Ao celebrar os 62 anos da criação da Organização da Unidade Africana (OUA) — criada em 25 de maio de 1963 e substituída pela União Africana em 2002 —, o embaixador de Djibouti, Nasser Mohamed, aponta um novo horizonte para o continente: “A África viu um raio de esperança em seus esforços para curar suas feridas e reafirmar sua soberania”. Em entrevista exclusiva, o diplomata destaca o momento de transição vivenciado pelos países africanos, que lutam para romper com décadas de dominação neocolonial e construir uma imagem de continente rico em potencial humano, natural e tecnológico. “O desafio agora é mudar a imagem de um continente pobre para a de um continente rico, com todo o potencial criativo para influenciar o curso do mundo”, afirmou.
Nasser também ressaltou a importância da autonomia financeira como condição para o desenvolvimento sustentável e a segurança regional. “A África não pode garantir sua própria segurança nem reativar suas economias sem autonomia financeira”, citou, ecoando as palavras de Mahmoud Ali Youssouf, presidente da Comissão da União Africana.
Confira a entrevista na íntegra a seguir.
Hedelberto López Blanch – Quais são para o senhor os principais desafios que enfrenta o continente africano e, a 62 anos da fundação da Organização da Unidade Africana, hoje União Africana, quais são as perspectivas do continente?
Nasser Mohamed – A África teve um passado colonial muito recente, perpetuado por uma forma de neocolonialismo que manteve um domínio absoluto sobre sua riqueza intelectual e material — mas não vou repassar todos os males engendrados pelos dolorosos contextos da escravidão e da colonização.
Nas últimas décadas, no entanto, a África viu um raio de esperança em seus esforços para curar suas feridas e reafirmar sua soberania. O desafio agora é mudar a imagem de um continente pobre para a de um continente rico, com todo o potencial criativo para influenciar o curso do mundo.
Documentário “3 Câmeras Roubadas” resiste à censura para expor crimes do Marrocos contra saarauís
Estão sendo travadas batalhas ideológicas tanto dentro dos Estados quanto nos organismos intergovernamentais para recuperar a soberania sobre os recursos naturais e sua transformação em escala local, bem como sobre o comércio internacional, o crescimento econômico e a melhoria do Produto Interno Bruto.
A União Africana, como prometeu Mahmoud Ali Youssouf, Presidente da Comissão, tem um papel motor a desempenhar no desenvolvimento harmonioso das zonas urbanas e rurais, condição essencial para reduzir a pobreza e a precariedade vividas pelas populações.
Em seu discurso de posse, Youssouf sublinhou que a África não pode garantir sua própria segurança nem reativar suas economias sem autonomia financeira, o que significa que os Estados devem estar em condições de financiar seus próprios programas de paz e desenvolvimento e dar esperança aos jovens que atualmente engrossam as fileiras das rebeliões e das facções terroristas.
Como a União Africana poderá se fortalecer ainda mais em programas sociais e econômicos? Serão cumpridas as metas traçadas pela ONU para 2030 ou ainda existem dificuldades para consegui-lo?
A agenda e os objetivos de desenvolvimento das Nações Unidas nem sempre são cumpridos. Todos apresentam um atraso considerável. O continente africano é formado por 55 Estados soberanos, cada um com seus próprios objetivos políticos e um potencial desigual.
Embora seja certo que o êxito deva ser compartilhado, as batalhas devem ser travadas em nível nacional. A União Africana é apenas a sede do diálogo dos Chefes de Estado e, como tal, suas responsabilidades se limitam a coordenar o consenso alcançado nas Assembleias Gerais. O continente só poderá colher os frutos e benefícios do progresso nacional.
Sob essa perspectiva, as coisas começam a se mover de Norte a Sul, de Leste a Oeste; a conscientização está aumentando e os governos parecem decididos a estabelecer as bases de sua soberania nacional, em particular arrancando das garras das multinacionais e das forças imperialistas a exploração e a gestão dos recursos naturais, cujos lucros serão primeiramente incrementados e depois utilizados para e pelo povo.
Para alcançar esse objetivo, a África precisa dominar a ciência e a tecnologia, o elo perdido na arquitetura do desenvolvimento sustentável.
Como decano do corpo diplomático, como avalia as relações Cuba-África e, em especial, com Djibouti? Existem condições especiais para continuar incrementando-as?
As relações entre Cuba e a África têm origens distantes e se baseiam em fundamentos concretos.
Assine nossa newsletter e receba este e outros conteúdos direto no seu e-mail.
As forças revolucionárias cubanas, sob a direção de Fidel Castro, participaram da luta pela independência da África, pela qual o povo cubano pagou o mesmo preço de sangue que os povos africanos em luta. Desde o período pós-colonial, a Revolução Cubana continuou apoiando os primeiros governos que herdaram as ruínas do colonialismo.
Os primeiros médicos, enfermeiras e professores cubanos chegaram muito cedo para atender às necessidades das populações vulneráveis e analfabetas que saíam das trevas da colonização. Esta cooperação é tão antiga quanto a Organização da Unidade Africana (OUA) e a Revolução Cubana, pois já celebra mais de meio século de apoio ao desenvolvimento.
Às brigadas internacionalistas somam-se hoje associações institucionais, técnicas e científicas, baseadas no intercâmbio de informações e conhecimentos, e na coprodução de bens e serviços, especialmente nos âmbitos acadêmico, farmacêutico, biomédico, agrícola, hidráulico e tecnológico, entre outras prioridades. Isso faz de Cuba um dos principais parceiros de desenvolvimento da África, com novas e interessantes perspectivas para ambas as partes.
Como os governos africanos já declararam em repetidas ocasiões, não aceitarão nenhuma pressão externa para interferir na cooperação com Cuba. Porque essa cooperação, que salva vidas, é, antes de tudo, benéfica para os cidadãos africanos e para o fortalecimento das instituições locais.
Além disso, na frente de luta contra o bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba, a África mantém uma posição clara, unânime e decidida para assegurar o triunfo da justiça a que tem direito esse grande povo e belo país.
Para os africanos, apoiar Cuba em sua luta política por sua soberania é uma forma de honrar essa colossal dívida moral com o povo revolucionário cubano e seus líderes históricos.
Obrigado por me permitir dirigir-me ao povo cubano por ocasião do 62º aniversário da União Africana.