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Bolívia implanta SUS e enfrenta resistência do setor privado de saúde

Entidades como o Colégio dos Médicos ameaçam realizar uma greve de 72h para pressionar governo
Elaine Tavares
IELA / UFSC

Tradução:

Enquanto no Brasil a proposta é a de privatizar a saúde, na Bolívia o ministro da Saúde, Rodolfo Rocabado, informou que o país já conta com 3.265 centros de saúde preparados para atender a população no que chama de primeira fase de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Da totalidade desses centros, 3.090 estão enquadrados como de primeiro nível, 56 de segundo nível e 35 de terceiro nível. E a partir de agora o trabalho será de fortalecimento das equipes e a aquisição de melhores equipamento para garantir atenção médica de qualidade. 

Conforme o ministro, a população deverá se inscrever nesse plano de saúde pública a partir do dia 2 de janeiro, nos centros de primeiro nível (atenção básica) mais próximo de suas residências, apenas apresentando uma fatura de água, de luz ou qualquer coisa que comprove a residência. Já nesse momento de inscrição, haverá uma consulta médica e a pessoas será avaliada para determinar se está com boa saúde ou já necessita de cuidados especializados. 

A implantação do SUS na Bolívia não acontece sem a resistência do setor privado e inclusive dos próprios médicos, que não querem perder seus clientes particulares para os serviços do estado. Justamente por isso o Colégio dos Médicos, que é a entidade máxima daqueles que praticam a medicina no país, está ameaçando realizar uma greve de 72h, visando pressionar o governo para não criar o plano público. O governo tem buscado sistematicamente conversar com o Colégio dos Médicos, inclusive convocando novas mesas de trabalho, mas as negociações não avançam. 

Entidades como o Colégio dos Médicos ameaçam realizar uma greve de 72h para pressionar governo

IELA / UFSC
Hospital em Oruro

Evo Morales está cumprindo uma antiga promessa que é a de garantir saúde de qualidade aos mais empobrecidos e a implantação do SUS deverá favorecer, de imediato, pelo menos 51% da população que sempre esteve refém do médico particular, sem acesso a um serviço público seguro. E é para garantir a implantação do sistema que a Confederação de Mulheres Camponesas Bartolina Sisa, que concentra a luta das mulheres no campo, já se colocou em estado de emergência assinalando que vai estar em luta também, no contraponto com os médicos. 

Da mesma forma, a Federação de Juntas Vecinales da cidae de El Alto, conhecida por sua capacidade de organização e de resistência, estará mobilizando toda a gente para garantir que o funcionamento desse benefício entre em vigor o mais rápido possível.  

O Sistema Único de Saúde foi construído a partir de inúmeros debates com as entidades e comunidades, nos nove departamentos (estados) e na região do Chaco, em Encontros pela Saúde e a Vida Digna, do qual participaram diretamente mais de 14 mil pessoas, e foi daí que saíram as linhas estratégicas do sistema que será universal e gratuito. “Temos que trabalhar normas para prevenir doenças… as mudanças são difíceis, mas é necessário buscarmos que a saúde pública seja melhor que a privada”, afirmou Evo Morales. 

Colquechaca: Lugares pequenos e distantes têm novos centros de saúde e contarão com atendimento de qualidade 

O SUS da Bolívia, que constitucionalmente é um estado plurinacional, além de proporcionar centros bem equipados, com pessoal de qualidade, garantirá também a incorporação da medicina tradicional e a interculturalidade como componentes chave do novo modelo de atenção, incorporando a ativa participação das organizações sociais. Não é sem razão o rechaço de muitos médicos que ainda vêem a medicina tradicional como “coisa de índio, sem valor”. Pois no SUS boliviano esse conhecimento terá valor. 

Como no Brasil, a quadro médico da Bolívia ainda é majoritariamente formado por pessoas com mais poder aquisitivo, visto que os cursos de medicina não são baratos. Mas, o governo espera que o Colégio dos Médicos vá se adaptando a essa nova realidade de uma saúde pública enquanto também investe na formação de novos médicos, já com a mentalidade num novo jeito de praticar a medicina, familiar e pública. 

Durante todos esses anos que culminaram com a construção desse sistema único de saúde, é importante registrar que a Bolívia contou com o apoio dos médicos cubanos que realizaram inúmeras missões em todo o território, principalmente nos espaços mais empobrecidos onde nenhum médico queria ir, trazendo o legado do cuidado e da proposta de uma medicina da família, pública e gratuita. É por esse caminho que o SUS agora pretende avançar. 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Elaine Tavares Jornalista. Humana, demasiado humana. Filha de Abya Yala, domadora de palavras, construtora de mundos, irmã do vento, da lua, do sol, das flores. Educadora, aprendiz, maga. Esperando o dia em que o condor e a águia voarão juntos,inaugurando o esperado pac

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