Pesquisar
Pesquisar
Foto: Casa Branca / Flickr

Alcatraz dos Crocodilos: Trump já é mais nocivo que a pandemia à economia dos EUA

Crítica é feita por comerciantes, que associam as políticas anti-imigrantes de Trump a um clima de terror agora impulsionado pelo anúncio da Alcatraz dos Crocodilos: uma prisão criada sob medida como a televisão

David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Washington

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A última edição do espetáculo anti-imigrantes televisionado do presidente Trump foi nesta terça-feira (1º), quando ele viajou à Flórida para inaugurar um megacentro de detenção em meio aos pântanos do imenso Everglades, batizado como “Alcatraz dos Crocodilos” — uma dupla referência: à famosa prisão em uma ilha na baía de San Francisco e aos répteis tão comuns nessa região de Miami.

Enfrentando uma torrente de más notícias sobre o impacto de suas políticas anti-imigratórias — desde comércios perdendo clientes, agricultores sem mão de obra para colher, até bispos católicos, com o respaldo do Papa, organizando protestos contra suas medidas — o presidente e sua secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, feita sob medida para a televisão, inauguraram a unidade, como se fosse uma prisão de segurança máxima, para alimentar sua narrativa de que estão agindo contra perigosos “imigrantes criminosos” que ameaçam os Estados Unidos.

“A instalação está no coração dos Everglades e será informalmente chamada de Alligator Alcatraz”, explicou com um sorriso a porta-voz da Casa Branca, Katherine Leavitt, na segunda-feira (30). “Só há um caminho para chegar lá, e a única maneira de sair é em um voo sem retorno. Está isolada, cercada por vida selvagem perigosa e por um terreno hostil.”

O magnata prometeu às suas bases que deportaria um milhão de imigrantes em situação irregular neste ano, mas, até agora, as operações não atingiram sequer a metade dessa meta. Além disso, a grande maioria — cerca de dois terços — dos imigrantes em processo de deportação não possui histórico de violações da lei, apesar das repetidas alegações do presidente e de seus aliados de que estão focando exclusivamente em expulsar “criminosos”.

De fato, pesquisas recentes indicam um crescente descontentamento público — compartilhado por democratas e republicanos — diante da prisão de pessoas trabalhadoras que fazem parte do tecido social das comunidades.

Em uma das agora incontáveis imagens das consequências dessa ofensiva, está a de um carrinho de sorvetes abandonado em Culver City, Califórnia. Todos na cidade sabiam de quem era, e começaram a se preocupar com o sorveteiro, conhecido por crianças e adultos há mais de 20 anos. Este “criminoso perigoso” é um dos detidos em operações feitas por agentes de imigração mascarados.

Trump, durante visita à Alcatraz dos Crocodilos (Foto: Casa Branca / Flickr)

O presidente entende muito bem como uma imagem ou vídeo com uma narrativa como essa — de um centro de detenção comparado à lendária prisão de Alcatraz (que já inspirou pelo menos três filmes), mas agora cercada por crocodilos para confinar “imigrantes perigosos” — é feita sob medida para a televisão.

Agricultores à falência

Mas além das telas, o impacto real de suas medidas está impondo dificuldades crescentes à economia e à sociedade do país, inclusive entre setores que votaram em Trump.

“Nos campos, diria que 70% dos trabalhadores foram embora”, declarou Lisa Tate, agricultora de sexta geração no condado de Ventura, Califórnia, à Reuters. “Se sete de cada dez trabalhadores não aparecem, 70% da sua colheita não é realizada e pode se perder em um único dia. A maioria dos estadunidenses não quer fazer esse trabalho. Muitos agricultores mal conseguem cobrir seus custos. Temo que isso tenha criado um ponto de inflexão em que um número significativo de produtores irá à falência.”

“Agora mesmo estou sem nenhum trabalhador”, afirmou Nick Billman, dono da Red River Farms, em Donna, Texas, ao New York Times. Ele está avaliando se vale a pena plantar, já que não tem ninguém para cuidar das lavouras nem para colhê-las. Na Flórida, a imprensa local relata campos vazios e plantações abandonadas, pois os trabalhadores temem as operações nos próprios locais de trabalho.

Em entrevista à televisão no domingo, Trump declarou: “Estamos trabalhando em uma solução” para os agricultores. Porém, não ofereceu detalhes e apenas repetiu o que já havia prometido antes, sempre de forma vaga.

Essa crise incipiente criada pela política anti-imigratória não se limita ao campo. Em Cincinnati, Ohio, as operações conduzidas pelo Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas (ICE) que resultaram em detenções em frente a supermercados e outros comércios provocaram tanto medo que os vendedores de frutas desapareceram das calçadas, lojas relataram queda no movimento e restaurantes enfrentam escassez tanto de mão de obra quanto de clientes, segundo o Wall Street Journal. Essas cenas se repetem em outras cidades e vilarejos do país, de Los Angeles à cidade de Nova York, onde comerciantes de um bairro imigrante no Queens dizem que as condições econômicas geradas pelo clima de terror promovido pelo governo federal são ainda piores do que durante a pandemia.

Em várias localidades, as comemorações do Dia da Independência (4 de julho) foram canceladas por medo das ações do ICE. A cidade de Bell Gardens, na Califórnia, suspendeu seus planos para a data comemorativa, e seu prefeito, Jorge Chavez, recomendou aos indocumentados que permaneçam em casa para se protegerem.

No domingo (29), representantes do Papa se somaram ao coro de oposição às políticas anti-imigratórias do presidente. “Está cada vez mais claro que se trata de um esforço indiscriminado de deportação em massa contra todos aqueles que chegaram a este país sem documentos”, declarou o cardeal católico Robert W. McElroy, de Washington, ao New York Times. “Um número muito grande de bispos católicos e líderes religiosos em geral estão indignados com as medidas tomadas por este governo para expulsar pessoas, em sua maioria trabalhadoras e honestas, dos Estados Unidos.”

Assine nossa newsletter e receba este e outros conteúdos direto no seu e-mail.

Trump não alcançará sua meta

O projeto de lei que o Congresso, sob controle republicano, espera aprovar até o final da semana, inclui mais que dobrar o orçamento do ICE e de suas agências. No entanto, mesmo com essa volumosa injeção de recursos, não conseguirá atingir suas metas de deportação. Para tentar contornar esse fracasso, o arquiteto das políticas migratórias do presidente, Stephen Miller, está pressionando os agentes a intensificarem os esforços para deter e deportar ainda mais pessoas — o que tem levado a mais abusos e violações do devido processo legal.

Na segunda-feira (30), a imprensa noticiou uma consequência fatal: o Congresso foi informado de que um cubano-americano de 75 anos, que chegou ao país em 1966, morreu sob custódia do ICE. Questionado sobre o caso, o “czar fronteiriço” Tom Homan afirmou que não estava ciente da morte e acrescentou: “Pessoas morrem sob custódia do ICE, morrem em cadeias e prisões estaduais”.

O espetáculo anti-imigratório televisionado ou filmado, com prisões violentas realizadas por agentes mascarados e não identificados, gerou entre as comunidades migrantes o clima de medo mais amplo já registrado nos últimos 75 anos nos Estados Unidos. Esse, afirma Homan, é exatamente o objetivo.

Trump duplicará os fundos

Entre os planos de Trump para escalar dramaticamente a deportação de imigrantes indocumentados estão duplicar os fundos dedicados à deportação em massa, lançar novos ataques a decisões judiciais que bloqueiam ou atrasam essas ações e iniciar uma medida para negar coletivamente os pedidos de asilo de centenas de milhares de imigrantes nos EUA, o que pode resultar na sua deportação.

“Em nome de Deus”: para os EUA, levar guerra e desgraça para o mundo é sempre um ato divino

Há dúvidas se essas medidas terão êxito para alcançar a meta do presidente, mas está claro que a intenção é acelerar cada vez mais o esforço contra os imigrantes. No início do governo, as autoridades realizavam cerca de 600 detenções por dia, mas em junho esse número chegou a 1.200, informou a CBS News — ainda bem abaixo das 3 mil detenções diárias exigidas por Stephen Miller, subchefe de gabinete e arquiteto da estratégia anti-imigrante da Casa Branca.

O governo insiste que já alcançou um número enorme de deportações — mais de 200 mil até o momento —, mas dados federais oficiais indicam que desde que Trump chegou à Casa Branca até 14 de junho, foram realizadas 120 mil deportações, informa Adam Isacson, do Washington Office on Latin America (WOLA). “Há mais, se contarmos aqueles que foram deportados rapidamente na fronteira”, explicou ao jornal La Jornada. Tanto Isacson como especialistas do Migration Policy Institute apontam que o governo tem sido muito opaco e deixou de publicar dados sobre detenções e deportações de imigrantes, o que dificulta avaliar as cifras.

Em uma expansão de sua guerra contra os tribunais federais que dificultam ou barram iniciativas anti-imigrantes, o Departamento de Justiça apresentou uma ação judicial contra todos os juízes federais do estado de Maryland, acusando-os de “extrapolação judicial ilegal” por terem imposto uma pausa de dois dias em todas as ações de deportação de pessoas que solicitaram uma audiência para seus casos. “Essa ação cruza uma linha que esteve vigente por séculos. O governo está alegando que sofre prejuízo pela mera existência da supervisão judicial”, comentou, incrédula, a advogada e especialista no tema Kathleen Clark.

Sem criminosos

Parte do problema para o governo de Trump é que não há tantos imigrantes criminosos. Trump e seu assessor Miller têm argumentado que a grande maioria do milhão de imigrantes indocumentados que querem deportar em 2025 possui antecedentes criminais. Mas uma análise de dados oficiais realizada pelo Transactional Records Clearing House da Universidade de Syracuse revelou que menos de 30% dos imigrantes detidos estão acusados de algum delito. Esses dados são confirmados por outra análise, do Instituto Cato — um centro conservador —, que descobriu que dois terços dos detidos em centros de detenção de imigrantes não têm nenhum histórico criminal.

Que tal acompanhar nossos conteúdos direto no WhatsApp? Participe do nosso canal.

“A campanha de deportação em massa do governo Trump não tem relação com segurança pública, nem se trata de pessoas que violaram as leis migratórias e foram condenadas por um crime”, escreveu David Bier, do Instituto Cato. “Esta administração está cancelando ansiosamente o status jurídico de centenas de milhares de imigrantes regulares para que também possam ser deportados.”

De imediato, o governo Trump está cogitando descartar os pedidos de asilo de centenas de milhares de pessoas já presentes no país e que aguardam a análise de seus casos, informa a CNN. Como as 1,4 milhão de pessoas com pedidos pendentes de asilo registraram seus endereços e outros dados de contato, será fácil localizá-las para deportação. “Neste clima, a melhor ação que essas pessoas podem tomar é simplesmente se mudar”, comentou um advogado de imigração que pediu anonimato.

Dinheiro para as políticas anti-imigrantes

Um dos desafios enfrentados pelo presidente é que a deportação em massa é muito cara. No curto prazo, o mandatário mobilizou mais de 10 mil militares, mas estes não têm autoridade para prender imigrantes. Para contornar esse problema, o Pentágono estabeleceu duas “zonas de exclusão” ao longo da fronteira com o México, que são essencialmente bases militares onde é possível deter quem tentar entrar nesse território — e espera-se o anúncio de mais duas zonas, segundo a CNN.

Mas o presidente precisa de recursos para realizar esse sonho anti-imigrante. Por isso, o Senado espera aprovar um projeto de lei ambicioso que destinará ao menos 160 bilhões de dólares para deportações em massa ao longo dos próximos quatro anos, além de tranferir enormes quantias de dinheiro para os mais ricos por meio de cortes de impostos e reduzir os gastos federais com saúde e programas sociais para os pobres.

Se aprovado, o projeto de lei dobrará os recursos destinados às ações anti-imigrantes e de controle de fronteiras, segundo cálculos da WOLA. Além disso, essa mesma proposta prevê um imposto sobre remessas que, segundo Trump, geraria receita para financiar parte das medidas anti-imigrantes, incluindo o muro.

Prisão de opositores a Trump alarma política nos EUA; republicanos ameaçam matar manifestantes

Entretanto, disputas sobre temas não relacionados à migração podem atrasar a aprovação do pacote legislativo. E mesmo que seja aprovado, ainda terá que voltar à Câmara dos Representantes antes de ser enviado à mesa de Trump para sanção.

Há pouco debate sobre as medidas anti-imigrantes incluídas nesse projeto de lei, que também prevê 46,5 bilhões de dólares para construir mais 1.128 km de muro fronteiriço, instalar novas barreiras no rio Bravo, ampliar os equipamentos de vigilância, contratar mais 18 mil agentes de imigração e controle de fronteira e destinar 45 bilhões de dólares para ampliar a rede de centros de detenção, aumentando o número de “camas” de 42 mil para pelo menos 100 mil. O valor das ações das empresas privadas que operam esses centros disparou 50% desde que Trump chegou à Casa Branca.

Embora seja improvável que o governo consiga deportar um milhão de imigrantes neste ano, ele continua alimentando o clima anti-imigrante em todo o país. Em 25 de junho, o estrategista da Casa Branca, Stephen Miller, reagiu ao triunfo do socialista democrata e imigrante muçulmano Zohran Mamdani na eleição primária democrata para prefeito de Nova York, e advertiu que a vitória do “anarco-socialista” é resultado da “imigração descontrolada que transformou fundamentalmente o eleitorado da cidade”.

Estamos no Telegram! Inscreva-se em nosso canal.

“A ambição do presidente Trump e de Stephen Miller de deportar 12 milhões de pessoas foi um fracasso terrível em seus próprios termos, mas mesmo no fracasso eles colocaram nossa sociedade de cabeça para baixo”, declarou o influente deputado federal democrata Jamie Raskin, de Maryland. “Aterrorizou tanto estadunidenses quanto não estadunidenses, desestabilizou nossas comunidades, destruiu pequenos negócios que perderam seus trabalhadores e prejudicou nossa Constituição.”

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

LEIA tAMBÉM

Libertar o ser para libertar a terra legado da palestina Nihaya Mohammed
Libertar o ser para libertar a terra: o legado da palestina Nihaya Mohammed
Trump, tarifaço e submissão o Brasil no tabuleiro do imperialismo
Cannabrava | Trump, tarifaço e submissão: o Brasil no tabuleiro do imperialismo
Brics, Bolsonaro, ONU Tarifas de Trump ampliam hostilidade prolongada dos EUA ao Brasil (2)
Brics, Bolsonaro, ONU: Tarifas de Trump ampliam hostilidade prolongada dos EUA ao Brasil
Herdeiros do apartheid os fatos e as fantasias sobre o “racismo branco” na África do Sul (2)
Herdeiros do apartheid: os fatos e as fantasias sobre o “racismo branco” na África do Sul