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Juan Guaidó, o presidente autoproclamado é o Cordero y Velarde venezuelano

Fora de seu país há quem o “leve a sério”. Como Jair Bolsonaro, Maurício Macri e Donald Trump
Gustavo Espinoza M.
Lima

Tradução:

Nos anos quarenta do século passado apareceu em Lima um estranho personagem. Ele era dos Andes e se proclamou Presidente da República. Mas isso não foi suficiente para ele. Também se denominou “Apu Capac Inca, Imperador do Peru e Condutor do Mundo; Soldado de Terra, Mar, Ar e Profundidade. Rei de Financistas e Mago do Estado por Vontade Divina”.

Embora tenha havido quem investigasse o caso, nunca se pode realmente desentranhar o mistério que envolveu dom Pedro Cordero y Velarde que passeava galhardamente pelas ruas centrais da capital, elegantemente vestido com jaqueta, sapatos de verniz, e uma faixa presidencial cruzada no peito. A versão mais conhecida é a de Federico More e seu periódico “El hombre de la calle”, que o descreve como um alienado, que perdeu a razão quando algumas pessoas de seu entorno o convenceram de que havia nascido para Presidente e o proclamaram como tal. Ali nasceu seu deboche que o converteu em motivo de riso para muita gente.

Dom Pedro -como também era conhecido – foi um tipo de personagem da picardia mestiça. Os diários se ocupavam dele e faziam chacota. Aparecia como “convidado” em alguns eventos e pronunciava discursos nos quais assumia o compromisso formal de reduzir os preços de todas as subsistências, tão logo fosse reconhecido o título que ele se havia adjudicado: Presidente do Peru com todos os aditamentos do caso. 

Em Caracas parece haver nascido uma espécie de êmulo dele, só que- talvez pelo calor que ali impera – o personagem se veste mais informalmente. Mas da mesma forma lhe encanta que o chamem de “Presidente” e se autoproclama mandatário do Estado Venezuelano. Mas este Cordero y Velarde venezuelano, tem muita sorte. Fora de seu país há quem o “leve a sério”. Como Trump.

Juan Guaidó se chama, embora há quem prefira falar dele chamando-o em inglês: John White dog, dizem para que seja mais sonoro. Proclamou-se Presidente e colocou uma “faixa presidencial” para ostentá-la. Por causa da pressa não nomeou seus “ministros”, de modo que “governa sozinho”. Tampouco acata a lei que diz que em seu país não há Presidentes “interinos”, e que seu mandato “provisório” só poderia durar 30 dias, antes de convocar eleições.

Definido isso, o homem buscou fazer das suas sem importar-lhe a Constituição do Estado, os tribunais de justiça, nem os órgãos de controle. Era o Presidente por “ar, mar, terra e profundidade”, e tinha todo o direito do mundo de obrar impunemente. Por isso amanheceu um belo dia na Colômbia sem registrar sua saída em qualquer posto fronteiriço; e pretendia voltar à Venezuela em cima de um caminhão. Como não pode fazê-lo, o incendiou. E culpou do fogo o Palácio Miraflores, que ele sonha ocupar alguma vez. 

Fora de seu país há quem o “leve a sério”. Como Jair Bolsonaro, Maurício Macri e Donald Trump

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O que pode fazer, entretanto, este Cordero y Velarde venezuelano?

Algumas vezes em aviões da Força Aérea da Colômbia, e outras em naves da Força Aérea dos Estados Unidos, visitou alguns países. Foi ao Brasil para ver Bolsonaro e assegurar seu apoio; mas suspendeu sua visita ao Peru; talvez para dizer a Martín Vizcarra que não esquecerá jamais de ele mudara de opinião em Bogotá e não apoiará Duque, Pence e Piñera na opção bélica, tão desejada, de trasladar a guerra do Oriente Médio para o solo americano. 

Finalmente, retornou a Caracas, livre como um pássaro. Não “entrou pela fronteira”, mas pelo aeroporto como um passageiro comum.  Ninguém lhe estendeu tapete vermelho nem lhe rendeu honrarias. Só se encontrou com um funcionário de imigração que lhe carimbou o passaporte como faz a todos os demais. E ele, que se havia feito a ilusão de que o capturassem para “mover o mundo”, ficou sem chão!

Foram buscá-lo seus “partidários”, umas quantas centenas de estudantes, ativistas das Universidades Privadas, que costumam participar das “guarimbas” que ele estimula. E diante deles, entusiasmado, disse que o governo “tinha medo dele”. Depois assegurou que se “reuniria com líderes sindicais” e que depois, tornaria a viajar “para a Europa”, disse, “em busca de mais apoio”. Haverá “líderes sindicais” dispostos a se reunir com ele? Claro que sim. Aqui também há “líderes sindicais” – os da CTP, com Elías Grijalva- dispostos a juntar-se com Alan García, e até com Keiko Fujimori, como Ramos Dolmos. E em Caracas, há “pelegos” para todos os gostos.

O que pode fazer, entretanto, este Cordero y Velarde venezuelano? Só falar, somar palavras, discursos e promessas. Mas aí acabará seu jogo. Não poderá fazer nenhum “ato de governo” por uma razão muito simples: não governa.

Recentemente o Chanceler espanhol teve que admitir isso. Perguntado se havendo reconhecido a Guaidó como “Presidente interino da Venezuela” faria algum acordo com ele, teve que admitir que não; que, para qualquer acordo havia que negociar com Maduro porque é – disse – “o Presidente de fato”. Em outras palavras, o Presidente real. Se algum ingênuo crê que Guaidó é o Presidente da Venezuela, poderia tirar a dúvida pedindo que nomeie seu embaixador ante a OEA, para que Almagro “o receba”. Nem Guaidó poderá fazê-lo, nem Almagro poderá recebê-lo. Ao Secretário Geral da OEA não resta outro caminho senão escutar a Samuel Moncada, o Vice-Chanceler de Maduro, que lhe diz quatro frases muito bem sustentadas, e que intervém na Assembleia da OEA como representante do governo da Venezuela. E nas Nações Unidas é a mesma coisa. Quem reconhece, então esse Cordero y Velarde venezuelano? 

Poderia o governo da Venezuela encarregar a Guaidó que seja regente de uma ilha, como encomendaram a Sancho – a Insula Barataria- para que vá aprendendo as funções de Estado. Até o nome, poderia soar-lhe familiar. Depois de tudo, ele também recebeu recursos de Barata, procedentes da Odebrecht. Se isso ocorresse, ele poderia agradecer como Sancho: “Deus me entende. E poderá ser que se o governo me dura quatro dias, eu removerei esses dons, que pela multidão devem enfadar como os mosquitos”.

Como na Venezuela não existe uma Ilha Barataria, poderia fazer-se a prova em outra, a ilha Margarita, por exemplo. Embora alguém pudesse dizer – não sem razão – muito barco pra tão pouco marinheiro. Enfim, coisas vereis, Sancho…!

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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