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ToggleAdeus à Francáfrica. A relação de domínio neocolonial que a França manteve durante anos com suas ex-colônias africanas vem caindo uma a uma. Isso se acelerou nos últimos anos, e o exemplo mais recente é o da Costa do Marfim, aprofundando a crise do imperialismo francês.
O último símbolo da decadência do imperialismo francês em seu histórico “quintal” ocorreu na Costa do Marfim. O presidente marfinense anunciou a “retirada concertada e organizada” do exército francês de seu país. Embora não tenha declarado uma ruptura com seu aliado histórico, trata-se do último capítulo da queda da Francáfrica, como é conhecida a relação de domínio neocolonial que a França manteve com suas ex-colônias africanas e que vem se rompendo de maneira acelerada.
Em 31 de dezembro, o presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, anunciou a redução da presença militar francesa no país: “Podemos nos orgulhar de nosso exército, cuja modernização já é efetiva. É neste contexto que decidimos pela retirada concertada e organizada das forças francesas da Costa do Marfim”.
Ce lundi, lors de la cérémonie d’échanges de vœux du nouvel an avec les Corps constitués de la République, j’ai félicité les Préfets, les Présidents des Conseils Régionaux, les Maires et nos Forces de Défense et de Sécurité pour leur engagement quotidien au service de nos… pic.twitter.com/ryNv95RZSD
— Alassane Ouattara (@AOuattara_PRCI) January 13, 2025
A base militar de Abidjan, o campo de Port-Bouët, deverá ser entregue às forças marfinenses neste mês. Ali estavam sediados cerca de 1.000 soldados do 43º Batalhão de Infantaria da Marinha francesa. Agora, espera-se que o número de soldados franceses diminua de 400 para aproximadamente 100, e o acampamento será comandado pelo exército marfinense. Segundo uma fonte francesa citada pelo Le Monde, a cooperação militar também continuará, por exemplo, com treinamento em pilotagem de helicópteros, artilharia e remoção de minas, com a possibilidade de enviar reforços “pontualmente”. Espera-se que forças armadas de outros países, incluindo os Estados Unidos, estejam no acampamento para reforçar as necessidades de treinamento.
Sinais do declínio
Trata-se de um novo sinal do declínio geral do imperialismo francês no continente. Este anúncio soma-se aos do Chade e do Senegal, em novembro de 2024, sobre o fim da presença do exército francês nesses dois países. No entanto, diferentemente de seus homólogos, Ouattara enfatizou que essa decisão não foi unilateral, mas tomada em consulta com a França, que prepara a reconfiguração de sua presença militar na região.
No entanto, essa “rearticulação” não reflete simplesmente decisões táticas. De fato, ocorre após a expulsão da França do Mali, de Burkina Fasso e do Níger nos últimos anos. Essa retirada parcial responde, portanto, principalmente à ira popular contra a presença francesa em seu território histórico. Diante dessas dificuldades, o governo francês está tentando desenvolver uma nova “narrativa” para buscar relegitimar sua política colonial, concentrando-se, em particular, em uma cooperação militar menos visível, mas igualmente presente. Nesse sentido, o Estado francês passa meses discutindo a retirada das unidades militares coloniais, incluindo a 43ª BIMa da Costa do Marfim.
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O presidente marfinense também destacou a força do exército nacional e anunciou que o acampamento passará a levar o nome do primeiro chefe do estado-maior do exército marfinense, Ouattara Thomas Aquinas. Alassane Ouattara quer demonstrar que não está sujeito aos interesses franceses, e seu discurso deve ser contextualizado em um ano eleitoral que promete ser cheio de acontecimentos. De fato, Ouattara não descarta concorrer a um quarto mandato em outubro e poderia enfrentar opositores que questionaram sua vitória em 2010, o que resultou em um conflito mortal, provocando milhares de mortes. O exército francês desempenhou, naquela ocasião, um papel importante no apoio a seu aliado histórico.
Hoje, Ouattara busca conter um descontentamento geral cada vez maior com a presença militar francesa na região, em um contexto em que parte da juventude e das classes trabalhadoras do país veem com bons olhos as sucessivas retiradas do exército francês dos países do Sahel. Alguns de seus potenciais opositores evocam o fim da colaboração militar francesa e do franco CFA [moeda utilizada pelas ex-colônias francesas na África], buscando aproveitar a onda que afeta a região.
Assim, se Ouattara deseja evitar que essa ira se torne um grito de guerra para seus oponentes políticos, não devemos esquecer que sua chegada ao poder em 2010 foi possível, em grande parte, graças à tutela militar impulsionada pelo imperialismo francês. Em seu anúncio de 31 de dezembro, o presidente da Costa do Marfim, frequentemente chamado de subprefeito da França, afirmou que mantém contato diplomático com o país.
Restam apenas duas bases
Portanto, aparentemente, a França terá apenas duas bases militares permanentes no continente africano este ano, no Gabão e em Djibuti, que o governo anunciou como sua principal base de deslocamento no continente africano. Essa reorganização na Costa do Marfim faz parte de um declínio mais global da França, que fez do domínio do Sahel e da África Ocidental uma das bases de sua manutenção como potência de primeiro nível. A Costa do Marfim desempenhou um papel crucial nisso, com figuras históricas como Félix Houphouët-Boigny, primeiro presidente marfinense e defensor do sistema francês.
Este novo anúncio ilustra mais uma vez a decadência do imperialismo francês no que sempre constituiu seu principal domínio colonial. Isso demonstra que a França está jogando cada vez mais acima de sua categoria na ordem mundial. No entanto, se a ira popular contra a Francáfrica aumenta, isso por si só não será suficiente para acabar com a ingerência imperialista no continente. Não apenas a França continua mantendo posições na região, mas outras potências não menos opressoras buscam aproveitar suas dificuldades para avançar.
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Para alcançar um declínio real do imperialismo francês na região e qualquer interferência estrangeira, devemos exigir não apenas a retirada de todas as tropas imperialistas (incluindo as que supervisionam as tropas africanas no local), mas também a abolição de todos os mecanismos que os imperialistas utilizam para prender as antigas colônias aos interesses franceses, começando pela abolição da dívida externa, a abolição do franco CFA e a expropriação dos grandes grupos imperialistas. Sem essa política, não pode haver uma vitória real contra o imperialismo francês e seus substitutos nacionais, dos quais Ouattara faz parte abertamente.