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Centenas de milhares de pessoas marcham, em La Paz, para pedir saída de Janine Áñez

A Proclamação geral das assembleias comunitárias (cabildos) organizadas contra o golpe fascista deu um ultimato para que presidenta autoproclamada renuncie
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Centenas de milhares de bolivianos tomaram as ruas da capital, La Paz, nesta segunda-feira (18), para repudiar o golpe “fascista, racista e neoliberal” e “exigir a renúncia da autoproclamada presidenta Janine Áñez”.

Vindos das 20 províncias de La Paz, os manifestantes se concentraram ao redor da Praça Murillo, no centro da cidade, reforçando o movimento “anti-imperialista”, “em defesa da democracia e da soberania”. Ao mesmo tempo, camponeses vestindo trajes tradicionais e mulheres com pollera [saia indígena} anunciaram a multiplicação dos bloqueios de rodovias e avenidas por todo o país andino até a deposição da usurpadora.

O imenso contingente que coloriu a capital com o verde-amarelo-vermelho da bandeira boliviana também exigiu respeito à Whipala, estandarte símbolo dos povos originários, recentemente queimado pelos golpistas. Tamanha demonstração de racismo e aversão à ampla maioria da população tem isolado Áñez cada vez mais, provocando a ira popular contra o fascista Luis Fernando Camacho, de Santa Cruz, e o candidato derrotado Carlos Mesa, que somaram marginais e mercenários contra o presidente Evo Morales.

Em Cochabamba, além do retorno de Evo e da defesa do seu partido, o Movimento Ao Socialismo (MAS), a multidão exigiu a saída de Áñez e a punição a policiais e militares golpistas, que abriram fogo covardemente nos manifestantes, sexta-feira, assassinando dez trabalhadores rurais na cidade de Sacaba, deixando 135 feridos e prendendo 200 pessoas.

Professores rurais e movimentos sociais identificados com o MAS, realizaram uma marcha de protesto e posteriormente, assembleia comunitária em que reiteraram a exigência da renúncia da autoproclamada presidenta. De acordo com Marcelo Serrudo, da executiva da Federação dos Professores Rurais de Oruro, o momento é de frente ampla, de unidade e de mobilização para isolar os golpistas.

A manipulação grotesca dos meios de comunicação foi enfaticamente condenada, uma vez que as forças populares contam apenas com as rádios para romper o silêncio sepulcral em que se encontram submetidos os jornais e os canais de televisão. Mais do que censura, o medo pânico foi instaurado pela ameaça do Ministério de Comunicação de que os jornalistas que não estiverem sintonizados com a linha editorial do desgoverno serão perseguidos e acusados penalmente de “sedição”.

Na avaliação do deputado do departamento de Oruro, Zenón Pizarro Garisto, do MAS, “há muitos sargentos, cabos e soldados que estão mobilizados para multiplicar os inocentes, prontos para fazer valer o símbolo do Estado plurinacional e dar um basta à ditadura e aos golpistas”. Garisto frisou que a população traz bem presente os avanços conquistados ao longo de quase 13 anos de revolução democrática-cultural: “rodovias, unidades educativas, moradias, telecomunicações da área rural e industrialização, como a fábrica de cimento, piscinas e canchas sintéticas, são medidas que impulsionam uma medida de novos tempos”.

Um estudo recentemente divulgado comprovou que para respaldar o golpe com mentiras e manipulações contra Evo foram criadas mais de 68 mil contas falsas somente no Twitter. De acordo com Julián Macías Tovar, responsável espanhol pelo Unidas Podemos, a falsificação pode ter uma dimensão ainda maior, tentando justificar o injustificável em tempos tenebrosos de tortura, prisão e morte.

De Norte a Sul, a Proclamação geral das assembleias comunitárias (cabildos) organizadas contra o golpe fascista deu um ultimato para que Áñez renuncie a presidência e aprovou uma série de medidas emergenciais para garantir a imediata redemocratização do país.

A Proclamação geral das assembleias comunitárias (cabildos) organizadas contra o golpe fascista deu um ultimato para que presidenta autoproclamada renuncie

Youtube / Reprodução
Vindos das 20 províncias de La Paz, os manifestantes se concentraram ao redor da Praça Murillo

Proclamação geral das assembleias comunitárias contra o golpe fascista na Bolívia

“A Bolívia vive um dos momentos mais difíceis de sua revolução popular, porque aquilo que se viveu nos tempos de Evo Morales foi uma autêntica e profunda revolução política que democratizou o acesso ao Estado na sua tentativa de descolonizá-lo, reduziu a pobreza e a desigualdade, assentou soberania frente ao imperialismo e nacionalizou os recursos naturais e as empresas estratégicas. No entanto, hoje o golpe contrarrevolucionário pretende impor-se pela violência, o racismo e o fascismo.

A falta de transformação revolucionária do Estado e da economia, e a convivência com setores pró-empresariais da oligarquia nacional é aquilo que hoje põe em perigo a revolução boliviana. É o Estado que hoje se rebela mediante suas forças repressivas para expulsar as classes populares da condução política do país e entregar o poder a seus velhos amos. Quando caía a Wiphala, com ela caíam as classes populares outra vez à exclusão e ao racismo, isso o compreenderam rapidamente as massas, se mobilizaram contra o golpismo e debilitaram o próprio Estado. De fato, o Estado já não domina grande parte do território nacional, mas associações comunitárias, sindicatos de operários e camponeses que se autoconvocam e são a única autoridade reconhecida.

A rigor, a direita golpista tem o governo, mas ainda não tem o poder.

Por isso, este é o momento mais importante, ainda as forças conservadoras não asseguraram todas as suas posições, ainda que busquem fazê-lo rapidamente como condição imprescindível para que triunfe o golpe. No entanto, a contrarrevolução vê elevar-se diante de si a um movimento popular vigoroso, que está disposto a lutar caso seja necessário, porém que recebeu um duro golpe em sua direção política. Precisamente aí radica um dos perigos do atual momento histórico: não contar com uma direção parlamentar o suficientemente unida e decidida para lutar contra o golpismo, e seu distanciamento do valoroso povo auto-organizado e mobilizado que tem enfrentado os golpistas.

A vitória do movimento popular em luta passa pela inadiável renúncia de Jeanine Añez, títere de Luis Fernando Camacho, por ser a expressão do Golpe de Estado em andamento. Não se trata de um mero governo de transição, de se afiançar o governo de Añez, as velhas classes dominantes e o imperialismo não permitiriam uma eleição justa para o povo. Eleições, sim, porém sem os fascistas no governo. A única garantia de autênticas eleições livres e democráticas são aquelas que respeitem a ordem constitucional, que Camacho e sua representante Añez não respeitaram e nunca respeitarão. Todo candidato do povo e ou partido popular que não esteja alinhado ao golpe, será perseguido, amedrontado e reprimido nas futuras eleições administradas por Añez e Camacho.

Que ninguém se confunda, que ninguém se equivoque, os golpistas assinarão qualquer acordo sempre que garanta dois aspectos: 1) Continuação de Jeanine Añez para que as velhas classes dominantes e o imperialismo se apropriem definitivamente do Estado para controlar e manipular as futuras eleições; 2) Desmobilizar as classes populares que são o inimigo a vencer pelos golpistas, por serem os únicos focos de liberdade política que ainda se conservam resistindo valentemente aos inimigos da pátria.

Os fascistas assinarão qualquer acordo para nos desmobilizar, e logo se aplicará a repressão seletiva a dirigentes políticos, sindicais e populares. Há vários exemplos semelhantes na história, só temos que recordar que logo da desmobilização dos indígenas no Equador veio a dura repressão de Lenin Moreno, e na Colômbia onde a direita após a assinatura dos acordos de paz aplicou a violência mais ensandecida contra dirigentes populares.

Resumindo, as velhas classes dominantes estão em pleno processo de afiançar e consolidar posições no aparato de Estado com o objetivo de derrotar o povo organizado. Somente assim o golpe estará consumado.

Está claro que a reação buscará reprimir totalmente ao movimento popular, já está fazendo de maneira parcial, fragmentada e seletiva mediante o deslocamento de militares, o que ocasionou lamentáveis mortes pelo uso de armas de fogo. O que se pretende, sem dúvida, é obter uma vitória militar que sepulte as organizações sociais.

Porém, realmente estão em condições de fazê-lo? Têm efetivamente coesas as forças repressivas diante de um crescente e imparável movimento popular? Não temos visto mudar decisivamente a correlação de forças a favor do campo popular a partir das massivas manifestações? A reação golpista não tem a legitimidade suficiente para o uso da violência, porque sem legitimidade social tanto a nível nacional como internacional, será a confirmação de uma ditadura e a autodestruição do governo de fato de Jeanine Añez.

Todos devemos concentrar nossas forças na renúncia da autoproclamada Jeanine Añez porque ela é o sustento do golpe fascista que está assassinando sem piedade a nosso povo. Este golpe à democracia popular significa a alienação dos nossos recursos naturais, a perda da pátria, da dignidade e da soberania do povo boliviano. Este governo não é transitória, é a própria contrarrevolução que significará o fim de conquistas populares que hoje desfrutam o nosso povo e que lhe tem custado sangue.

Portanto, façamos nossos os objetivos do movimento popular organizado em assembleias comunitárias, que são os verdadeiros órgãos da democracia popular:

1 – Renúncia de Jeanine Añez como condição necessária para a pacificação do povo.

2 – Imediata libertação dos detidos injustamente nas mobilizações populares contra o carniceiro Arturo Murillo.

3 – Retorno imediato dos militares a seus quartéis, porque qualquer violação dos direitos humanos é delito de lesa-humanidade imprescritível, que será julgado tanto em instâncias nacionais como internacionais.

Basta recordar os conhecidos casos de Luis García Mesa, Arce Gómez e muitos outros repressores do povo latino-americano.

4 – Respeito à Wiphala por representar a luta milenária pela libertação dos povos indígenas que hoje estão resistindo ao retorno do racismo e ao colonialismo mais extremos da oligarquia nacional.

5 – Punição exemplar à Polícia, por haver traído ao povo e ter se vendido claramente ao golpe racista e fascista da direita, com sanção penal por ter ultrajado os símbolos pátrios do nosso Estado Plurinacional reconhecidos constitucionalmente.

6 – Prisão para Luis Fernando Camacho, Williams Kaliman, Carlos Mesa, Pumari, Waldo Albarracín e Rafael Quispe por propiciar o golpe de Estado, a violência e as matanças de nossos irmãos e irmãs bolivianos nos sangrentos massacres de Sacaba, Yapacani e outros.

7 – Declarar inimiga do povo à imprensa vendida ao golpe cívico, político e militar, por caluniar, desinformar e ocultar a legítima luta do povo boliviano.

8 – Manter a mobilização permanente, declarar greve geral indefinida a nível nacional e cerco à cidade de La Paz com bloqueio de mil esquinas até que Añez renuncie e se restabeleça a Constituição e a democracia.

9 – Convocamos a Central Operária Boliviana (COB), a Federação Sindical de Trabalhadores Mineros da Bolívia (FSTMB), ao setor cooperativista, fabril, gremial, universitários, profissionais e outros a assumirem o seu papel histórico ao lado do povo que agora está em luta contra o golpe da direita fascista, neoliberal e imperialista. Do contrário, passarão à história como cúmplices da alienação dos nossos recursos naturais e do derramamento de sangue do povo humilde e trabalhador.

10 – Exigimos que os membros da Assembleia Nacional eleitos em 2014 pelo povo possam atuar com as garantias democráticas necessárias para restabelecer a ordem constitucional na pátria. Os deputados e senadores que estejam ao lado de seu povo contra o golpe da direita fascista têm todo o respaldo e o apoio das bolivianas e bolivianos que preferem morrer antes que viver escravos.

VIVA A BOLÍVIA DIGNA, LIVRE E SOBERANA!

ABAIXO O GOLPE DA DIREITA NEOLIBERAL E FASCISTA!”

#TodosContraElGolpe

17 de novembro de 2019

*Leonardo Wexell Severo é jornalista e colaborador da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Leonardo Wexell Severo

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