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Foto: Nothing Ahead / Unsplash

Além da Ucrânia: EUA aparelham ex-repúblicas soviéticas para criar cinturão anti-Rússia

O objetivo, já conhecido, é aniquilar a Rússia como potência continental, ainda que, para isso, seja necessário fragmentar o território russo em Estados menores, dóceis e fáceis de manejar
Andrés Piqueras
Observatório da Crise
Castelló de la Plana (Espanha)

Tradução:

Guilherme Ribeiro

Se há um campo em que os EUA e, em conjunto, o Eixo Anglo-Saxão, estejam à frente do Mundo Emergente liderado pela Chirrússia (China e Rússia), é em sua capacidade de devastar territórios, desestabilizar formações socioestatais e arrasar regiões inteiras. Sua faculdade de gerar Caos e Destruição é quase ilimitada.

Entre os objetivos do Eixo Anglo-Saxão sempre esteve a aniquilação da Rússia como potência continental por estar no centro e ocupar grande parte da massa continental da Ilha do Centro do Mundo (teoria de Halford John Mackinder), fulcro entre a Ásia e a Europa. Há pelo menos dois séculos, busca-se sua derrota e posterior fragmentação em vários Estados ou territórios relativamente pequenos, dóceis e fáceis de manejar (desde a divisão em três partes – Rússia europeia, Sibéria e Rússia oriental – proposta por seus principais geoestrategistas, até mais de oito partições territoriais sugeridas por outros). Invasões e cercos de boa parte dos países europeus – como a napoleônica francesa ou a invasão hitleriana fomentada pelos anglo-saxões – têm mostrado essa ambição ao longo deste tempo.

Com a queda da URSS – após décadas do assédio denominado “Guerra Fria” –, o bobo imperial Yeltsin permitiu a inspeção das instituições e do poderio militar por parte dos agentes de Washington, a tal ponto que é difícil saber até onde permanecem infiltrados atualmente, constituindo este um dos graves problemas da defesa russa diante do Império Ocidental e suas agressões.

Após a chegada de Putin, no entanto, as coisas mudariam e, desde então, os EUA, com seu fiel escudeiro inglês, têm se dedicado a criar um cinturão de pequenos Estados hostis à Rússia entre as ex-repúblicas soviéticas ou membros do espaço soviético, gerando, assim, em torno dessa potência, um assédio que até hoje não teve descanso. Podemos distingui-lo em dois níveis:

A) Internamente

  • Mediante a criação e/ou apoio a grupos identitários-etnonacionalistas-islâmicos em território russo, com fornecimento de armas e ações armadas que levaram à multiplicação de um terrorismo indiscriminado.
  • Aparelhamento midiático, de inteligência e patrocínio de “oposição” interna que nega a legitimidade dos processos eleitorais e, em geral, da institucionalidade russa.

B) Externamente

Fomento do descontentamento social, infiltração de agentes desestabilizadores, implantação de centros de inteligência, espionagem e agitação, golpes de Estado, insurreições, revoluções coloridas, agressão militar ou guerra aberta, são os mecanismos utilizados para causar caos no antigo espaço soviético. A seguir, apresento uma breve cronologia de fatos:

  • Guerras da Chechênia (1994-1996 e 1999-2009).
  • Destruição da Iugoslávia (1999). Expansão permanente da Otan em direção à Rússia.
  • Em 1999, os EUA conseguem que Azerbaijão, Geórgia e Uzbequistão abandonem a Comunidade de Estados Independentes que a Rússia havia estabelecido com uma boa parte das ex-repúblicas soviéticas (além das mencionadas, Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão). As restantes integrariam com a Rússia em 2002 a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC).
  • Tentativa de golpe de Estado – “revolução laranja” – na Ucrânia (novembro de 2004-janeiro de 2005).
  • Conversão do Kosovo em um protetorado “independente” (na realidade, uma base militar e centro estratégico dos EUA, em 2008).
  • Desdobramento de mísseis na Polônia e na República Tcheca (com diversos momentos e negociações a partir de 2008).
  • Golpe de Estado na Ucrânia (“Maidán”, em 2014). Ameaça direta de implantação da Otan na mesma fronteira com a Rússia. Agressão direta da Ucrânia contra o Donbass com massacre de sua população.
  • Guerras entre Azerbaijão e Armênia (2016, 2020 e 2023). Penetração militar estadunidense na Armênia e turca no Azerbaijão. Os EUA pressionam atualmente a Armênia para que abandone a OTSC e, em geral, suas relações de cooperação com a Rússia.
  • Tentativa de um Maidán na Bielorrússia (2020). Hoje, pretende-se gerar uma nova revolta contra o resultado esmagador das eleições em favor de Lukashenko. Portanto, com poucas possibilidades, mas não por isso se desiste do empenho.
  • Tentativa de golpe de Estado no Cazaquistão (2022).
  • Golpes de mão e guerras na Geórgia (Geórgia contra a Ossétia do Sul, de 1988 a 1992; contra a Abkházia, de 1992 a 1993; contra a Ossétia do Sul com intervenção final da Rússia, em 2008). Não reconhecimento das últimas eleições na Geórgia e tentativa de criar uma nova “revolução colorida” porque a presidência estabeleceu novas relações de entendimento com a Rússia (de 2024 até o momento).
  • Na Moldávia (2024), falsificação das eleições presidenciais e do referendo sobre inclusão na UE. Sucessiva pressão político-militar, a partir do país, sobre a Transnístria, aliada de Moscou e independente da Moldávia.
  • Não reconhecimento das eleições na Romênia, e possível ação para impedir que o vencedor das mesmas, Călin Georgescu, se candidate em uma nova disputa. Georgescu se recusa a apoiar a agressão contra a Rússia (2024).
  • Tentativa em curso de “revolução colorida” na Eslováquia contra Robert Fico (a quem já se tentou assassinar), por suas posições contrárias à agressão à Rússia.
  • Tentativa em curso de desestabilização do presidente eleito Milanovic, na Croácia, por sua postura contrária ao apoio militar à Ucrânia.
  • Ameaças, por enquanto veladas, de desestabilização do presidente húngaro, Viktor Orbán, pelas mesmas razões.
  • Tentativa em curso de “revolução colorida” na Sérvia (por fortes vínculos históricos com a Rússia), onde seu primeiro-ministro acaba de renunciar.

Política permanente de agressão

Além disso, de forma mais difusa, os EUA-Eixo Anglo-Saxão e a Otan mantêm uma política permanente de agressão contra a Rússia por meio de procedimentos menos visíveis:

  • Há um centro da CIA (o American Center) no Turcomenistão, que difunde propaganda estadunidense e fomenta a russofobia.
  • A USAID (Agência para o Desenvolvimento Internacional – da CIA) realiza um ativo trabalho de intoxicação e cooptação no Cazaquistão e no Uzbequistão. Neste último país, conseguiu tornar ilegal o Partido Comunista e está realizando uma descomunal privatização de todos os setores da economia, bem como das infraestruturas. Também no Uzbequistão, considera-se traição a defesa da União Soviética. No Cazaquistão, defender a reunificação da União Soviética acarreta penas de prisão.
  • Em geral, tem-se conseguido uma vasta e profunda reescrita da Memória Histórica na maioria das ex-repúblicas soviéticas, especialmente nas bálticas, onde se destroem monumentos soviéticos, incluindo os dos combatentes libertadores da invasão nazista, e se ensina nos livros escolares que os russos eram os invasores, ao mesmo tempo em que se glorificam personagens nazistas.
  • A russofobia faz parte dos principais dispositivos de agressão contra a Rússia em todo o antigo espaço soviético.
  • Essa reescrita da História passa por não convidar a Rússia para a comemoração da libertação de Auschwitz, sendo o Exército Vermelho quem libertou o campo de concentração. Enquanto isso, são convidados nazistas ucranianos, enquanto o governo espanhol, em um ato de hipocrisia e desfaçatez, leva a monarquia, quando lá foram massacrados milhares de republicanos que lutaram contra ela.

Até agora, apenas a excepcional paciência estratégica russa impediu um confronto (provavelmente nuclear) direto com a Otan-EUA. Mas a questão é até quando poderá continuar suportando as agressões sem fim, com mortes de civis em seu próprio território. Há vozes dentro da liderança russa que já exigem um golpe na mesa, como o portal Le Grande Soir evidencia. 

“Salvem as crianças ucranianas!”: o novo mote da propaganda ocidental anti-Rússia

Por sua vez, conforme os EUA vão perdendo terreno tanto em avanços tecnológicos militares (a demonstração russa com o Oreshnik foi mais que contundente) quanto ainda mais em termos econômicos (acabamos de ver o que aconteceu graças ao DeepSeek chinês), pode-se ver o Estado estadunidense cada vez mais tentado a recorrer ao confronto direto, nuclear, para não se deixar ser superado.

No entanto, na medida em que conserve sua capacidade de devastar países ou provocar mudanças de regime nos mesmos, e tendo ainda “o controle da narrativa” graças a todo seu aparato midiático-propagandístico mundial, é provável que tente continuar jogando a carta do Caos contra o Eixo da Estabilidade ou de desenvolvimento de um novo mundo.

Chirrússia

A China começará em breve a ver como essa carta se intensifica em seu território e em suas periferias.

Os meios de difusão hegemônicos estão prontos para difundir qualquer tergiversação ou invenção direta da História, à maneira de Hollywood, que a Casa Branca lhes ditar realizar contra o Mundo Emergente. Isso pode ser verificado por qualquer pessoa ao se conectar com qualquer um desses meios, logo ao abrir os olhos pela manhã, até fechá-los à noite.

Táticas da Otan e queda da URSS fortaleceram ressurgimento e glorificação do nazismo

Mas, por enquanto, a luta por causar o caos total no mundo (e não podemos esquecer aqui a Síria, o Líbano, a Palestina, o Sudão ou a República Democrática do Congo, entre suas ações mais recentes) encontra a resistência (nem sempre fácil de detectar, nem sempre com a contundência que muitos prefeririam, mas resistência persistente, de longo percurso, no final das contas) da Chirrússia.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Andrés Piqueras Professor da Universidade Jaume I, em Castelló de la Plana, Espanha.

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