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Universidade São Marcos continua sendo praça de vitórias e berço de ideias libertárias no Peru

Em boa hora os jovens ocupam massivamente um posto de combate, mas a luta dos estudantes de hoje vem de longa data
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul
Lima

Tradução:

O conflito surgido na Cidade Universitária de São Marcos será resolvido, presumivelmente, logo. E autoridades acadêmicas e outras darão razão aos estudantes. Não só porque eles a têm, mas também porque a experiência viva tem estado sempre do lado daqueles – que sem esperar nada em troca – se lançaram a uma ação generosa, com todos os seus riscos. 

A luta dos estudantes de hoje vem de longa data. São Marcos foi sempre um berço de ideias libertárias e uma indiscutível praça de vitórias, inclusive nos anos sob domínio espanhol. Figuras do pensamento nacional como José Baquíjano y Carrillo, Pablo de Olavide, Vicente Morales Suárez, Hipólito Unanue, e outros, nos legaram uma herança carregada de altos ideais, que conviveram com as expectativas libertadoras de nosso povo.

Já no século XX, assomaram os ares da reforma universitário iniciada em Cusco em 1909, e que alcançará particular relevo em Córdoba dez anos mais tarde. A fundação da Federação de Estudantes do Peru, que data de 1916, com a participação de Fortunato Quesada; e o Congresso Universitário de Cusco, em 1920, marcaram a história do Peru.

Em boa hora os jovens ocupam massivamente um posto de combate, mas a luta dos estudantes de hoje vem de longa data

Wikimedia Commons
Universidade de San Marco

Desde a década de vinte os estudantes combateram contra sucessivas ditaduras. Leguía, Sánchez Cerro, Benavides, e inclusive Odría viveram uma guerra permanente contra os estudantes e a juventude.  A partir desse período figuras importantes como José Antonio Encinas, Jorge Basadre e Raúl Porras, iluminaram o pensamento peruano.

E é que desde os anos trinta, o Diretório Estudantil desempenhou um papel aglutinador de primeira importância e deu sustentação a vigorosas ações. José María Arguedas, Manuel Moreno Jimeno, José Ortiz Reyes e Genaro Carnero Checa foram protagonistas de valorosas ações que marcaram a presença do Grupo Rojo Vanguardia. Foi o antecedente histórico de outras lutas. Nelas, o movimento universitário passou a formar parte dos segmentos mais progressistas e lúcidos da sociedade peruana. Nas classes da São Marcos – mas também em outros claustros – as ideias avançadas fizeram carne em multidões, e golpearam a consciência de milhões.  

As heroicas greves estudantis ocorridas em 1960 e 1964, sentaram cátedra de valor, dignidade e consequência; e foram fonte de quadros e esperanças que nutriram boa parte do processo peruano nas últimas décadas do século passado. Hoje, os estudantes da São Marcos recolhem essa herança carregada de lenda, e que fora honrada pelo sangue de combatentes da altura de Pompeyo Herrera e Luis Mac Lean Bedoya.

A causa, agora, agita outras bandeiras. Trata-se de exigir respeito à integridade territorial dos espaços universitários, e enfrentar uma tentativa de extensão da passagem construída pela Municipalidade de Lima na Avenida Venezuela. Mas esta ação enfrenta duas ofensivas adicionais: a agressão policial injustificada disposta pelo ministro Carlos Marán; e a campanha de desprestígio desatada contra a juventude por parte da “grande imprensa” e seus aliados de sempre. Ela tratará sempre de contrapor os jovens às autoridades alegando as mesmas frases alusivas à disciplina e à ordem.  

Não se necessita ser comunista, extremista ou revolucionário para ter uma ideia clara do tema. Nem é preciso citar Carlos Marx ou Federico Engels para saber em que chão se pisa. Nos basta acudir a um filósofo espanhol insuspeito de qualquer radicalismo, dom José Ortega y Gasset, que em sua “Misión de la Universidad”, nos diz sem subterfúgios: 

“É absurdo que, como até aqui, se considere o edifício universitário como a casa do professor, que recebe nela seus discípulos, quando deve ser o contrário: os imediatos donos da casa são os estudantes, completados em corpo institucional com o claustro de professores. É preciso acabar com a vergonha de que sejam os professores, com a guarda suíça dos bedéis, que imponham a disciplina corporal dentro da Universidade, dando lugar a essas batalhas vergonhosas em que aparecem, de um lado, os catedráticos e seus subalternos; e de outro, a horda escolar. Só a estupidez pode tranquilizar-se em culpar de tais problemas os estudantes…São os estudantes, que previamente organizados para isso, devem dirigir a ordem interior da Universidade, assegurando o decoro dos usos e maneiras, impor a disciplina material, e sentir-se responsáveis por ela”

Neste contexto, os estudantes têm o dever de preservar a intangibilidade de seu claustro, mas também velar pela qualidade educativa, pelo nível acadêmico, pela responsabilidade social e pelo cumprimento da missão da Universidade a serviço de seu povo. 

A mobilização ativa de estudantes da Universidade mais antiga da América e de outras do nosso país, e a presença de jovens de diversos centros acadêmicos diz muito da importância desta ação, que deve ser saudada e apoiada com jubilosa alegria. Em boa hora os jovens ocupam massivamente um posto de combate! São Marcos continua sendo Praça de Vitórias!

*Colaborador de Diálogos do Sul de Lima, Peru.

**Tradução: Beatriz Cannabrava

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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