais.

Priorizar o esforço permanente para capacitar e oferecer respaldo creditício aos médios e pequenos produtores nacionais, para incorporar tecnologias mais produtivas e proteger seu desenvolvimento.

Proteção, fomento, promoção, resgate…

Proteger as empresas nacionais, desde que incorporem tecnologias avançadas, capacitem para seu eficaz aproveitamento, sejam socialmente responsáveis e contribuam para o progresso do conjunto da nação.

Fomentar o investimento estrangeiro direto que incorpore tecnologia, capacitação e emprego, com a condição de que cumpram eficientemente os objetivos e normas nacionais em matéria de emprego, segurança social, qualidade ambiental e cumprimento pontual de suas obrigações fiscais.

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Robustecer e coordenar estratégias de desenvolvimento rural e agropecuário destinadas a garantir a soberania e a segurança alimentares, bem como melhores condições de vida para os produtores, trabalhadores e populações rurais.

Promover a organização e implementação de Corporações de Desenvolvimento Regional, para criar e consolidar polos de desenvolvimento agropecuário e agroindustrial em áreas do interior do país, com participação de capital público e privado.

Soberania e autodeterminação nacionais

Resgatar e robustecer a soberania e a autodeterminação nacionais, assim como desenvolver uma política latino-americanista de não intervenção em conflitos dentro ou entre outros países, com vocação permanente para contribuir com a solução política desses problemas. Não ser parte do conflito, mas de sua solução.

Concretizar a incorporação do país aos grupos de cooperação e solidariedade das nações latino-americanas e caribenhas (como a CELAC e o Grupo Andino) e das nações do Sul Global (como o BRICS), para a defesa coletiva dos interesses de nosso país e de nossa região, e para implementar projetos de cooperação econômica e cultural.

Opor-se permanentemente ao estacionamento de forças militares ou policiais estrangeiras em território nacional.

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Em poucas palavras, uma proposta neodesenvolvimentista e patriótica, apoiada na reivindicação do Estado nacional socialmente comprometido. Portanto, uma opção política contraposta e enfrentada às políticas neoliberais.

Por isso, não é de estranhar o extraordinário esforço das direitas locais e transnacionais para se modernizarem e se fortalecerem a fim de desacreditar e deslocar os governos progressistas – inclusive por meios antidemocráticos, como a desinformação e os golpes judiciais, parlamentares e militares –, além do lançamento de novas modalidades políticas da nova direita, como os chamados líderes antipolíticos.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Nils Castro Fundador do Partido Democrático Revolucionário, fundado para dar prosseguimento ao torrijismo, ou seja, a obra de libertação nacional. Foi embaixador de Panamá no México e representou o governo em múltiplas oportunidades. É colaborador da Diálogos do Sul Global.

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