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Como e por que Nicolás Maduro se sustenta e não dá sinais de cair a curto prazo

Hoje é difícil classificar o processo venezuelano como uma revolução. E nem em delírio alguém poderia apontá-lo como opulento
Gilberto Maringoni
DCM
Caracas

Tradução:

As perguntas centrais a serem feitas, após uma estada de sete dias em Caracas, são: 1. Como o governo Maduro para em pé e 2. Como a população resiste a tamanhas privações em sua vida cotidiana?

Trata-se de situação diametralmente oposta ao período 2004-2013, quando o chavismo vivia seu esplendor. Eram anos de preço do petróleo nas alturas e expansão do emprego, do salário e dos serviços públicos. Não por acaso, o chavismo obteve mais de duas dezenas de vitórias eleitorais em pouco mais de década e meia.

Hoje é difícil classificar o processo venezuelano como uma revolução. E nem em delírio alguém poderia apontá-lo como opulento

Diário do Centro do Mundo
Um edifício do Gran Misión Vivendas, versão local do Minha Casa Minha Vida

Revolução

Em agosto de 2002, nos primeiros anos de Hugo Chávez no poder, Rafael Vargas, então ministro da Secretaria da Presidência – o equivalente à chefia da Casa Civil – me contou que a Venezuela vivia uma “revolução popular e opulenta”. Olhou-me firmemente e repetiu, quase soletrando, a última palavra: “opulenta”.

Queria contrastar o processo local com eventos semelhantes ao longo do século XX, que geraram privações e carências à população. O vento soprava a favor do chavismo e de outros governos progressistas da América Latina.

Hoje é difícil classificar o processo venezuelano como uma revolução. E nem em delírio alguém poderia apontá-lo como opulento. Não é preciso consultar dados sobre a contração do PIB, dos salários ou da qualidade dos serviços públicos para se perceber a profundidade do mergulho recessivo que o país enfrenta.

Está na cara das pessoas, em suas roupas nas ruas e nas casas que visitei. O fim do boom das commodities (2004-12) e a queda do preço do petróleo representaram apenas uma parte dos infortúnios do país caribenho.

Salário arrochados

Pascualina Curcio é professora de Economia da Universidade Simón Bolívar e consultora do Banco Mundial. Ela não esconde seu apoio ao governo, apesar de deplorar os “dogmáticos monetaristas” do Banco Central da Venezuela por patrocinarem uma política de arrocho (seu artigo sobre o tema está aqui). Conversei com ela por uma hora na sexta (13).

Pascualina admite os problemas e sabe do efeito devastador na demanda que o empobrecimento geral acarreta. “Um mínimo de dois dólares por mês é muito pouco, mas o governo tenta realizar compensações, com a concessão de bônus mensais e cestas básicas”.

O Instituto Datanálisis, em boletim de 11 de setembro, avalia que “Tudo indica que o governo de Nicolás Maduro anunciará um aumento no salário mínimo nos próximos dias. Desde 2013, houve, em média, 5 aumentos de remuneração salarial por ano”.

O grande problema, diz Pascualina, é que o governo não tem como controlar os preços internacionais do petróleo. Ela indica que uma reforma tributária distributiva é essencial para possibilitar o reequilíbrio do orçamento público.

A carga fiscal na Venezuela soma 13% do PIB e é composta, em sua maior parte, por impostos indiretos, ou seja, na taxação de mercadorias e produtos. No Brasil a carga fiscal é de 34% do PIB e na Alemanha é de 47%. Segundo a economista, o grande capital quase não paga impostos

O maior problema do país, contudo, é a desastrosa situação da PDVSA, a estatal de petróleo. Ela resulta de anos de falta de investimento em manutenção e inovação e de impedimentos impostos pelos EUA, através do embargo econômico.

O relatório da OPEP deste mês mostra a extensão do desastre: em 2017, a média de produção venezuelana diária era de 1,9 milhão de barris e no mês passado esse total caiu para 712 mil barris. A redução é de 63%. Se levarmos em conta a produção de 2002 (3,1 milhões b/d), a queda é ainda maior.

Não bastasse isso, há a contração dos preços internacionais entre 2014-16 e o embargo, que impede a compra de equipamentos para atualizar tecnologicamente a empresa. “Há ainda a fuga de cérebros, com a saída de engenheiros e técnicos de alto gabarito para trabalhar em empresas estrangeiras”, afirma Pascualina em uma sala do Banco da Mulher, instituição pública localizada no centro de Caracas.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gilberto Maringoni

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