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Silhueta de jovens haitianos registrados em fevereiro de 2012 (Imagem: ONU)

Abuso sexual e recrutamento forçado: violência rouba infâncias no Haiti

Segundo informações da Anistia Internacional, mais de um milhão de crianças vivem sob o domínio de gangues criminosas no Haiti; conflito interno dificulta tratamento às vítimas e denúncias
Wendy Rayón Garay
CIMA
Cidade do México

Tradução:

Guilherme Ribeiro

Diante da violência que assola o Haiti devido ao controle de gangues criminosas, a Anistia Internacional relatou que meninas e meninos são vítimas de recrutamento, estupros, sequestros, homicídios e ferimentos. A situação nessa parte do mundo evidencia, mais uma vez, que as meninas enfrentam violência sexual em contextos de conflito armado.

De acordo com a ONU, em 2023, a violência contra crianças em conflitos armados atingiu níveis extremos. Além disso, foi registrado um aumento de 21% nas violações dos direitos humanos.

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Fatores como gênero, idade, etnia, raça e deficiência são determinantes na vulnerabilidade de seus direitos, afetando 22.557 meninas e meninos. Enquanto os meninos são recrutados para assassinatos, mutilações e sequestros, as meninas sofrem violência sexual de maneira desproporcional.

Segundo informações coletadas pela Anistia Internacional, mais de um milhão de crianças vivem sob o domínio de gangues criminosas. A equipe da organização entrevistou 112 pessoas em Porto Príncipe em setembro de 2024, incluindo crianças, autoridades governamentais, trabalhadores humanitários e membros da ONU. Como resultado, foram encontradas violações de direitos humanos contra meninas e meninos no Haiti.

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Violência sexual e estupros

Começando pela violência sexual e estupros, a organização documentou os relatos de 18 meninas que foram violentadas e submetidas a diversas formas de abuso sexual. Em 10 desses casos, ocorreram estupros coletivos e, em 9 deles, houve sequestro. A investigação também aponta indícios de exploração sexual para fins comerciais, com ataques ocorrendo tanto nas ruas quanto dentro das próprias casas das vítimas.

Várias meninas relataram que, ao engravidarem em consequência dos estupros, foram forçadas a levar a gravidez adiante, pois o aborto continua sendo crime no país. No entanto, algumas recorreram a métodos inseguros para interromper a gestação indesejada.

Haiti: denúncias de violência sexual contra menores aumentam 1000% em 2024

Em relação à saúde, a Anistia Internacional denunciou que as vítimas de estupro e violência sexual necessitam de atendimento médico especializado para sua recuperação física e psicológica. No entanto, os serviços são limitados no Haiti e foram prejudicados pelos ataques de gangues criminosas.

Além disso, não há justiça para essas meninas e mulheres devido ao conflito interno. Com quase nenhuma presença policial, denunciar os crimes se torna extremamente difícil. Em muitos casos, as vítimas evitam registrar queixas por medo de represálias.

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Meninas também são recrutadas

Por outro lado, assim como os meninos, algumas meninas também foram recrutadas por gangues criminosas, embora em menor número. A Anistia Internacional entrevistou 11 meninos e três meninas recrutadas e constatou que a filiação das crianças às gangues se baseia na exploração para diversas funções, como combate contra gangues rivais, entregas, trabalhos de construção, reparação de veículos e tarefas domésticas, nas quais as meninas estavam envolvidas.

Caso se recusassem a cumprir ordens, sofriam violência física. Uma menina de 17 anos denunciou que membros da gangue Ti Bwa a usavam para comprar presentes para suas namoradas e limpar casas em troca de apenas 2 dólares americanos. Quando ela se recusou, foi forçada a obedecer.

Instabilidade no Haiti faz crescer violência sexual, que atinge 300 mil mulheres e meninas

Diante desse cenário, o governo começou a abrigar menores e adultos em um centro superlotado, projetado para reabilitar crianças. No entanto, essa medida tem se mostrado insuficiente, pois há meninas e meninos com deficiências que enfrentam dificuldades para fugir da violência e não encontram condições acessíveis nesses centros.

As gangues criminosas que aterrorizam o Haiti

Desde o assassinato do presidente haitiano Jovenel Moïse, em 2021, as gangues criminosas intensificaram sua presença na ilha até atingirem seu ápice em 2024. Suas ações, especialmente na região metropolitana de Porto Príncipe, incluem guerras territoriais para atacar a população e enfraquecer a autoridade do governo.

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Em 2023, o Conselho de Segurança da ONU criou uma estratégia para enfrentar a crise haitiana chamada Missão Multinacional de Apoio à Segurança (MSS), liderada pelo Quênia.

Como resposta, duas das principais gangues (G9 e G-Pèp) anunciaram uma trégua e formaram uma aliança para continuar os ataques contra a população. Com isso, expandiram seu território e desafiaram o primeiro-ministro, pressionando-o a interromper o envio de forças internacionais.

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Em fevereiro de 2024, realizaram um ataque decisivo, incendiando delegacias, invadindo prisões e cercando bairros, deixando a capital sem serviços essenciais e completamente paralisada. Em abril, já haviam tomado 80% da cidade. Segundo a Anistia Internacional, estima-se que, no último ano, 5.600 pessoas tenham sido mortas e mais de 5,5 milhões necessitem de assistência humanitária urgente.

Fotografia da Anistia Internacional

De acordo com casos documentados pela Anistia Internacional, pelo menos 10 menores ficaram feridos e 2 foram mortos. A faixa etária das vítimas variava entre 5 e 17 anos, e em pelo menos dois casos houve tiroteios entre gangues criminosas e a polícia. Essa violência afeta não apenas a saúde física das crianças, mas também sua saúde mental.

“Uma menina de 14 anos descreveu como uma bala perdida, disparada por um membro de uma gangue criminosa perto de sua casa em setembro de 2024, perfurou seu rosto. Ela disse: ‘Não é uma área tranquila. Há problemas o tempo todo. Muitos tiros. Eu não suporto mais os tiros.’ Seu irmão havia morrido três meses antes, também atingido por uma bala perdida disparada na região” – Anistia Internacional.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Wendy Rayón Garay Estudante na Universidade Nacional Autônoma do México.

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