Uma vez mais, no Correo del Alba, nos sentamos para dialogar com Atilio Borón, destacado cientista político, sociólogo e escritor argentino, reconhecido por sua reflexão crítica sobre a política latino-americana e o neoliberalismo.
Doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Harvard, é uma das vozes mais influentes na análise do imperialismo e das lutas sociais. E hoje, em tempos de incerteza, nos oferece uma perspectiva esclarecedora sobre os rumos da região. Confira.
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Cris González — A América Latina pode resistir às pressões de alinhamento impostas pelos Estados Unidos sem cair em novas dependências da China ou da Rússia?
Atilio Borón — Creio que haverá pressões muito fortes por parte dos Estados Unidos. Afirmei em várias ocasiões que sua política exterior, durante a administração Trump, especialmente para esta região, pode ser resumida em três palavras: “mantenham a China longe”. Essa consigna guia tanto os responsáveis pela área econômica, como o Secretário do Tesouro — que visitou recentemente a Argentina —, quanto o chefe do Comando Sul, o almirante Holsey, cujo objetivo é impedir que a China estabeleça relações sólidas com os países latino-americanos.
Essa situação já parece um fato consumado ou, pelo menos, extremamente difícil e custoso de reverter para os países da região. A China é o principal parceiro comercial de países como Brasil e Chile, e o segundo nas economias da Argentina e do México, o que revela uma relação muito forte. Além disso, a presença da Rússia está crescendo na região. Portanto, a resposta dos Estados Unidos será contundente e diversificada, incluindo ameaças e posturas extremas.
Já vimos exemplos dessas tensões, como quando Trump ameaçou o Panamá dizendo que recuperaria o canal com o argumento de que os EUA o construíram e querem de volta. No entanto, para além dessas ameaças verbais, pouco conseguiu concretizar. Por isso, é fundamental se preparar para uma investida forte, já que os Estados Unidos podem até perder outras regiões do mundo, mas não estão dispostos a perder a América Latina e o Caribe.
Quais são os riscos de seguir inseridos em um modelo extrativista-exportador dentro do reordenamento global? É possível pensar em uma estratégia econômica soberana e regionalizada?
O extrativismo é um tema complexo que não deve ser tratado de forma superficial. Por exemplo, países como a Índia – onde 824 mil crianças morrem anualmente por enfermidades gastrointestinais devido à falta de esgoto e saneamento – precisam desenvolver infraestruturas adequadas para reduzir a mortalidade infantil, o que implica explorar recursos minerais. Não se trata de rejeitar o extrativismo, mas de equilibrá-lo para atender às necessidades de saúde pública.
Na América Latina, muitas comunidades dependem dos recursos naturais, e uma postura anti-extrativista pode favorecer o imperialismo. Prefiro falar em “aproveitar” os recursos com cuidado em vez de “explorá-los”.
Isso não significa depender da China, da Rússia ou da Índia — ainda que existam assimetrias econômicas com esses países —, mas elas não são comparáveis ao imperialismo estadunidense. O verdadeiro risco é consolidar uma assimetria comercial, razão pela qual a América Latina deve negociar em conjunto para obter melhores condições.
Que papel poderiam desempenhar mecanismos como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA) ou o Mercado Comum do Sul (Mercosul) para construir uma voz própria em meio ao confronto entre potências?
O papel de organizações como a ALBA, a Celac, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) — se for possível reativá-la — e o Mercosul é fundamental para fortalecer a capacidade de negociação frente à Ásia e aos Estados Unidos.
Os Estados Unidos, historicamente, têm rejeitado os processos de integração latino-americana, desde a Doutrina Monroe de 1823. Sua política externa se baseia em dois eixos: manter a China fora da região e dividir a América Latina. Exemplos dessa estratégia incluem o voto contra a criação da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) — diferentemente do apoio dado a iniciativas semelhantes na África, Ásia e Europa — e as tentativas de enfraquecer instituições regionais como a Celac e a Unasul.
A América Latina está preparada financeira e tecnologicamente para enfrentar uma maior desdolarização global? Que alternativas monetárias viáveis poderiam ser adotadas?
A América Latina não está preparada para enfrentar uma maior desdolarização global. No entanto, se o Brics+ se consolidar e avançar em estratégias como a proposta das cinco moedas com “R” — Brasil (real), Rússia (rublo), Índia (rupia), China (renminbi) e África do Sul (rand) —, poderemos ver avanços. Além disso, a China está desenvolvendo um sistema alternativo ao Swift, o qual é controlado pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e permite a imposição de sanções globais, como ocorreu com o banco francês Paribas durante o governo Obama.
É preciso avançar com cautela no caminho da desdolarização. Na Ásia, já existem acordos de intercâmbio com moedas locais, e a América Latina poderia se incorporar gradualmente, embora precise estar preparada para uma possível contraofensiva dos Estados Unidos, já que a desdolarização vem reduzindo o peso do dólar na economia global.
Que oportunidades reais se abrem para a região com a emergência do bloco Brics+? É uma via para a autonomia ou um novo tipo de subordinação periférica?
O deslocamento do centro de gravidade da economia mundial tem um forte impacto na América Latina, o que era previsível. Esse fenômeno pode ser interpretado como parte de um processo mais amplo de desocidentalização, o que permite às economias mais importantes da região Ásia-Pacífico estabelecer relações com a América Latina diferentes daquelas que historicamente mantiveram com suas antigas potências coloniais. A América Latina nunca foi colonizada por países asiáticos, muito menos africanos, e sim por potências europeias. Posteriormente, o imperialismo também se enraizou no Ocidente, consolidando-se durante o século 20, como analisaram Lênin e Rosa Luxemburgo, entre outros.
O fato de o Ocidente perder o predomínio econômico que exerceu por cinco séculos pode ser benéfico para a América Latina, dependendo de como os governos reagirem, de sua capacidade estratégica e de sua habilidade de articulação em nível continental. Ainda que o centro de gravidade econômico se afaste geograficamente, o surgimento de um sistema multipolar abre possibilidades inéditas de desenvolvimento, crescimento e prosperidade para a região.
Como a América Latina pode se blindar frente às guerras econômicas, tecnológicas e financeiras que as grandes potências estão intensificando em escala planetária?
É fundamental acolher esse processo com entusiasmo e aproveitar as oportunidades que ele apresenta. No entanto, o êxito dependerá da sagacidade dos governos e da capacidade de articulação regional. Negociar com a China de maneira conjunta, como bloco de nações – idealmente por meio da Celac ou, ao menos, de alguns países coordenados –, é muito mais vantajoso do que fazê-lo de forma individual.
Acredito que o Brics+ tem um enorme futuro. Os cinco países originários – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – já possuem uma gravitação econômica mundial superior à do G7. E com a incorporação de outros cinco países, entre os quais estaria a Argentina, que acabou não aderindo por decisão de Javier Milei – governante a serviço dos grandes capitais, dos Estados Unidos e de Israel –, o bloco segue se consolidando. Devemos considerar que o Brics+ possui um banco que permite realizar investimentos significativos em infraestrutura sem passar pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) nem por suas condicionalidades, o que representa uma grande oportunidade.
Além disso, espero que a Venezuela se incorpore rapidamente aos Brics+, já que foi convidada. No entanto, o Itamaraty, contrariando a vontade de Lula, impôs um veto, o que é um escândalo. O Brasil vetou o ingresso da Venezuela nos Brics+, assim como havia feito anteriormente com sua entrada no Mercosul, o que revela uma das maiores fragilidades do governo Lula. O que ocorreu recentemente na Cúpula de Kazan demonstra que a diplomacia brasileira continua sendo uma espécie de agência do Departamento de Estado dos EUA, repetindo o mesmo erro.
É certo que a possibilidade de dependência sempre existe, mas isso vale para qualquer esquema. Não é uma fatalidade, e sim resultado de como os distintos governos atuam no tabuleiro da geopolítica e da economia mundial: se agirem com racionalidade, responsabilidade e apoio popular, podem realizar algo muito valioso.
A esquerda latino-americana está articulando um projeto econômico alternativo ao neoliberalismo que contemple a nova ordem multipolar ou continua ancorada em esquemas do século 20?
Na minha opinião – e sublinho que é apenas uma opinião –, estamos muito atrasados nessa tarefa. Contudo, para ser justo com as esquerdas da região, é preciso reconhecer que tampouco as esquerdas de outras partes do mundo se destacaram por sua capacidade de repensar uma nova ordem econômica e política internacional.
A experiência da China é peculiar e não sei até que ponto pode ser universalizada. Embora contenha elementos valiosos, não creio que, para superarmos a globalização neoliberal – que está se esvaziando –, devamos adotar o modelo chinês. Sou contra isso, porque nenhum processo histórico genuíno é cópia de outro; os processos históricos são únicos e reproduzi-los não garante bons resultados. A China pode servir de inspiração para algumas políticas, especialmente no que se refere ao investimento em infraestrutura tecnológica e científica, que foi chave em seu desenvolvimento. Na América Latina, por outro lado, isso foi feito de maneira muito limitada, e nenhum país – nem mesmo Cuba – está em condições de reproduzir o modelo chinês.
Em resumo, acredito que ainda estamos pensando em um pós-neoliberalismo sem contar com uma proposta clara que possa ser adotada pela maioria dos países. Em seu momento, o desenvolvimentismo latino-americano tentou aplicar uma fórmula comum com resultados variados, mas sempre dentro dos limites da ordem burguesa. Agora enfrentamos um contexto multipolar, com gigantes econômicos como China, Índia, Malásia e Indonésia, que alcançaram grandes avanços graças à forte presença do Estado no desenvolvimento. Na América Latina, até mesmo os setores de esquerda mencionam o papel do Estado com certa cautela, temendo ser acusados de “estatistas”.
O contexto atual está marcado pelo surgimento de novas ultradireitas que dificultam a visualização e o debate público de um modelo de desenvolvimento que não seja depredador do meio ambiente, que promova sociedades igualitárias e fortaleça a democracia. Não há um modelo único a seguir, mas sim fontes de inspiração. Devemos considerar as condições particulares da América Latina, onde qualquer tentativa de seguir caminhos alternativos pode enfrentar uma resposta agressiva dos Estados Unidos, como ocorreu com Cuba, que tem pagado o preço de 65 anos de bloqueio e agressões. Por isso, ao pensar em modelos alternativos, é fundamental levar em conta essa especificidade regional.
Concorda que atravessamos uma etapa de desglobalização a nível mundial? E por quê?
Isso é certo: a globalização está em crise. Mas não estou muito seguro do que está acontecendo, porque, por um lado, vemos que há um processo de interconexão e articulação internacional cada vez mais forte entre os países que participam da economia mundial. Por exemplo, para fazer um iPhone, são necessárias partes, processos, projetos ou patentes de 23 países. Isso é um dado fenomenal e está absolutamente comprovado. Podem procurar na internet e verão.
O que quer dizer isso quando dizemos que o mundo está se desglobalizando? Quer dizer que estamos voltando à era dos Estados-nação autárquicos e que já não há mais uma economia mundial? Pessoalmente, não vejo esse processo nem mesmo em seus primórdios, de forma alguma. Creio que estamos avançando para uma globalização de outro tipo, e por isso nunca gostei muito do termo “globalização” e sempre preferi usar o que propunha Samir Amin, que falava em “mundialização”.
Evidentemente, houve uma mundialização dos processos produtivos e dos conflitos sociais. Há uma crescente articulação entre as forças sociais que lutam para sair desta ordem caduca do capitalismo financeiro, do capitalismo parasitário, como dizia Lênin. De modo que acredito que o que estamos presenciando é, na verdade, o esgotamento de um modelo de mundialização capitalista baseado no predomínio absoluto dos Estados Unidos e do capital financeiro.
Quando se observa a expansão da Iniciativa Cinturão e Rota da China, que incorporou 149 países a esse esquema econômico, pensar em desglobalização é contraditório com esse fato, que demonstra que temos uma economia cada vez mais globalizada ou mundializada. Só que não é uma mundialização neoliberal, e sim uma mundialização alternativa e irreversível. A divisão internacional do trabalho — sobre a qual trabalhou tanto David Ricardo e que, claro, foi muito bem compreendida e criticada por Karl Marx — é uma realidade. O exemplo do iPhone pode ser reproduzido em uma infinidade de produtos.
Como vê a realidade da região em termos político-ideológicos? Quais seriam os perigos e as oportunidades nesta nova contingência mundial?
Creio que, na América Latina, há condições para pensar em uma alternativa capitalista, moderadamente pós-capitalista, considerando, por exemplo, a desmercantilização da saúde, da indústria farmacêutica, da seguridade social e da educação. Me parece importantíssimo que se avance nessa direção. Em alguns países isso já vem acontecendo (estou pensando no caso do México), com um grande programa de expansão educacional, a defesa do caráter público do sistema de seguridade social e o fim do roubo e da gigantesca fraude que representam as Administradoras de Fundos de Pensão, por exemplo, no Chile. Acredito que é possível avançar nesse caminho, mas sempre levando em conta a onipresença do imperialismo estadunidense, que fará o impossível para fomentar uma reação de direita e de extrema-direita.
A direita sempre foi assim: autoritária e elitista. Agora, quando os Estados Unidos se sentem ameaçados, há mais necessidade do que nunca de controlar esta parte do mundo, fomentando formações políticas de direita — e têm tido bastante êxito nisso. Por exemplo, no Chile há uma forte influência da direita, assim como na Argentina e no Brasil. Na Bolívia, também há candidatos de extrema-direita; e na Colômbia, no Peru e no Equador há uma forte presença da direita.
Termino dizendo que há sinais de mudança na região, que é um continente em disputa, a região mais importante para os Estados Unidos. No entanto, a incorporação do México, nos últimos anos, ao ciclo progressista com Andrés Manuel López Obrador (AMLO) e agora com Claudia Sheinbaum, Gustavo Petro na Colômbia, Xiomara Castro em Honduras e o retorno da Frente Ampla (FA) ao poder no Uruguai mostram avanços. No Brasil, Lula se mantém, apesar de uma coalizão direitista que faz parte de sua gestão governamental.
Apesar da voracidade do império estadunidense para acabar com nossas tentativas de independência, creio que a América Latina sairá airosa deste desafio. O novo contexto internacional — a era do multipolarismo, que chegou para ficar — nos oferece certa proteção. Garante que algumas ações escandalosas do passado, como a invasão da República Dominicana em 1965, não seriam permitidas no novo contexto internacional. Isso me dá um pouco do otimismo da vontade de que falava Gramsci, ainda que sempre moderado pelo pessimismo da razão.