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Gravações vinculam Estados Unidos e mercenários com tentativa de golpe na Bolívia

Denúncia foi feita neste domingo à noite, por telefone, por um dos principais coordenadores do Movimento Ao Socialismo (MAS) no departamento de Santa Cruz
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul Global
La Paz

Tradução:

“É preciso fazer um alerta para o mundo e dizer claramente: a Bolívia está diante de um golpe de Estado fascista financiado pelos Estados Unidos, semelhante ao que tentaram realizar em 2008. Como há dez anos, quando fizeram tremular a bandeira nazista em Santa Cruz, hoje saúdam a suástica e, tal como antes ocorreu em Sucre, cometem todo tipo de abusos como obrigar uma senhora a se ajoelhar e pedir perdão por ser indígena e pobre”.

A denúncia foi feita neste domingo à noite, por telefone, por AGT (que pediu para não ser identificado), um dos principais coordenadores do Movimento Ao Socialismo (MAS) no departamento de Santa Cruz. O MAS é o partido de Evo Morales, presidente reeleito no dia 20 de outubro. Destacada liderança dos movimentos sociais, entrevistei AGT durante a cobertura do processo eleitoral. Atualmente não pode sair de casa por medidas de segurança.

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“Neste momento, somos prisioneiros do chamado ‘Comitê Cívico’. Estamos usando nomes fictícios porque parte do trabalho dos grupos fascistas é nos identificar e vir às nossas casas para ameaçar nossas famílias. Na capital do departamento, o bloqueio já soma 11 dias e as pessoas não podem ir trabalhar, não têm como chegar às suas fontes de sustento. Os grupos de direita não permitem sequer a circulação de ambulâncias, controlam tudo o que se move. Como pode se ver na foto, é a democracia do porrete”, condenou AGT. A fotografia que ganhou as redes sociais mostra marginas erguendo cacetes e a bandeira verde e branca para reforçar a ideia de uma “pátria camba”, como são chamados os habitantes “puros”, “brancos” de Santa Cruz, abertamente anti-indígenas.

De acordo com AGT, movimentos populares de muitos municípios do departamento têm se insurgido contra tamanhos desmandos, ocorrendo crescentes enfrentamentos com os mercenários. “Já ocorreram duas mortes e cerca de duzentos feridos foram vítimas da truculência dos marginais. De um lado está um povo que respeita a democracia e a Constituição, respeita o resultado eleitoral, e precisa trabalhar e garantir o seu sustento; de outro, pessoas que querem impor de forma autoritária a vontade de uma minoria”, assinalou o dirigente.

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“Outro dia um grupo da União Juvenil Cruzenhista foi até o bairro de Cofadena, na cidade de Montero, a 50 quilômetros de Santa Cruz, para obrigar os moradores a paralisar suas atividades, a entrar em greve. Houve muita gente trabalhadora e pobre que resistiu, da mesma forma que em Cuatro Cañadas, San Julian e Yapacani e na própria periferia da capital. Como resultado desta resistência se trabalha no período da manhã. Há uma eleição que não pode ser sabotada e precisa ser respeitada”, apontou.

Marginais da União Juvenil Cruzenhista erguem cassetetes e a bandeira verde e branca para reforçar ideia de uma “Pátria camba” : segregação e racismo 

Desmontar a farsa

Em meio à convocatória do golpista cruzenho Luis Fernando Camacho para que o presidente Evo Morales renuncie em 48 horas – prazo que acabaria nesta segunda-feira – o candidato da Comunidade Cidadã (CC), Carlos Mesa, segundo colocado nas eleições, voltou a se desdizer sobre a auditoria do processo eleitoral realizada pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Além de não condenar a Camacho, Mesa disse que a saída de Evo tem de ser pelo voto popular, desrespeitando o Supremo Tribunal Eleitoral e qualquer informe da OEA e defendendo a realização de novas eleições.

Presidente do “Comitê Cívico” de Santa Cruz, Camacho destila ódio ao governo nacional por lhe ter tirado uma grande negociata que tinha com o gás que os tornou milionários quando era privatizado. Sua Navi Internacional serviu de intermediária para o ocultamento de fortunas, a lavagem de dinheiro e a evasão de impostos de residentes e empresas bolivianas em paraísos fiscais (Panamá, Bahamas e Ilhas Virgens) por meio da qual o país teria perdido ao menos US$ 1.134 bilhão em apenas dois anos.

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Denúncia foi feita neste domingo à noite, por telefone, por um dos principais coordenadores do Movimento Ao Socialismo (MAS) no departamento de Santa Cruz

Foto: Leonardo Wexell Severo
Evo Morales, presidente reeleito da Bolívia, que sofreu uma pane em seu helicóptero enquanto decolava nesta segunda-feira

Basta de agressões

Repudiando a sequência de provocações e agressões contra a democracia e a soberania nacional, Evo Morales fez um chamado à oposição: “não nos enfrentemos entre bolivianos, faço um pedido a alguns grupos em Santa Cruz e Cochabamba a não agredir as nossas mães”. “Minha mãe vestia pollera [saia longa indígena] e agora que estão batendo nas pessoas de pollera, vejo um rosto agredido no altiplano. Todos têm direito a fazer política, a ser dirigente de qualquer setor ou movimento, mas em primeiro lugar está nossa família”, defendeu Evo.

Em relação à manipulação realizada por alguns meios de comunicação que tentam identificar os golpistas com a nação, o presidente questionou: “Quem são os primeiros patriotas? Quero que saibam que foram os que nacionalizamos os recursos naturais, os que temos recuperado, estes são os patriotas, estes constroem a pátria, não os privatizadores”. De forma objetiva, explicou, querem “voltar ao passado, privatizando novamente, como estava nos distintos programas que apresentaram para as eleições de 20 de outubro”.

Carlos Mesa ziguezagueia

O zigue-zague das declarações de Mesa e as suas razões para afrontar o resultado eleitoral ficam claras e podem ser facilmente comprovadas em áudios e informes relatados nos dias 8 e 10 de outubro. São documentos comprometedores para os golpistas e que se encontram no portal https://bbackdoors.wordpress.com/2019/10/08/us-hands-against-bolivia-par. O conteúdo está em perfeita sintonia com a denúncia feita por autoridades do governo boliviano – e do próprio presidente – que haviam informado dispor de tais gravações.

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Entre os inúmeros áudios, a Agência Boliviana de Informação (ABI) explicou que foram identificados a pretensa “ativista” Mirian Pereira que cita o presidente do “Comitê Cívico” de Cochabamba, Juan Flores, o seu assessor Alex Brañez e Oscar Robles, relatando uma viagem aos Estados Unidos para se reunir com Carlos Sánchez Berzaín. Ministro de Governo e de Defesa durante as administrações do sanguinário presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, Berzaín ajudou a “consolidar um financiamento de meio milhão de dólares para gastos de mobilização”, descreveu Mirian.

Um resumo sobre o conteúdo golpista das conversações de dirigentes políticos, cívicos e ex-militares em seus trabalhos de coordenação com vistas à frustrada paralisação de 21 de agosto; ações prévias e posteriores às eleições nacionais pode ser visto no https://postcuba.org/embajada-de-eeuu-en-la-paz-su-accionar-encubierto-e… 

O informe “Embaixada dos Estados Unidos em La Paz: sua ação encoberta em apoio ao Golpe de Estado contra o presidente Evo Morales” está escrito em inglês e foi traduzido para o espanhol. O conteúdo também coincide com as denúncias apresentadas pelo ministro de Governo, Carlos Romero, e da Presidência, Juan Ramón Quintana.

Picaretagem made in USA

Numa das gravações se escuta o ex-prefeito de Cochabamba, Manfred Reyes Villa – condenado a cinco anos de prisão por assalto aos cofres públicos e que se encontra foragido nos EUA – numa conversa com pessoas que não puderam ser identificadas. No diálogo é recordado a elas que há um compromisso dos senadores estadunidenses Marco Rúbio, Bob Menéndez e Ted Cruz para promover sanções econômicas contra a Bolívia se Evo permanecer no Palácio de Governo. Os nomes são citados como “a chave que está manejando o interesse do povo boliviano”.

Um ex-militar não identificado alerta sobre o risco de se desmascarar os “Comitês Cívicos” devido à sua conduta criminosa, de golpistas. “Há informação que somente deve ficar aqui, vamos ir manejando como temas reservados e secretos, não pode sair. Se isso sai vão nos fazer abortar”, diz outra voz referindo-se às ações que tem sido realizadas por tais Comitês.

Síntese do conteúdo das gravações

Áudio 1 – Ilustra o compromisso de senadores estadunidenses como Marco Rúbio, Bob Menéndez e Ted Cruz no plano de golpe de estado contra Evo.

Áudio 2 – Um membro da oposição boliviana e suposto ex-militar convoca para um levantamento armado.

Áudio 3 – Um membro da oposição boliviana (ainda não identificado) propõe marcar as casas dos partidários do MAS para infundir medo e coagir a população a apoiar o golpe.

Áudio 4 – Um oposicionista (ainda não identificado), propõe a estratégia a ser seguida em bloco, estabelecendo-se como premissa a invalidação das eleições de 20 de outubro, a fim de gerar um levantamento cívico-militar e uma greve nacional. Além disso, comentou que há membros ativos das Forças Armadas e da Polícia que apoiariam estas ações.

Áudio 5 – Uma conversação entre membros da oposição boliviana que mostra a participação do criminoso Manfred Reyes Villa, foragido nos EUA, que tem planos de golpe de estado. É citado o respaldo obtido pela oposição da Igreja Evangélica e do governo brasileiro. Destaca a referência a um suposto homem de confiança de Jair Bolsonaro, que também assessora um candidato à presidência boliviana que ainda não foi identificado.

Áudio 6 – Mostra a participação de Manfred Reyes Villa, membro da oposição com planos do golpe de Estado. Podem ser escutadas as vozes do ativista político boliviano Mauricio Muñoz e Reyes na gravação.

Áudio 7 – Um ex-coronel da Bolívia confirma os planos do golpe de Estado contra o presidente Evo Morales, e expressa sua preocupação pela participação dos líderes dos “Comitês Cívicos” no exército relacionado com a oposição.

Áudio 8 – O ex-coronel boliviano Julio César Maldonado Leoni, presidente do Comitê Militar Nacional, dá ordens de implementar todo tipo de ações contra a Embaixada de Cuba e seus diplomatas, na tentativa de infundir medo e ódio para que os cubanos abandonem o país.

Áudio 9 – Este áudio está relacionado com uma reunião entre os ex-militares bolivianos celebrada na cidade de Cochabamba. O ex-coronel Julio César Maldonado Leoni, presidente do Comitê Militar Nacional, se refere à criação de um poder político-militar.

Áudio 10 – O ex-coronel boliviano Teobaldo Cardoso comenta que tudo está preparado e que há um grande grupo de membros militares antigos e ativos prontos para entrar em guerra.

Áudio 11 – Ilustra o compromisso do político e membro da oposição Manfred Reyes Villa, com os planos de derrubar o presidente. Manfred Reyes conversa com a ativista política e membro da oposição Miriam Pereira e os jornalistas Carlos e Chanet Blacut.

Áudio 12 – Se ouve a voz do ex-general do Exército Remberto Siles, que faz referência à existência de um grande plano contra o governo boliviano.

Áudio 13 – Estratégia e ações do Comitê Cívico La Paz, no contexto da Greve Nacional de 21 de agosto, na fala do se presidente Jaime Antonio Alarcón Daza.

Áudio 14 – O ex-coronel Oscar Pacello Aguirre, representante do Coordenador Militar Nacional, menciona um plano secreto contra o governo de Evo e as ações previstas para 10 de outubro.

Áudio 15 – Reunião privada entre o opositor Jaime Antonio Alarcón Daza, Iván Arias e outros membros dos “Comitês Cívicos”. Relatam um acordo para manipular a opinião pública sobre os resultados eleitorais e declarar fraude. Há uma referência sobre a Fundação Jubileu, a União Europeia, a Embaixada dos Estados Unidos e a Igreja Evangélica.

Áudio 16 – A ativista política Miriam Pereira, vincula o membro da oposição e residente estadunidense Carlos Sánchez Berzaín com o plano para derrubar o presidente Evo.  Ela comenta que Sánchez quer incitar uma guerra civil na Bolívia e que contam com um financiamento de meio milhão de dólares.

*Leonardo Wexell Severo é jornalista e colaborador de Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

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