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Foto: Nicolás Maduro / Facebook

Acusação de fraude eleitoral é jogo Venezuela x EUA – e o prêmio é o petróleo venezuelano

Definitivamente, disputa entre Venezuela e EUA não é só “ideológica”: com todas as letras, trata-se de R-O-U-B-O, em todos os sentidos
Caio Teixeira
ComunicaSul

Tradução:

É roubo antes do jogo porque quem está escrevendo as regras é o competidor mais forte. É roubo durante o jogo porque o juiz autonomeado é o próprio competidor mais forte, e os árbitros de VAR são nomeados por ele, escolhidos entre países com governos ou alinhados, ou com medo de represálias, ou pior, governos ingênuos que se deixam levar pelo discurso moralista do mais imoral personagem de toda a trama: os Estados Unidos.

É roubo gigantesco de propriedade. É como assaltar o Banco Central de um país e levar todas as suas reservas monetárias. É isso que representam as enormes reservas de petróleo da Venezuela que pertencem ao seu povo. 

Se os EUA vencerem esse jogo roubado, vão assaltar a Venezuela e roubar toda sua principal riqueza, que pode garantir um futuro de desenvolvimento econômico e social para o povo venezuelano. Para os EUA, tanto faz se o governo fantoche de direita ou de extrema-direita, ou simplesmente criminoso, bandido, vai massacrar o povo venezuelano como Israel faz em Gaza com total apoio e participação estadunidense. Desde que lhes venda a empresa estatal de petróleo da Venezuela, a PDVESA, e entregue todo o petróleo, podem cometer todas as perversidades e imoralidades que quiser, especialmente se for para conter as imensas mobilizações populares de um povo politizado e consciente, que com absoluta certeza acontecerão para tentar impedir o roubo e defender a soberania do país.

Para os EUA, transformar a Venezuela numa praça de guerra é juntar o útil ao agradável. Rouba o petróleo e provocar uma guerra civil que será alimentada pela indústria armamentista estadunidense, gerando empregos e ingressos de capital para tentar salvar sua economia cada vez mais decadente. Encurralados pela nova ordem mundial que surge veloz e com passos firmes justamente a partir da Ásia e da África, os EUA estão chegando à zona do desespero. 

É irônico que justamente os continentes saqueados por anos a fio pelo império britânico, por iniciativas menores, mas igualmente imperialistas de países da Europa e, finalmente, pelos EUA, estejam agora colocando em cheque os antigos algozes no seu próprio território, o capitalismo, com cheque mate previsível. Irônico, mas com a satisfação de saber que todo tirano um dia tem seu fim, e que ele não precisa ser substituído por outro. A queda do Império pode significar o retorno a um tempo de solidariedade entre todos da espécie e dela com o planeta. 

A China, líder da atual resistência ao Império, assumiu compromisso com energia limpa, assinou e está cumprindo o protocolo de Kioto, e de lambuja tomou o mercado mundial de carros elétricos de Elon Musk com tecnologia mais avançada e preços menores, e hoje é disparado a maior vendedora de carros elétricos do mundo. Ops! Prejuízo para o Império. Tem gente que sabe jogar capitalismo e ganhar deles no tabuleiro e com as regras deles!

Esse petróleo tem dono

Quem só conhece uma árvore não sabe o que é uma floresta. É para esse jogo maior que devemos olhar se quisermos entender qual a parte que nos toca desse latifúndio e que peleias vamos ter que pelear para tomá-la de tiranos apossados de coisas que não tem dono. Estamos diante de uma luta entre o Império decadente querendo se apossar de uma reserva de petróleo maior que a da Arábia Saudita, ao lado de casa. Sem precisar atravessar meio mundo em petroleiros. Basta um oleoduto menor que o Nord Stream, que eles explodiram. É como redescobrir petróleo no Texas. Uma nova e romântica era de ouro do petróleo. Mas tem um problema, senhor diretor da CIA: esse petróleo tem dono. 

É, esse petróleo tem dono! Pertence à Venezuela, um país formado pelo seu território e pelo seu povo de cultura milenar e espírito guerreiro ancestral. 

“Ora”, disse o cowboy, “esses índios não importam! Sempre soubemos lidar com índios. Vamos usar a solução de sempre, substituir o regime. Transformamos a vida do povo num inferno com sanções econômicas e congelamos as reservas internacionais, para deixar o governo sem caixa. É fácil. Tudo está em nossos bancos. Deus salve o santo espírito de Bretton Woods! Criamos uma oposição financiando quem garantir a venda da PDVESA para nós, e ganhamos a próxima eleição. Democraticamente!”

Mas não deu. O grande legado de Chávez foi a organização do povo desde a base da sociedade, e organizada ela se defende bem. 

“Não deu?”, disse o cowboy, “vamos organizar um golpe. Achem um bandidinho confiável. Serve este? Guaidó, é o nome. E está em posição estratégica, é o presidente da Assembleia Nacional e pela primeira vez os chavistas não tem maioria. Mas tem um problema, pela Constituição deles o presidente só pode ser destituído por plebiscito. Não importa. É só o cara se declarar presidente e a gente na hora já reconhece, e mandamos os de sempre reconhecer também”.

Assim foi feito. Guaidó se proclamou presidente contrariando as garantias constitucionais democráticas, e os EUA e aliados liberaram para ele todos os recursos da Venezuela em bancos estadunidenses e europeus.

A força do Partido Socialista Unificado da Venezuela

Mas ainda não foi desta vez. Maduro convocou uma Constituinte, de acordo com a Constituição que prescreve sempre uma eleição popular para resolver impasses políticos. E não é o correto, democratas? Chamar o povo a votar pela privatização da Vale? Chamar o povo a votar se era crime de responsabilidade ou não? Chamar o povo a votar sobre a venda da PDVSA? Já viram algum “ditador” apostar em tantas eleições? É que Maduro não é um boneco. Maduro é a parte que aparece de um partido político muito forte devido à sua organização capilar dentro de toda a sociedade. Um partido que consegue chegar cara a cara nas casas, nos bairros e debater política, debater capitalismo, debater socialismo: o Partido Socialista Unificado da Venezuela, o PSUV. É por isso que os chavistas ganham eleições sem precisar roubar. É isso que assusta os inimigos.

Vou dar num exemplo que ajuda a entender o que acontece na Venezuela. Em 2012, eu e minha colega jornalista Vanessa Martina-Silva chegamos a Caracas antes dos demais, no sábado anterior à semana de eleição onde disputavam, de um lado, o Comandante Hugo Chávez – título outorgado pelo povo organizado – e de outro, Henrique Capriles – representando os EUA, sempre babando por petróleo. 

Naquele domingo, tinha o comício do Capriles e nós, como repórteres insaciáveis, fomos cobrir. Era um comício muito grande na Praça Bolívar, maior do que tudo o que já tínhamos visto no Brasil ou na América Latina. Lembro de termos comentado: o Chavez vai perder! Fomos almoçar e como sempre puxamos conversa com o garçom, que era chavista, e manifestamos nossa preocupação com o tamanho do comício de Capriles e com a possibilidade de derrota de Chávez. O comício ocupou um imenso espaço na praça Bolívar. Ele riu sinceramente e disse: “não se preocupem, o comício do Chavez vai ser muuuito maior”. Só fomos ficar aliviados durante a fala do Comandante no comício de “cierre de campaña”, na quinta-feira. 

A praça Bolívar é o lugar para onde convergem sete avenidas, como se cada uma fosse um raio de uma roda de bicicleta. Ali, vimos o orgulho do PSUV: vimos lotar as sete avenidas até onde a vista alcança, além do enorme espaço da praça. Encher as sete avenidas é uma tradição muito cara aos chavistas. 

Eles lotaram mais uma vez as sete avenidas no comício do Maduro semana passada. Não viram as fotos na Folha? Nem viram as imagens na TV? Claro que não, e nunca vão ver. Já fui sindicalista e lembro da emoção de estar dirigindo uma assembleia grande para decidir uma greve. É a sensação de que todo o trabalho para construir aquele movimento deu certo, de que toda a organização deu certo, de que fizemos a coisa certa. Agora imaginem a emoção do Chávez ou do Maduro falando para aquela praça diante das sete avenidas entupidas de gente, soldados ideológicos dispostos a defender seu projeto de país e de sociedade que não inclui a entrega de sua principal riqueza. Lembro que na saída do comício, no meio daquele mar de gente, alguns militantes eufóricos, vendo que éramos jornalistas de fora, diziam orgulhosos no meio da multidão: “Lo ves? Esto es socialismo!”.

É compreensível que muitos companheiros de luta não entendam o que isso significa, pois as maiores manifestações que já ocorreram no Brasil foram os comícios no final da campanha pelas Diretas Já, em 1984, com um milhão e meio na Candelária, e um milhão na praça da Sé, para derrubar a ditadura. Depois tivemos outro grande momento para derrotar o neoliberalismo de FHC com uma marcha de 100 mil pessoas em Brasília, em 2002, que garantiu a primeira eleição de Lula.

As sete avenidas lotadas equivalem a milhões de pessoas. É essa mobilização, esse patrimônio organizativo, que elege os chavistas e elegeu Maduro no último domingo (28) frustrando mais uma tentativa dos EUA de se apossarem do petróleo venezuelano.

Campanha de saqueadores

O que os saqueadores internacionais estão fazendo agora é o que sempre fazem, usar todo o aparato midiático controlado por agências de notícias euro-estadunidenses, aliados a traidores locais recrutados a preço de ouro, para tentar concretizar um golpe com campanhas de demonização de Maduro, que é muito mais que um homem, mas a cara que aparece de um povo organizado. 

É isso que está em jogo na Venezuela. A PDVESA já tem comprador, o grupo Chevrom, compromisso assumido publicamente por Corina Machado. Até Roger Waters sabe disso e conclamou os venezuelanos a não vender seu país. 

Então, minhas amigas e meus amigos, olhem para a floresta e não para a árvore que o inimigo, com toda sua força de persuasão midiática, coloca na sua frente como a espiga de milho pendurada numa vara na frente da mula, para que ela só caminhe naquela direção. Todas essas acusações fajutas de fraude, como fez Trump quando perdeu a eleição, como fez Bolsonaro quando perdeu a eleição, são cortinas de fumaça sopradas aos quatro ventos pelos EUA para ROUBAR o petróleo da Venezuela, para roubar o futuro de uma Nação que luta cotidianamente para defender sua soberania.

Alimentar esse fogo, essa versão da História imposta pelo inimigo ladrão, sob qualquer justificativa, é legitimar o SAQUE. E não me venham falar em democracia porque isso não é democracia. Ou é democrático destruir a economia de um país criando artificialmente insatisfação popular para roubá-lo logo em seguida? É democrático fazer uma campanha midiática internacional, com todo seu poder de fogo, para manipular o resultado de uma eleição como fazem os EUA? Como já fizeram com as armas químicas do Iraque? Ou com a campanha sionista em defesa do genocídio em curso por Israel? Nem os aliados tem perdão. A Europa embarcou numa guerra absurda na Ucrânia, destruindo a base energética de sua própria economia, que está em frangalhos.

Então, pergunto: é com esse que vocês vão? Entre um país irmão latino-americano que luta bravamente por sua soberania e o ladrão que vem roubá-lo, de que lado você fica? O mesmo ladrão que articulou um golpe no Brasil para apossar-se do petróleo do pré-sal, imediatamente entregue por Temer e por José Serra? Vai ficar do lado de uma moral de cuecas do país mais imoral do planeta? Ou do lado da resistência contra esse inimigo impiedoso? Esse é o jogo em curso. Se Maduro e o povo da Venezuela forem derrotados, perderão seu petróleo. E todos sabem como é difícil recuperar depois. Até agora não conseguimos reverter a privatização da Vale, as reformas da previdência, a reforma trabalhista, a venda em pedaços da Petrobrás. 

Tirem os olhos da árvore e se afastem para ver a floresta.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Caio Teixeira

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