Pesquisar
Pesquisar

Peru: FMI, neoliberalismo e as fraquezas do governo de Martín Vizcarra Cornejo

Seu apego ao modelo neoliberal, e o afã de não ficar mal com o Grande Capital e suas expressões de gestão são os elos que enfraquecem seu governo
Gustavo Espinoza M.

Tradução:

Martín Vizcarra Cornejo apareceu “pouco a pouco” no cenário político nacional. Foi, primeiro, dirigente dos interesses do povo de Moquegua, e liderou uma luta transcendente em seu momento. 

Teve ação ativa contra o governo de Alejandro Toledo, no início do século XXI, quando cobrou força no sul do país a luta contra a poluição ambiental, contra os rejeitos minerais, e outras. A jornada vitoriosa de então o elevou aos olhos da maioria local; e isso lhe valeu para ser ungido presidente do governo regional na terra que viu nascer José Carlos Mariátegui, em 1894.

Leia também:
Diálogos do Sul lança campanha de assinaturas colaborativas no Catarse 

Sua gestão diante desse desafio não foi propriamente brilhante, mas alcançou certa notoriedade por seus êxitos na área educativa. Elevou a qualidade do ensino, teve um bom diálogo com professores e estudantes e reajustou os programas escolares de tal maneira que serviram bem à população. Tudo isso gerou o caudal que o levou à fórmula presidencial de PPK nas eleições de 2016. A queda deste, 17 meses mais tarde, o catapultou como Chefe de Estado, em um cenário certamente convulsionado.

Sua prática governativa parece contraditória. “Caiu bem” para a cidadania pelo manejo de certos temas relevantes, como a luta contra a corrupção; e isso gerou um elevado registro de aceitação popular. Em seu melhor momento as pesquisas assinalaram 65% de aceitação; mas hoje esse nível começa a cair. 

Seu apego ao modelo neoliberal, e o afã de não ficar mal com o Grande Capital e suas expressões de gestão são os elos que enfraquecem seu governo

Encuentro
O presidente do Peru Martín Vizcarra Cornejo

Por que o presidente Vizcarra começa a cair na estima cidadã? Seus inimigos gritaram muitos agravos orientados denegrir sua imagem, e se valeram de ações reais, ou inventadas, para desqualificar o Mandatário. Mas não foi isso o que incidiu de maneira principal em sua caída. As pessoas sabem que quem o enche de impropérios sem fundamento, simplesmente são seus inimigos; e eles assumem posturas interessadas porque o que lhes importa é vê-lo cair, e da pior maneira. 

Mas também assomaram resistências a partir de pessoas sensatas. Três, se poderia dizer, incidem na perda da estima do público por parte do Mandatário. A primeira tem a ver com suas incongruências diante de determinados propósitos, e seus silêncios; MVC não tem sabido responder claramente, nem dirimir dúvidas, em torno a suas ações administrativas no poder regional e nacional. Certos contratos, concessões, licitações e acordos com empresas construtoras “sujaram sua biografia” – como se costuma dizer – sem que ele tenha sabido limpar-se a tempo. 

Seu apego ao “modelo” neoliberal, e o afã de não ficar mal com o Grande Capital e suas expressões de gestão, somaram pontos na matéria e constituem o segundo elo dessa corrente. A tendência o levou a conciliar excessivamente com o FMI e seus representantes no inferno peruano: o MEF e o BCR. Por estar de acordo com eles fez concessões indevidas e perdeu em imagem. Inclusive se inimizou com o que bem poderia ser sua base social mais ativa – os trabalhadores – ao ameaçá-los com um programa anti-trabalhista feito à imagem e semelhança dos “Chicago boys”.

Eliminar as férias, reduzir os benefícios sociais, encurtar os feriados e, em geral, “emagrecer” as planilhas em proveito dos empresários têm sido uma constante e isso lhe diminuiu não só autoridade, mas também imagem nos setores mais oprimidos da sociedade peruana. Para muitos, essa tendência nada mais fez senão estabelecer uma funesta continuidade, cuja referência não foi apenas o governo de Kuczynski, mas todos os anteriores, desde Fujimori até nossos dias. “Mais do mesmo”, em simples palavras. As denúncias de Manuel Dammert em torno a “entregas” indevidas, abonam essa aresta de resistência. 

Mas o tema da Venezuela também o golpeou. E isso ocorreu em dois níveis. Por um lado, quando outorgou “facilidades” desnecessárias aos migrantes para “se instalarem” no Peru. Concedeu-lhes benefícios que sua própria administração, e outras, têm negado sistematicamente aos peruanos. Como piada, costuma-se dizer em ambientes populares: “se você quer ter o Estado ao seu lado, terá que se naturalizar venezuelano, porque como peruano nada terá”. Una frase que, no fundo, é verdade.

O segundo tem estado vinculado à Chancelaria peruana, ao “manejo de Torre Tagle” que, objetivamente, é questionado, inclusive por pessoas que não estão de acordo com o processo bolivariano hoje em perigo. Pessoas que não compartilham a submissão de nossa diplomacia ante as demandas do Império. Isso de “marchar atrás” dos ianques tem gosto ruim até para funcionários do entorno governamental.

A torpeza do “Grupo de Lima” e o ostentoso fracasso de suas propostas; a pressa em “reconhecer” Guaidó como “presidente, o extremo servilismo de Popolizio que repete os argumentos da Casa Branca como se fossem verdades; tudo isso parece altamente questionável. Uma mudança na pasta que enobrecesse a Porras, lhe permitiria fazer um balanço do absoluto fracasso desse rumo. E o levaria a reconhecer o ridículo em que caiu o nosso país. 

Repetir a história dos “falcões” e aferrar-se às “notícias fabricadas” pelo pentágono e pela CIA, levou ao ridículo nosso país no âmbito mundial. 

Martín Vizcarra faria bem em admiti-lo. Isso lhe permitiria superar suas fraquezas. 

 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

LEIA tAMBÉM

Mercado de Sucre, na Bolívia
Por que alimentos no Brasil estão caros e na Bolívia, baratos? Segredo está no pequeno produtor
Javier_Milei_and_Santiago_Abascal_(cropped)
Superávit de Milei é ilusionismo contábil: a verdade sobre a economia Argentina
Laura Richardson - Peru
Rio Amazonas em risco: o que se sabe sobre laboratórios biológicos dos EUA no Peru
José Carlos Mariátegui
94 anos sem Mariátegui, fonte eterna para entender as cicatrizes do Peru e da América Latina