A Lei nº 2.308, de 22 de outubro de 2010, do Estado do Acre, que cria o Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais (SISA), o Programa de Incentivos por Serviços Ambientais (ISA), Carbono e demais Programas de Serviços Ambientais e Produtos Ecossistêmicos parece já manifestação da economia verde, antes que este conceito fosse badalado na Rio+20.
Amyra El Khalili e Arthur Soffiati*Se o trabalho dos polinizadores pode ser valorado e precificado, quem receberá o dinheiro por eles, já que a natureza trabalha sem ter noção do que é trabalho e do que é remuneração? Alguém pode receber por eles. Quem será? Isto facilita muito a entrada de grandes empresários e grupos para receber por aquilo que a natureza faz de graça, queiramos ou não queiramos. O urubu trabalha diariamente durante o dia, seja sábado, domingo ou feriado. Ele age assim porque é da sua natureza, não porque precisa de dinheiro. Contudo, alguém pode querer receber por este serviço gratuito, valorando-o e precificando-o.A formação de preços (precificação) nos mercados de capitais, especificamente nos mercados bursáteis (bolsas de valores e de mercadorias), é determinado por três fatores: a análise fundamentalista, que é o estudo da conjuntura econômica; a análise matemática, que compreende os cálculos de taxas de juros, prazos e custos; e a análise gráfica, que registra as oscilações de oferta e demanda do objeto (ativo ou commodity). Portanto, a complexidade para a formação de preços exige profundo conhecimento do objeto.Na escola neoliberal, para encurtar o caminho para a precificação, criaram-se os “índices” produzidos por universidades de grife e institutos de pesquisa, pagando régias mesadas a essas instituições para, com estes indicadores, viabilizar as decisões dos players (comprar e vender) e, assim, girar cada vez mais e mais rapidamente contratos nos mercados de futuros.A indústria de futuros, chamada de derivativos (derivado de ativos), tornou-se muito lucrativa no curto prazo, principalmente para corretoras e bancos, uma vez que os agentes intermediários ganham no volume negociado a despeito do resultado, ou seja, ganham corretagem quando o cliente está ganhando e também quando o cliente está perdendo.Com o tempo, já não interessava mais ganhar “corretagem” sobre operações de compra e venda para cada contrato negociado. O apetite pela especulação e a ganância sobre as vantagens de comprar e vender rápido, muitas vezes em segundos, criou oportunidades para que os agentes intermediários (brokers e traders) ganhassem também no jogo financeiro. Entenda-se: jogando com o trabalho produtivo e o dinheiro dos outros. Jamais com seu próprio dinheiro.A indústria financeira especulou com o aumento desproporcional (virtual) da produção de bens e serviços e avançou com a desregulamentação, dando chances para se realizar lucros ou prejuízos sem que o próprio sistema de garantias pudesse suportar as liquidações com a concentração de poder nas mãos de apenas meia dúzia de bancos também avalistas de garantias para os negócios que os mesmos bancos ofertavam para seus clientes.Em dezembro de 2007, o Banco de Compensação Internacional (conhecido pela sigla BIS, em inglês) estimou em US$681 trilhões os negócios com derivativos - dez vezes mais o PIB de todos os países do mundo combinados. É a raposa tomando conta do galinheiro.Se os autores da Lei SISA do Acre conhecem o funcionamento do mercado financeiro, não sabemos. O que sabemos é que o aparato conceitual utilizado por eles é antigo e pode nos levar a conclusões equivocadas. E exatamente eles, que sugerem ocupar postura pioneira. Usar o conceito de preservação de modo generalizado faz tábula rasa da natureza não humana. Parece irrelevante nossa observação. No entanto, se os autores recorrerem ao artigo “Duas filosofias de proteção à natureza”, de Catherine Larrière, incluído no livro Filosofia e natureza: debates, embates e conexões, organizado por Antônio Carlos dos Santos (Aracaju: Ed. Universidade Federal de Sergipe, 2008), verificarão que os conceitos de conservação e de preservação são antigos e de fundamental importância para compreender as relações entre sociedades humanas (antropos sociedades) e natureza não humana.Preservação significa manter íntegra a natureza não humana. Conservação indica o uso da natureza não humana respeitando seus limites. Em que sentido eles usam o conceito de preservação? Pelo visto, empregam-no como sinônimo de proteção, conceito que envolve preservação e conservação. Sugerimos sempre a nossos alunos e colegas: na dúvida, usar o conceito de proteção.Entre os defensores da natureza não humana mais simplórios e dos críticos do movimento ecologista e ambientalista, os conceitos de conservação e de preservação são entendidos como opostos e excludentes. Trata-se de uma falsa questão, pois preservação e conservação se complementam. Não se pode ser preservacionista numa cidade, tampouco conservacionista numa reserva biológica.Eles também atribuem à Cúpula dos Povos, movimento paralelo à Rio+20, o uso inadequado da artilharia ideológica, chamando a atenção para a sua ideologia desinformada. Aqui, eles entram num terreno minado e muito perigoso, pois, por uma vertente de pensamento (Mannheim e Althusser, por exemplo), todo ser humano pensa de forma ideológica, enquanto que o marxismo clássico entende como ideologia o pensamento conservador. Daí dizer-se que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante. A qual dos dois sentidos de ideologia se referem? Do jeito que a expressão é usada, parece que eles estão fora das ideologias, enquanto que a Cúpula dos Povos é prisioneira de uma.Os autores da Lei sustentam que o SISA busca a “compatibilização do desenvolvimento econômico e social com as melhores práticas de preservação ambiental”. Já examinamos o conceito de preservação. Compatibilização é uma postura que, segundo os ecologistas de boa estirpe, tenta conciliar desenvolvimento predatório, ou seja, crescimento econômico convencional com a proteção do ambiente. Historicamente, desde a década de 1970, os pensadores mais lúcidos sabem que tal conciliação é possível provisoriamente. Quando a corda a unir proteção do ambiente e desenvolvimento se rompe, o beneficiado é sempre o desenvolvimento. Mas existem concepções distintas de desenvolvimento. A qual delas seus autores se referem? A resposta a esta pergunta vem logo em todo o texto da Lei: desenvolvimento sustentável.O conceito de desenvolvimento sustentável se afirmou nos anos 1980, principalmente com o livro Nosso futuro comum, oriundo da Comissão Brundtland. Progressivamente, ele substituiu o conceito de ecodesenvolvimento, bem mais claro, e tornou-se central na Conferência Rio 92. Com o tempo, seu uso foi tão generalizado que perdeu o sentido. Hoje, fala-se de juros sustentáveis, lucro sustentável, renda sustentável, crescimento sustentável, práticas sustentáveis e até corpo sustentável sem o mínimo rigor conceitual. E seus autores rebatendo opiniões críticas à Lei SISA fazem o mesmo. As consequências de tal uso é o emprego de crescimento de renda e de PIB. Ora, a produção de armas de guerra e os serviços ligados a ela geram renda e contribuem para o aumento do PIB. Onde o pioneirismo destes autores em uso tão acrítico?Falar em meio ambiente é redundância. Meio significa ambiente e ambiente significa meio. Ou falamos em meio ou em ambiente. Da mesma forma, discutir créditos de carbono é voltar ao passado ou não sair dele. O mercado de carbono não ataca a crise ambiental antrópica de frente, mas procura transformá-la em fonte de lucros. Mas o passado está também embutido no presente, assim como no futuro. Basta examinar o conceito de economia verde, tão propalado antes, durante de depois da Rio+20. Qual o seu conteúdo? Não se sabe ao certo. Só se sabe que ele já está sendo usado para que negociantes ganhem dinheiro com a natureza. Basta ver o livro A economia verde: descubra as oportunidades e os desafios de uma nova era dos negócios, de Joel Makower (São Paulo: Gente, 2009). O conceito de economia verde abre caminho para a valoração do ar e da fotossíntese, por exemplo. Produtor e produto, prestador e serviço são colocados no mesmo saco.Parece que caminhamos para uma nova escravidão, está bem mais sutil. No sistema escravista, o escravo e os bens e serviços por ele gerados podiam ser valorados. Um escravo, mesmo de braços cruzados, tinha preço. Podia ser comprado e vendido, independentemente dos bens e serviços que produzisse. A nova escravidão se assemelha mais com o que o filósofo francês Étienne de La Boétie chamava de servidão voluntária. As plantas realizam a fotossíntese voluntariamente para existirem, não porque as obrigamos. Mas alguém pode se arvorar em cobrar por ela ou ganhar alguma concessão governamental para explorá-la. Paremos por aqui, pois a lista de explorações indevidas é longa.Portanto a Lei SISA abre um precedente perigoso para a raposa tomar conta, recebendo muita grana para cuidar do galinheiro, pois permite a captação dos recursos e a administração pelo sistema financeiro através do mercado de carbono. Está na mídia sendo apregoada como modelo de lei para o mundo. Enquanto o mercado de carbono vinagre na Europa contaminada pela crise financeira de 2008, aqui, nestas paragens, prega-se o mercado de carbono como a salvação da lavoura.Causa estranheza que os idealizadores Lei de Pagamento por Serviços Ambientais do Acre desconheçam os impactos da precificação de produtos agropecuários nos mercados de commodities internacionais, como o caso do cacau, açúcar, café, soja, milho e boi, entre outros. Fica a impressão de que não foram estudadas as regras básicas de precificação, constituídas das análises fundamentalistas (conjuntura econômica), matemática (juros, prazos e custos) e da análise gráfica (oferta e demanda).Não se faz mercado artificialmente com leis e marketing ambiental. As experiências que tivemos nos mercados de commodities e derivativos nos ensinaram que a participação do Estado diretamente na regulação para fomentar a comercialização criou distorções e estimulou a especulação.Quando o Banco Central regulava o câmbio no mercado de ouro, havia liquidez porque a autoridade monetária alimentava o mercado comprando e vendendo ouro. Quando o Banco Central saiu do ouro, o mercado de ouro evaporou. Não existia o mercado de câmbio futuro porque simplesmente não havia vendedores futuros de câmbio. Quando o banco estabeleceu o controle da moeda pela banda cambial, o mercado futuro de câmbio na antiga BM&F emergiu do zero e hoje é o mercado que sustenta, juntamente com o de taxa de juros, o impressionante movimento financeiro da Bovespa BM&F.Que o Estado faça seu papel de agente regulador e fiscalizador do sistema financeiro, que seja agente de fomento, mas que não se meta a fazer “mercado”. Se o Estado não consegue sequer fiscalizar a degradação e a devastação ambiental, como pode o mesmo Estado virar agente financeiro ou, na melhor das intenções, repassar para terceiros (a raposa) essa função?Perguntem à Bovespa BM&F: por que os mercados de commodities agropecuárias não avançam? Ou: porque os produtores rurais deste continente não operam na Bolsa de Futuros para se protegerem contra oscilações bruscas de preços das commodities agropecuárias? Perguntem aos players: por que o preço de soja nacional é definido pela Bolsa de Chicago e não por um preço formado com custo Brasil?Façam mais perguntas antes de fazer leis para dar “valor” e/ou “valorar” os bens ambientais. Perguntem aos árabes e africanos: por que a água (bem escasso no Oriente Médio e África) nunca foi cotada em Bolsas de Valores? Ou: porque os árabes e nordestinos não inventaram, ainda, o mercado futuro de água?Também perguntem aos membros da Aliança RECOs (Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras), que constroem um novo modelo econômico para América Latina e o Caribe, cujos relatórios e consultas públicas são assinados por mais de 5000 profissionais multidisciplinares e centenas de comunidades e instituições ao longo de duas décadas: por que não propusemos (ou melhor, pensamos) nessa Lei SISA antes?Talvez porque não sejamos tão inteligentes quanto os idealizadores da Lei SISA a ponto de mobilizar o urubu.
O urubu mobilizado
de João Cabral de Melo Neto:
Durante as secas do sertão, o urubu
de urubu livre, passa a funcionário.
Ele nunca retira, pois prevendo cedo
que lhe mobilizarão a técnica e o tacto,
cala os serviços prestados e diplomas,
que o enquadrariam num melhor salário,
e vai acolitar os empreiteiros da seca,
veterano, mas ainda com zelos de novato:
aviando com eutanásia o morto incerto,
ele, que no civil que o morto claro.
Embora mobilizado, nesse urubu em ação
reponta logo o perfeito profissional.
No ar compenetrado, curvo e secretário,
no todo de guarda-chuva, na unção clerical,
Com que age, embora em posto subalterno:
ele, um convicto profissional liberal.
Referências: EL KHALILI, Amyra; SOFFIATI, Arthur. Lei de pagamentos por serviços ambientais do Acre beneficia mercado financeiro. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 12, n. 68, p.9-12, mar./abr. 2013. EL KHALILI, Amyra. As commodities ambientais e a métrica do carbono. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 16, n. 93, p.26-31, maio./jun. 2017.Colaboradora de Diálogos do Sul. Amyra El Khalili é professora de economia socioambiental e editora das redes Movimento Mulheres pela P@Z! e Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras. Autora do e-book Commodities Ambientais em Missão de Paz: Novo Modelo Econômico para a América Latina e o Caribe. Site: <www.amyra.lachatre.org.br>.Arthur Soffiati é Doutor em História Social com concentração em História Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor aposentado da Universidade Federal Fluminense, integra o Núcleo de Estudos Socioambientais da mesma universidade. Publicou dez livros, além de vários capítulos de livros, de artigos em revistas especializadas e de artigos jornalísticos semanais.
A necessária frente de salvação nacional foi sequestrada pelos banqueiros, que desde o Brasil Império mandam no país e apoiam todas as rupturas democráticas
“O movimento pela democracia está crescendo em quantidade e em amplitude do espectro político. Setores à direita estão tomando vergonha e perfilando na frente democrática. Agora vai! Sempre dissemos que só a direita derruba esse governo, então está feita a Frente Ampla de Salvação Nacional”.
Que bom seria se assim fosse… Eu cheguei a pensar assim e escrevi com convicção o parágrafo acima, até que os banqueiros, as pesquisas e a análise acurada que fiz do panorama eleitoral — publicada nesta revista — me provou o contrário. A Pátria está em perigo, mais hoje do que nunca.
Os movimentos indicavam a correta iniciativa de formação de uma frente em defesa da democracia e das eleições. Mas a eles foram incorporados os donos do capital.
Direitos Já: ato virtual realizado em 1º de agosto, no Rio de Janeiro, no âmbito do 11º Ato do Direitos Já Fórum pela Democracia, realizado presencial e virtualmente. O evento contou com a presença de representantes de 16 partidos, centrais sindicais e personalidades estrangeiras. Aprovaram um manifesto em que conclamam “às forças democráticas a estarem unidas e levantarem suas vozes ao máximo para que não prospere essa estratégia de autoritarismo. Foi-se o tempo de tão somente observar! Os democratas precisam agir, exortam.
Carta aos brasileiros: A “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito” foi lançada no dia 26 de julho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e tem a adesão de amplos setores da sociedade civil. O texto tem professores renomados encabeçando a lista e teve logo adesão da sociedade civil organizada, como a OAB, a ABI, centrais sindicais e a UNE.
A fila desse Manifesto é de gente graúda, que representa boa parte do PIB. Tem a Natura, com Pedro Passos e Guilherme Leal; a Luiza Trajano, do Magazine Luiza; Eduardo Vassimon, do grupo Votorantin e Horácio Lafer Piva, do grupo Klabin.
Não surpreende, mas é estranho ver gente como Walter Schalke, da predadora Suzano; Roberto Setubal e Cândido Bracher, do Itaú/Unibanco, entre outros, reconhecendo que está em perigo a Democracia. Nunca antes se preocuparam, sempre estiveram do outro lado, mesmo nos momentos mais sombrios da ditadura se enriqueceram.
Manifesto em Defesa da Democracia e da Justiça: impulsionado pela Fiesp, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, conta com o apoio de mais de 100 entidades, entre elas a Febraban, a Federação dos Bancos. O texto foi divulgado como anúncio nos jornalões do país e tem também apoio da Câmara Americana de Comércio, Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (PróGenéricos), FecomercioSP, 11 centrais sindicais de trabalhadores, da União Nacional dos Estudantes (UNE), as três universidades estaduais: USP, Unicamp e Unesp, entre outras instituições.
Assista na TV Diálogos do Sul
Todas as iniciativas são pluripartidárias, com o propósito de defender o Estado democrático e de direito, a Justiça Eleitoral e as urnas eletrônicas, que vêm sendo detratadas por Bolsonaro, o porta-voz dos militares que ocupam a Presidência da República.
Paralelamente, Lula está cumprindo a sua parte e armando a ampla coalizão de forças necessárias para derrotar o fascismo nas urnas. Afinal, é disso que se trata.
A democracia necessária
A "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito", que será lida nesta quinta-feira (11) no Largo São Francisco é bem-intencionada e serviria para reforçar a frente necessária de defesa da democracia, mas se fosse a nossa democracia. Porque a ela se somaram os donos dos maiores bancos para dizer que “vamos defender a democracia”, mas a deles, dos banqueiros e bilionários, e dar posse ao vencedor das eleições.
Se disseram isso, é porque têm a certeza de que vencerão as eleições de outubro, reelegendo o Partido dos Militares, encarnado no Partido Liberal e no Comando das Forças Armadas. Tudo democraticamente, legitimado pelo voto, tal como foi nas eleições de 2018.
“Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática. (…) independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, chamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições. (…) No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários” e concluem se declarando “em vigília cívica”.
Lupa nos firmantes
Os dois manifestos, o dos civis e o da Fiesp serão lidos na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo.
Neles estão os 10% mais ricos, seguidos pelos 10% de remediados. São os que controlam o sistema, têm a maioria nos legislativos e a cumplicidade do judiciário.
O Congresso, por outro lado, é dominado pelos ruralistas e armamentistas não representam sequer 1% da população. População que é, em torno de 80% urbana, com representação minoritária sufocada por uma verdadeira ditadura de maioria representando o mundo agrícola.
Quem representa os 80% da população? Quem representa os 110 milhões de subnutridos e subempregados? E os 33 milhões que passam fome? Pelas dúvidas, para mostrar que se preocupam 60 dias antes da eleição aprovam lei que libera geral para doação de cestas básicas para comprar o voto da população.
Tudo dentro de um sistema corroído
Defender democracia e o sistema eleitoral é o mínimo que se pode querer para oferecer segurança jurídica às eleições.
Esse é o sistema que temos. Ele está funcionando nas mãos da direita e para servir a direita, o capital. É assim desde o Império. Veja que apostar na defesa da democracia quer dizer respeitar o resultado das urnas e dar posse ao vitorioso, seja quem for.
Se Bolsonaro vence, estará legitimado pelas urnas, tal qual em 2018. A campanha de Lula não pode cantar vitória antes do tempo.
Tem muita água ainda para correr. A campanha mal começa e rios de dinheiro começam a escorrer pelas avenidas. As mentes são fracas, incultas, facilmente alienada, como já se testemunhou.
Lula reuniu em torno de sua candidatura os nove partidos que conformam a minoria de 120 votos na Câmara Federal. Bolsonaro reuniu o resto, mais de uma dezena de partidos criados para servir ao capital. Partidos que estão manejando o Orçamento da Nação e as instituições de Estado.
Bolsonaro riu da Carta pela Democracia e se convidou para ir na Febraban gozar da nossa cara. Quem é que está contra a democracia? “Manifestos são cartinhas e o governo deve ser julgado por suas ações… o canalha (Lula) que estava preso quer voltar para não continuar o que estava fazendo”, afirmou o capitão.
Depois do ocorrido, a Febraban disse que vai receber Lula. Vão querer o quê? Outra Carta aos Brasileiros? Aquela que, em junho de 2002 Lula assinou se comprometendo a não se meter com o capital?
Assista na TV Diálogos do Sul
No mês passado, numa terça-feira (5/7) Lula almoçou com boa parte do PIB, banqueiros e bilionários. Sicupira, Moreira Sales, Trabuco, Trajano..... são os mesmos que assinaram o manifesto da Fiesp pela democracia e Justiça.
O almoço foi na sede da Fiesp e, segundo a agência Bloomberg Linea, preferida do capital, houve uma discussão de alto nível com o setor produtivo com resultado muito positivo.
Esse encontro terá o mesmo efeito do manifesto da Faculdade de Direito e quantos mais manifestos forem feitos.
É isso, ninguém é contra a democracia, as coisas estão funcionando. Mas eles são contra mudar o governo, pondo em risco a estabilidade do sistema, o status quo.
Uma coisa é assinar manifesto, outra coisa é financiar candidaturas e subversão. Ademais, os banqueiros são useiros e vezeiros em financiar o que de pior existe na nossa democracia. Apoiaram todos os golpes de Estado e, a partir do golpe de 2016, são eles os que mandam. Guedes, um banqueiro na Economia, está lá realizando direitinho a lição de casa.
O problema são os militares
O Ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, pediu “com urgência” acesso ao código-fonte do sistema eleitoral. O objeto solicitado já estava disponível para quem quisesse há 10 meses.
O general Braga Neto, que o antecedeu e agora é candidato a vice de Bolsonaro, chegou a afirmar que sem um “voto auditável” não haveria eleição.
Veja bem. Eles estão dentro do sistema.
O TSE criou uma Comissão de Transparência, o ministro da Defesa ou o comando do estado-maior, designou nada menos que nove oficiais para integrar essa Comissão. São todos da ativa — dois coronéis, um tenente-coronel, dois majores, três capitães e um tenente — todos cumprindo ordens do Comando de Defesa Cibernética do Exército.
O presidente do TSE, Edson Fachin, em 8 de agosto, teve que expulsar um deles, o coronel Edson Santana, porque estava tumultuando, usando as redes sociais para divulgar mentiras e notícias falsas sobre as urnas e o processo eleitoral.
O comando do Exército reagiu dizendo que vai investigar. Investigar o quê? O coronel em questão é quem tem afirmado que para “votar no PT tem que ser idiota”.
O Partido dos Militares quer mesmo é permanecer no governo. Estão se enriquecendo, não querem voltar aos quartéis para levar vida de remediado. O ataque às urnas faz parte das táticas de diversionismo.
O que se vê é que os militares querem fazer uma apuração paralela à do Tribunal Eleitoral. Tempo e dinheiro desperdiçados, desvio de função com o único objetivo de tumultuar. É a teoria do caos levada a cabo em cada ato do governo de ocupação.
De qualquer forma, querem estar envolvidos na contagem. Bolsonaro insiste que a eleição de 2018 foi fraudada porque teria vencido no primeiro turno. O que ocorre? Sabem que vão ganhar, mas precisam se manter como os donos da narrativa. É o governo que pauta a mídia e a mídia pauta a mídia.
O que importa é manter a alta tensão, expectativas, medo, assombro.
Foto: Caroline Ferraz/Sul21 Para 11 de agosto, estão sendo convocadas manifestações em todas as capitais e principais cidades em defesa da democracia. Que democracia?
A insegurança jurídica garante a impunidade
O Supremo deu até 10 dias para o presidente responder a cada uma de muitas inquirições. Ignorou todas, como se não existissem. Há 150 pedidos de impedimento nas mãos do PGR, Engavetador Mor da República.
A insegurança jurídica garante a impunidade. Nada mais importa. Quatro anos mais de terror não importa, o que importa é aliviar a tensão.
As petroleiras estrangeiras se apossaram do pré-sal e não pagam impostos. É o governo do capital. Agora o Senado isenta de Imposto de Renda o investidor estrangeiro que aplicar em debentures. O agronegócio e a exploração mineral colocada a serviço da metrópole colonial.
Michelle, a primeira dama, deu o tom para ser seguido pela orquestra: “o Palácio era habitado por demônios, hoje é habitado por Cristo”. Jair Messias é o enviado por Deus para salvar a família brasileira do comunismo, dos ladrões.
A Pátria está em perigo. Como disse alguém no encontro virtual do Rio, é preciso agir — ação junto às massas. Manifestos são bonitos de se ler, mas nosso povo é analfabeto funcional, não lê, se lê não entende.
O que dizem as pesquisas?
Não se pode cantar vitória antes do tempo. Isso afrouxa o ânimo de luta. A batalha é árdua e tem que ser travada nas ruas, nas fábricas, nas escolas, nos campinhos de várzea, mas principalmente nas ruas. A defender a nossa democracia, não a democracia do deus dinheiro, que é a democracia dos banqueiros, a democracia de mentirinha que exclui da economia metade da população.
Nas pesquisas de intenção de voto, Lula aparece com tendência de baixa e Bolsonaro de alta. 43% a 29% em março, 14 pontos de diferença; 41% a 34%, 7 pontos de diferença, em 8 de agosto, na pesquisa btgpactual. A certeza na opção de voto está entre 75% e 73%; e 95% declararam que sim, querem votar no dia 2 de outubro.
Na pesquisa Quaest, Lula tinha 48% em dezembro de 2021, 44% em 8 de agosto, 4 pontos menos. Na da Poder Data com TV Cultura, ambos aparecem estáveis, Lula com 43% e Bolsonaro, 35%. No Datafolha, Bolsonaro aparece com 25% em março e sobe para 29% no final de julho, enquanto Lula de 43% vai para quase 49% em junho e pontua 47% em julho.
Fonte: Agregador de pesquisas pollingdata
As demais candidaturas não somam 15%, mas do ponto de vista do sistema, são necessárias para levar a disputa para o segundo turno. Por isso é vital Lula ganhar de goleada no primeiro turno ou, com o mesmo espaço de propaganda eleitoral e mais tempo para aplicar suas manobras, a eleição fica praticamente indefinida.
Vale lembrar que, em 2018, Bolsonaro teve 46% e Haddad 29% no primeiro turno, e 55% a 44,87% no segundo turno. No primeiro turno, os demais candidatos tiveram pouco mais de 22%, dos quais 12% para Ciro e 4% para Alckmin.
Quase 9% de brancos e nulos no primeiro e 10% no segundo, o que mostra o quanto importante é o comparecimento em massa nas eleições.
Analisando todas essas pesquisas, o comportamento por faixa etária, renda e região, que a inteligência a serviço do capital concluiu que vão ganhar. As campanhas sequer começaram, disparam a partir do dia 15 de agosto, mas devem ter considerado as vantagens de que dispõem os militares, contando com a máquina do governo e a maior capilaridade e potencial de votos dos partidos fechados com o sistema. E confiam no domínio e manipulação das narrativas
É hora de corrigir rumos.
Como mudar a correlação de forças?
Lula está fazendo a coisa certa, se reunindo com as categorias profissionais, inclusive servidores públicos, segmento importante que está com o salário defasado como as demais categorias. Não basta! Ele sozinho não consegue. Nem com os nove partidos e os 120 deputados que formam sua coalizão. É preciso mobilização das massas populares.
Cada um com consciência do que está realmente sendo decidido nessas eleições, tem que sair para as ruas e juntar gente. Fazer grupos de cinco, ou de dez que se reproduzem até 100 mil, um milhão. É preciso ocupar as ruas.
Outro segmento importante são os idosos. Eles têm influência em seu círculo próximo e muitos são arrimo de família. A aposentadoria não está dando, corroída pela inflação. Constituem cerca de 10% da população, algo em torno de 22 milhões de pessoas com 65 anos ou mais.
Com relação à juventude, na eleição de 2018 chamava atenção o fato de que mais de 50% dos eleitores de Bolsonaro eram jovens. Eles formaram as milícias cibernéticas, multiplicando grupos de 10 e foram fundamentais na consecução da farsa eleitoral.
Em 2002, primeira eleição de Lula, houve um grande engajamento da juventude, que de um ar festivo à campanha e contribuíram para a vitória. Hoje, de novo, está havendo grande interesse e mobilização entre os jovens.
Segundo o TSE são 2,1 milhões de jovens entre 16 e 18 anos aptos para votar, contingente que se agrega os cerca de 6 milhões de jovens eleitores. Já os brasileiros entre 15 e 29 anos são um quarto da população. Hoje há muita insatisfação entre os jovens pelos desacertos do governo nas áreas de Educação e Saúde e, principalmente, segurança, pois é a juventude a primeira vítima da violência do Estado. Estado assassino, Estado fascista.
Um país com 50 milhões de jovens tem, na força e no entusiasmo da juventude a esperança de mudança.
Para o dia 11 de agosto, estão sendo convocadas manifestações populares em todas as capitais e principais cidades. Atos multitudinários em defesa da democracia. Que democracia?
Paulo Cannabrava Filho, jornalista latino-americano e editor da Revista Diálogos do Sul.
Assista na TV Diálogos do Sul
Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.
A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.
Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como: