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López Obrador determina abertura de arquivos secretos da espionagem mexicana

AMLO está incluído nesses registros secretos, que o assinalam como simpatizante do Partido Comunista. Também foram espionados o Che, Gabo e Maria Félix.
Gustavo Veiga
Página 12
Buenos Aires

Tradução:

O que têm em comum personagens tão diferentes como o Che Guevara, a Rainha Isabel II da Inglaterra, Gabriel Garcia Márquez e Maria Félix? Os quatro foram espionados em diferentes épocas pelo aparelho de inteligência mexicano. Um recente decreto assinado pelo presidente Andrés Manuel López Obrador abriu uma caixa de Pandora que abarca quase 90 anos de história.

É o decreto que permite desclassificar documentos sobre a espionagem a que foram submetidos políticos, artistas, escritores, jornalistas, personalidades estrangeiras e todo tipo de opositores. O próprio mandatário está incluído nesses registros que se encontram no Palácio de Lecumberri, no Distrito Federal. Uma antiga prisão que funcionou entre 1900 e 1976 e pela qual passaram desde Pancho Villa a Ramón Mercader, o assassino de León Trotsky.

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Aí está localizado hoje o Arquivo Geral da Nação, depositário dos expedientes acumulados pelo Centro de Investigações e Segurança Nacional (Cisen), um organismo que sucedeu através do tempo a outros como a temida Direção Federal de Segurança (DFS) que cometeu múltiplas violações aos direitos humanos entre 1947 e 1985. 

“Não vai ficar nenhum arquivo secreto, é a decisão”, disse López Obrador quando anunciou a divulgação dos papéis de inteligência. Como AMLO, figuram nos registros vários ex-presidentes mexicanos: Lázaro Cárdenas, Miguel Alemán Valdés, Gustavo Díaz Ordaz, Luis Echeverría, José López Portillo, Miguel de la Madrid, Carlos Salinas de Gortari e Vicente Fox.

O dossiê sobre o atual mandatário é um dos mais abundantes. Começa com um comentário sobre suas antigas simpatias políticas, que ele refutou. Descreve-o como “simpatizante do PSUM-PCM (Partido Socialista Unificado do México-Partido Comunista do México) e que em 1976 ingressou ao PRI”. López Obrador declarou: “Não fui militante do partido comunista PSUM-PCM, mas apoiava lutadores sociais”. 

Em um dos tantos informes de inteligência dedicados ao presidente – umas quinze folhas – se mencionava em 25 de julho de 1983: “Dizem que trata de fazer mais progressista ao PRI”. Os serviços o seguiam enquanto dava aulas na Universidade Juárez Autónoma de Tabasco (UJAT). O que aparece copiado e colado de dados sobre AMLO – o acrônimo pelo qual é conhecido o mandatário – é tão detalhado como o que os serviços mexicanos dedicaram a Salinas de Gortari, seu histórico adversário político. Já o vigiavam entre 1956 e 1985 quando estudava Economia na Universidade Autônoma do México (Unam). Sua presidência se deu entre 1988 e 1994. Terminou envolvido em uma sucessão de escândalos. Desde acusações de fraude a vínculos com o narcotráfico.

“Foi uma etapa negra na vida pública do país. Isso tem que ser conhecido e nunca mais espionar ou perseguir ninguém”, declarou o presidente, que recebeu mais elogios pela desclassificação de documentos do que pela anistia que anunciou a presos políticos logo que assumiu o cargo. Dezesseis deles foram libertados no início de janeiro. Desde o governo se explicou que alguns eram ambientalistas e outros militantes contra a reforma educativa de Enrique Peña Nieto. Há quase trezentos e cinquenta que esperam pela revisão de seus casos. 

AMLO está incluído nesses registros secretos, que o assinalam como simpatizante do Partido Comunista. Também foram espionados o Che, Gabo e Maria Félix.

Página 12
“Não fui militante do partido comunista PSUM-PCM, mas apoiava lutadores sociais”, disse López Obrador.

No dia em que López Obrador apresentou a abertura dos documentos de inteligência estava acompanhado por Carlos Ruiz Abreu, diretor do Arquivo Geral da Nação e doutor em história. O funcionário explicou: “Digamos que temos 90 anos de informação, mas este arquivo, em sua maior parte, está organizado por policiais, ou seja, por gente que não tem formação em arquivística. De fato, muitas vezes, eles mesmos não sabiam o que havia nessa documentação”. Na avalanche de escritos que estarão disponíveis para consulta figuram 28 que a DFS dedicou à rainha da Inglaterra entre 1975 e 1983. Esses papéis convivem com os que provam como foram seguidos os passos de Fidel Castro e Ernesto Che Guevara em seu exílio mexicano durante os anos 1950. Estavam por embarcar para Cuba no Granma. Depois entraram vitoriosos em Havana e fizeram a revolução. As tarefas da inteligência também incluíram García Márquez e o mexicano Octavio Paz, prêmios Nobel de Literatura. A este último o seguiram durante mais de trinta anos, entre 1954 e 1985. Outros intelectuais, escritores e jornalistas como Carlos Fuentes, Elena Poniatowska – prêmio Cervantes 2013 – e Carlos Monsiváis surgem entre as vítimas das perseguições do aparelho repressivo do Estado. 

A atriz Maria Félix, uma das figuras mais célebres da chamada Época de Ouro do cinema mexicano e vários de seus colegas estão nos arquivos sobre o mundo do espetáculo. É tão variada a quantidade de expedientes desclassificados que aparecem desde sindicalistas a narcotraficantes, religiosos e jornalistas esportivos.  Há um funcionário do partido de López Obrador, Morena, que tem o recorde de espionagem contra ele. Trata-se do presidente da Câmara de Deputados, Porfirio Muñoz Ledo. Tem 85 anos e foi espionado entre 1949 e 1985. Seu arquivo tem 426 folhas. Outra das figuras políticas mais próximas a AMLO, sua coordenadora de campanha Tatiana Clouthier, assegura que a vigiaram desde que tinha 19 anos com a finalidade de pressionar seu pai Manuel Clouthier, ex-candidato presidencial falecido em um acidente de trânsito em 1989.

 A história de tantos mexicanos que ficará exposta pela desclassificação de expedientes de inteligência que foi assinada por López Obrador, é a de um país que segundo o Registro Nacional de Dados de Pessoas Extraviadas ou Desaparecidas (Rnped) tinha 37.435 cidadãos nessa condição em abril de 2018. O aparelho repressivo do Estado, segundo a intelectual Pilar Calveiro, exilada no México durante a última ditadura argentina expressa “uma espécie de sinal de alarme sobre as novas formas de desaparecimento forçado como o tráfico de pessoas”.  

  O acervo documental que será aberto a consulta pública por decisão do governo de López Obrador é tão grande que pode ser dividido em duas etapas: desde a Revolução Mexicana em 1910 até 1985, e desde esse ano até a atualidade. Seu valor histórico talvez ofereça a possibilidade de conhecer com mais detalhes as tragédias que marcaram a vida do país e que podem ser sintetizadas no título de um recente livro: De Tlatelolco a Ayotzinapa, as violências do Estado, um ensaio do professor, pesquisador e ensaísta Sergio Aguayo, que criticou a “contradição” de AMLO de abrir os arquivos com o anúncio da ampla anistia que colocou em marcha.

Tradução: Beatriz Cannabrava 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gustavo Veiga

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