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A Chancelaria peruana e a Venezuela: De fracasso em fracasso

O governo peruano cometeu um desatino: reconheceu um “Presidente” que não tem governo; e desconheceu o Mandatário que governa a Venezuela.
Gustavo Espinoza M.
Lima

Tradução:

De fracasso em fracasso, como diz a canção, parece ir a Chancelaria peruana em sua atitude ante o processo bolivariano da Venezuela. Como não entende nada do tema, limitou-se a acatar ordens mais hepáticas do que políticas de Washington, e que não tiveram outro resultado senão levar Torre Tagle e seus similares, a um ridículo descomunal. Como consolo, ao ministro Popolizio lhe poderia ir bem a frase de Churchill quando não teve êxito na jornada eleitoral de 1945: “O êxito, é a capacidade de ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo”. E claro, o fleumático ministro tinha razões para o entusiasmo: tinha terminado exitosamente a Guerra, e seus inimigos hitlerianos haviam sido vencidos. Mas os ingleses derrotaram os Conservadores e o velho leão teve que se retirar aos seus quartéis de inverno sem perder nem o humor, nem o entusiasmo. É claro que nosso titular de Relações Exteriores está situado a milhões de léguas de Churchill e não tem base alguma para nenhum entusiasmo. Mas como ambos têm em comum a diplomacia e as derrotas, a lembrança é bem-vinda.  

O trio letal da política anti-venezuelana em nosso continente – Donald Trump, Iván Duque e Juan Guaidó- asseguraram ao mundo que o governo de Nicolás Maduro não passava de 23 de fevereiro. Que nesse dia as “hostes libertadoras” entrariam triunfalmente em Caracas e ocupariam o Palácio de Miraflores para “restaurar a democracia” na Pátria de Bolívar. Já tinham tudo pronto, desde a lista dos ministros sipaios até os decretos transferindo o petróleo para as empresas ianques, e acabando com todos os “programas sociais do chavismo”. O mesmo que pretenderam fazer em abril de 2002, quando do Golpe de Carmona.

Nesse plano sem dúvida sinistro, esse trio conseguiu embarcar vários governos, fazendo uso do “grupo de Lima”, monitorado precisamente pelo senhor Popolizio, e pela chancelaria peruana. Por isso, buscaram impor que, a uma só voz, todos os governos da região “desconhecessem” o Mandato Constitucional do Presidente da Venezuela e tiveram a ousadia de “reconhecer” o autoproclamado Guaidó, como mandatário “interino”. Essa “ordem” fracassou em todos os planos, só o Paraguai – na América do Sul – rompeu com a Venezuela e todos os demais – inclusive o Peru – não tiveram outra alternativa senão escutar a clara voz de Caracas – a cargo de Samuel Moncada- na Assembleia da OEA – porque não houve ali votos para “expulsar Maduro”.

O governo peruano cometeu ali um primeiro desatino: reconheceu um “Presidente” que não tem governo; e desconheceu o Mandatário que governa a Venezuela. E, como se fosse pouco, depois “reconheceu” o enviado de Guaidó como “embaixador” nomeado por nenhum Estado

O segundo fracasso monumental aconteceu no próprio 23 de fevereiro, quando os veículos especialmente preparados para “entrar” em território venezuelano, não puderam cumprir tal propósito porque as fronteiras do país foram defendidas como corresponde. Os mesmos que gritavam seus protestos porque a Guarda Nacional Bolivariana impediu o ingresso dos agressores, calam quando Trump impede mediante a força – com muralha inclusa – o acesso dos migrantes procedentes da América Central ao território estadunidense. Isso lhes parece muito bem. O que teriam dito se Maduro tivesse construído um muro para dividir a fronteira com a Colômbia, como acontece no sul da Ianquilândia? 

Já foi possível estabelecer que os caminhões que “levavam ajuda humanitária” não tinham como carga nem víveres nem remédios, mas sim armas de fabricação caseira, fios e utensílios para ser usados nos combates de rua pelas guarimbas venezuelanas. Mas Popolizio e os Chanceleres disseram que sim, que eram alimentos e remédios. Enganaram-se totalmente – não sabiam – ou mentiram sabendo, porque tinham informação sobre o tema. De qualquer maneira, fizeram um papel ridículo. 

O terceiro fracasso se produziu na reunião de Bogotá, celebrada pelo “Grupo de Lima”. Aí já não puderam justificar o injustificável e tiveram que dar marcha a ré. Advogaram, então, por uma “saída pacífica”, eles que 24 horas antes tinham batido os tambores de guerra. Nesse caso, a imposição esteve a cargo dos militares brasileiros – os verdadeiros donos do “poder” de Bolsonaro – que são anticomunistas, contra os operários, mas também são anti-ianques. Deixaram Mike Pence agarradinho à brocha… e tiraram a escada!

Mas o quarto, mais que um fracasso, foi um papelão.  O New York Times, depois de uma detalhada pesquisa e comparando provas documentais e testemunhos, pode reconstruir o que aconteceu em 23 de fevereiro com o caminhão incendiado, e chegou a três conclusões não objetáveis: a) O fato aconteceu no lado colombiano da fronteira, de modo que a Guarda Bolivariana não teve nem arte nem parte no acontecimento; b) O caminhão foi incendiado por um manifestante antichavista que atirou explosivos ao veículo para fazer com que ardesse e com isso provocar um conflito maior e c) o caminhão não levava víveres nem remédios, ou seja, não era “ajuda humanitária”, mas sim o que levava ao território bolivariano eram implementos para fazer armas. 

Depois disto, não correspondia ao “Grupo de Lima” retratar-se e pedir desculpas? E não correspondia também que os Chanceleres que afirmaram oficialmente e em nome de seus países que Nicolás Maduro havia ordenado o incêndio desse caminhão com ajuda humanitária, fossem embora pra casa, por mentirosos? Quem poderia ir para casa era o Ministro Popolízio, depois de tamanhas loucuras. A crise do Gabinete Villanueva devia deixá-lo fora do governo até por razões de higiene política. Mas não. Ele ficou. Por que? Pelas pressões da embaixada ianque, ou pela debilidade de Vizcarra, que não se atreve a trocá-lo. Prescindir de Popolizio poderia implicar uma mudança na política exterior. Não se poderia esperar que um “novo rumo” na matéria derivasse numa ação de signo contrário. Mas sim que Torre Tagle recuperasse sua dignidade e recordasse, pelo menos, que o Peru é um país independente e soberano e não a Mesa de Parte da Casa Branca. 

Os apagões ocorridos em 70% do território venezuelano, que afetaram o controle automatizado de regulação de sistemas na Central Hidrelétrica Simón Bolívar – uma agressão cibernética que sabotou três geradores – não foi um ataque qualquer. Tratou-se de um crime de lesa humanidade e ante o qual os governos estão obrigados a se pronunciar. Popolizio, entretanto, ficará calado enquanto Washington não falar?

(*) Colaborador de Diálogos do Sul, desde Lima – Peru.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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