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Foto: Presidência do Equador / Flickr

A volta dos que não foram: Noboa, violência e a reinstalação de bases dos EUA no Equador

Tentativa de Noboa de implementar um "Plano Colômbia 2.0" no Equador acende alerta quanto à participação e interferência de atores extra regionais nas pautas sul-americanas
Gustavo Menon
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

…los pocos logros culturales y políticos no son, en este castigado Equador, irreversibles”
CUEVA, Agustín, In: Entre la Ira y la Esperanza, 1967.

O presidente equatoriano, Daniel Noboa, propôs ao Tribunal Constitucional uma mudança na constituição que revogaria a proibição de bases militares estrangeiras no país, uma medida que foi originalmente implementada em 2008 durante a promulgação da atual Constituição equatoriana que veda expressamente em seu art. 5 a instalação de bases militares estrangeiras no país. 

Sob o olhar atento dos Estados Unidos, que mantinham uma presença militar na antiga Base de Manta, no litoral equatoriano, o projeto começou a ser discutido em meio a diversas crises de segurança pública que afetam a região. Com o pretexto de combater o narcotráfico, Noboa ressaltou a necessidade de reformar o texto constitucional com o objetivo de estabelecer a “cooperação internacional” no combate às máfias e aos crimes transnacionais.

Base dos EUA no Equador, que Noboa quer retomar, deixou rastro de crimes no país

Cumprindo um mandato provisório após o anúncio do dispositivo da “morte cruzada” pelo ex-presidente Guillermo Lasso, o atual presidente tenta iniciar sua campanha de reeleição para 2025. O governo equatoriano enfrenta disputas internas com a vice-presidente, Verónica Abad, que solicitou à Assembleia Nacional a abertura de processos de fiscalização contra ministras do próprio governo de Noboa e fez denúncias acusando o atual mandatário de violência política de gênero.

Debates sobre soberania

A proposta de Noboa, que ainda precisa passar por um processo legislativo e pelo crivo da Corte Superior, poderá se estender além do seu mandato. Ao mesmo tempo, o anúncio tem provocado intensos debates sobre a soberania do Equador e as implicações de permitir a presença militar estrangeira no território nacional. 

É importante destacar que a decisão tomada em 2008 pelo então presidente Rafael Correa, e seu projeto denominado “Revolução Cidadã” (2007-2017), de proibir bases militares estrangeiras, representou um ponto de inflexão na política externa do Equador. Essa medida refletiu um robusto sentimento de independência e autodeterminação, além de reacender discussões sobre a integração regional. A possibilidade de reverter tal decisão suscita indagações acerca das prioridades de segurança nacional e das alianças geopolíticas, especialmente em um contexto internacional marcado por conflitos de diversas naturezas. 

Apesar da repressão “bukeliana”, máfias e violência crescem no Equador de Noboa

De qualquer forma, no cenário interno, o Equador, em 2023, figurou na lamentável lista de países com os maiores índices de violência na América Latina. Isso se deveu principalmente a conflitos entre facções criminosas, o que inspirou Noboa a adotar estratégias e políticas públicas análogas ao “modelo Nayib Bukele“, um fenômeno que tem se espalhado pela agenda de segurança pública em diversos países latino-americanos. 

Estados de Exceção no Equador

A pretensão presidencial está em consonância com os sucessivos anúncios de Estados de Exceção no Equador e as medidas de toque de recolher implementadas em várias cidades. De acordo com os dados oficiais, no último ano, o país registrou uma taxa da ordem de 40 mortes violentas para cada 100 mil habitantes, um número recorde que coloca a nação andina amazônica como a mais insegura de toda a América Latina na atual conjuntura. Ao sul de Guayaquil, na região costeira de Guayas, algumas localidades registraram uma taxa de homicídios de 114 para cada 100 mil habitantes, um dos índices mais elevados do planeta.

À direita, os defensores da reforma argumentam que a presença de bases militares estrangeiras poderia fortalecer a capacidade do Equador de lidar com ameaças transnacionais e melhorar a segurança interna. Por outro lado, críticos da proposta se manifestam como uma ameaça à soberania nacional e temem que a iniciativa possa levar a uma maior intervenção dos Estados Unidos nos assuntos internos do país, especialmente na região amazônica

Políticas neoliberais tornaram Equador paraíso para lavagem de dinheiro do narcotráfico

Em um contexto de fragmentação política e desintegração econômica, a tentativa de implementar um “Plano Colômbia 2.0” em território equatoriano acende um sinal de alerta quanto à participação e interferência de atores extrarregionais em pautas intimamente sul-americanas. 

O cenário de crise do multilateralismo e dos mecanismos de cooperação regional na América do Sul, marcado por fragmentações políticas e desafios na governança regional, ressalta a urgência de se estabelecer uma agenda comum em áreas-chave como desenvolvimento, segurança, defesa, mudanças climáticas e projetos que garantam a soberania e o desenvolvimento sustentável das nações do subcontinente. Neste contexto, a implementação da Declaração de Belém, o fortalecimento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e a revitalização dos debates para o restabelecimento da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) são passos iniciais significativos para a construção de políticas estratégicas e a promoção de instrumentos de cooperação sul-sul que estejam alinhados com os desafios do século 21.

Por fim, vale consignar que o debate sobre a reforma constitucional no Equador, e a consequente flexibilização do quinto artigo, terá implicações significativas não apenas para o país, mas também para a dinâmica de poder e os projetos de defesa em todo o continente.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Menon

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