Ameaças de morte contra funcionários eleitorais, juízes e promotores, junto a complôs para tomar por assalto capitólios e outros edifícios governamentais, além de atos de intimidação como marchas neonazistas e de outros ultradireitistas, tornaram-se partes do processo político depois que, na última eleição, foi violado, pela primeira vez até então nos EUA, o sagrado princípio da transferência pacífica do poder.
Nas últimas semanas, registraram-se ameaças de bomba contra dois juízes – um em Nova York e outro em Washington – encarregados de casos contra o pré-candidato presidencial Donald Trump, assim como contra legislaturas, havendo evacuações de mais de uma dúzia de capitólios estaduais. Na semana passada, o procurador-geral dos Estados Unidos, Merrick Garland, qualificou essa série de ameaças a funcionários públicos como “profundamente preocupante”.
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Estes incidentes, entre outros, são parte de uma tendência crescente que inclui, segundo Garland, “ameaças de violência contra aqueles que administram eleições, asseguram viagens seguras, educam nossos filhos, reportam as notícias, representam suas bases e mantêm seguras nossas comunidades. Estas ameaças são inaceitáveis. Ameaçam o tecido de nossa democracia”.
O deterioro do debate e do processo político, cuja legitimidade foi questionada, acelerou-se desde a primeira campanha à presidência de Trump, culminando com o assalto violento ao Capitólio em janeiro de 2021, em uma tentativa de golpe de Estado para anular a eleição que Trump perdeu. A violência já faz parte da percepção popular da disputa por este país, inclusive se Trump ganhar, o qual deixou claro que usará o poder presidencial para perseguir e vingar-se de seus inimigos.
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Uma vez mais, Trump e seus aliados estão semeando dúvidas sobre a legitimidade do processo eleitoral, sobretudo argumentando que os casos judiciais contra ele são parte de um complô do governo pelas mãos da “esquerda radical” para interferir e até descarrilar a eleição e evitar seu eventual triunfo.
Kris, uma enfermeira aposentada, contou a um repórter da The Atlantic que foi a um comício de Trump e afirmou tranquilamente que a eleição de 2020 foi roubada de Trump. “Creio que atrás do cenário talvez estejam fazendo um pouco além do que sabemos”, comentou.
Quando o repórter lhe perguntou sobre o que ela estava se referindo, ela respondeu: “Em termos militares. Os militares supostamente são para o povo, contra os governos tiranos. Espero que ele esteja guiando os militares para que possam intervir e fazer o que necessitam fazer. Porque, por ora, eu diria que o governo é muito tirano”. Kris concluiu que se os democratas tentarem roubar a eleição novamente em 2024, os elementos militares pró-Trump poderiam ter que tomar o controle.
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Senado Federal
A esmagadora maioria dos atos e ameaças de violência política provém de agrupamentos e indivíduos direitistas e/ou fanáticos de Trump
Preocupação é geral
Em reuniões, fóruns e pesquisas, uma boa parte dos eleitores estadunidenses, com diversas simpatias políticas, expressam preocupação pela possibilidade de violência. Além disso, como foi o caso de um grupo de eleitores convocados na Pensilvânia, em um condado que será chave na eleição, expressaram dúvidas sobre se seus votos serão contados, a forma de reportar resultados e se esses resultados serão aceitos pelos perdedores.
“O pessimismo destes participantes encapsula um dos desafios mais urgentes na política estadunidense agora mesmo – a perda da confiança pública na própria democracia e na infraestrutura eleitoral que a apoia”, reporta o Politico. “Todos estão de acordo em uma coisa, que há uma boa possibilidade de haver violência na próxima eleição”, comentou o ex-deputado Charlie Dent ao resumir o sentir desses votantes.
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De fato, a pesquisa mais recente da Gallup, realizada no início de janeiro, registrou que apenas 28% dos adultos estadunidenses estão satisfeitos com a maneira como funciona a democracia em seu país – o nível mais baixo registrado desde que a pergunta foi feita pela primeira vez em 1984.
“Estou muito preocupada de que haverá uma tragédia. Acredito nas pessoas quando dizem que nos querem golpear ou matar. Não creio que sejam só ameaças”, comentou a juíza da Suprema Corte de Wisconsin, Jill Karofsky, ao Washington Post.
“Hoje, poderiam ser advertências. Amanhã poderia haver ataque a bomba ou com um rifle”, apontou Robert Pape, professor da Universidade de Chicago especializado em ameaças e segurança, em entrevista ao The Guardian.
A esmagadora maioria dos atos e ameaças de violência política provém de agrupamentos e indivíduos direitistas e/ou fanáticos de Trump. De fato, durante os últimos anos, as agências federais de segurança pública continuam qualificando os agrupamentos de “extremistas domésticos violentos” de direita como a maior ameaça doméstica contra a segurança nacional.
“O terrorismo doméstico golpeia a própria fundação da democracia e é uma ameaça direta aos direitos civis e liberdades garantidos a todo estadunidense”, declarou a Casa Branca há alguns meses ao atualizar a estratégia contra o terrorismo doméstico que foi apresentada há dois anos e meio. “Nos próximos meses, fatores que poderiam mobilizar indivíduos a cometer violências incluem suas percepções do ciclo da eleição geral de 2024 e decisões legislativas e judiciais que têm a ver com atos sócio-políticos”, alerta o Sistema Nacional de Aviso sobre Terrorismo do Departamento de Segurança Interna. Agrega que entre possíveis alvos dessa violência se incluem instituições religiosas, aquelas ligadas ao movimento LGBTQ, escolas, minorias raciais e étnicas, e instalações e oficiais do governo. Em suas avaliações destas ameaças de “extremistas domésticos violentos”, o governo federal identificou os supremacistas brancos como a ameaça principal.
David Brooks e Jim Cason | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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