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Ayahuasca: Serviços Ambientais e Espiritualidade Amazônica

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

A Segunda Conferência Mundial da Ayahuasca, a AYA 2016 transcorreu em Rio Branco entre 17 e 22 de outubro de 2016. Os organizadores têm boas razões para realizar o evento na capital acreana, que consideram o berço da cultura ayahuasqueira.

Michael F. Schmidlehner*
Segunda Conferência Mundial da Ayahuasca1Todos os quinze povos indígenas conhecidos, assim como muitas comunidades locais não indígenas habitantes no Acre fazem tradicionalmente uso da ayahuasca. Desde o início do século vinte, comunidades urbanas na região amazônica também desenvolveram diferentes rituais baseados na ingestão da ayahuasca. Sobretudo a tradição do Santo Daime, cujas várias linhas doutrinárias hoje vêm se disseminando no mundo, tem suas origens em Rio Branco.

Parceria com o governo

Desde 1998, quando Jorge Viana foi eleito como governador, o chamado Governo da Floresta adotou uma atitude favorável em relação ao uso tradicional e religioso da ayahuasca. Desde então, o governo do Acre tem contribuído para o reconhecimento e legitimação de ayahuasca para uso religioso, um processo que havia começado em nível federal no Brasil no final de 1980, após um período de discriminação e proibição durante a ditadura.
As múltiplas doutrinas religiosas e rituais que surgiram no Acre a partir do uso ayahuasca, hoje vêm sendo valorizadas cada vez mais e reconhecidas como patrimônio cultural brasileiro. O governo tende a destacar a importância da espiritualidade no contexto da sua – como ele considera – política florestal ética.

Questões éticas e espirituais

O Acre é reconhecido internacionalmente – ainda mais do que por sua rica cultura ayahuasca – pelos esforços de seu atual governo para implementar projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) e Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA).
No entanto, há um número crescente de pessoas e organizações que questionam estes projetos precisamente no que diz respeito aos seus aspectos éticos. Entre outras coisas, os críticos apontam para a subjacente lógica do “pagar para poluir”, bem como violações de direitos e criminalização de comunidades que dependem da floresta.
Ao restringir práticas tradicionais de uso da terra, como o plantio de mandioca (que inclui o uso do fogo em pequena escala), caça, pesca e uso de madeira (para habitação, canoas etc.) projetos do tipo REDD alteram profundamente as relações das comunidades com a floresta.
Neste contexto, é preciso também perguntar: não era precisamente devido às suas imperturbáveis relações com animais e plantas, que os povos indígenas foram capazes de preservar os seus recursos e manter as suas práticas xamânicas vivas?
A estreita relação destes povos com o ecossistema, sua integração na complexa rede de relações vitais da floresta lhes permitiu descobrir a ayahuasca, preservá-la e cultivá-la ao longo de milênios.
Os modernos usuários e pesquisadores da ayahuasca parecem ainda ser pouco conscientes da imanente “ameaça espiritual” que os projetos do tipo REDD e PSA representam para os povos indígenas.

Impactos dos projetos do tipo REDD

Hoje, às comunidades indígenas e locais no Acre estão profundamente divididas, e grande parte rejeita a forma impositiva, como o Governo estadual promove tais projetos, como mostra a carta aberta dos participantes de uma oficina organizada pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Um relatório, publicado no ano passado pela rede DHESCA, uma renomada organização de direitos, denuncia graves violações de direitos, como resultado desta política de “Economia Verde” no Acre.
Apenas algumas semanas atrás, posseiros que vivem na área do Projeto Purus  e cujas habitações durante os últimos anos têm sido regularmente sobrevoadas por aeronaves ultraleves e drones de vigilância, foram multados em milhares de Reais pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC) por causa de seus roçados. Os posseiros agora temem que estas – para eles impagáveis – multas podem ser um primeiro passo para a criminalizá-los e, finalmente, despejá-los de suas terras. 

Discussão é necessária

O abrangente programa do congresso AYA 2016 discutiu muitas das questões importantes que surgem com a crescente utilização e comercialização de ayahuasca em escala global, tais como os impactos ambientais da colheita das plantas e os impactos socioculturais do emergente turismo ayahuasqueiro em comunidades indígenas, entre outros.
No entanto, uma discussão específica dos crescentes impactos de REDD e PSA sobre autonomia, soberania alimentar e espiritualidade dos povos da floresta não está programada. 

Mais informação:

*Seminário em Cruzeiro do Sul denuncia mercantilização da natureza e violações de direitos
*Economia Verde, Povos das Florestas e Territórios: violações de direitos no estado do Acre (Relatório DHESCA)
*Homepage do Projeto Purus
*Programação da Segunda Conferência Mundial da Ayahuasca, a AYA 2016

*Michael F. Schmidlehner é austríaco nato e brasileiro naturalizado, possui mestrado em filosofia pela Universidade de Viena – Áustria, e atua desde 1995 no Acre, entre outros como professor de filosofia, ativista  e pesquisador, realizando estudos principalmente nas áreas de proteção de conhecimentos tradicionais e justiça ambiental e climática.
 
Publicado em REDD Monitor em inglês:
Guest Post: REDD, Payments for Environmental Services, and Amazonian Spirituality


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
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