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Após golpe, bolivianos temem privatização de recursos naturais, motores econômicos de 2019

Durante a gestão do presidente indígena, o país foi considerado um paradeiro seguro para o capital estrangeiro pelas garantias que oferecia
Redação Prensa Latina
Diálogos do Sul
La Paz

Tradução:

Históricos investimentos em hidrocarbonetos, no lítio e no setor energético; o incremento das exportações e a implementação do Sistema único de Saúde (SUS), marcaram 2019 na Bolívia, processo interrompido pelo golpe de Estado contra o presidente Evo Morales.

A nacionalização dos recursos naturais e a reativação de Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) como a empresa mais importante do país em 2006, foram decisões que impulsionaram o crescimento econômico, político e social da nação andina. 

Um total de 38 bilhões e 343 milhões de dólares por conceito de renda petroleira foram registrados até setembro passado, renda que beneficiou programas e projetos nos setores da saúde, educação, moradia, emprego, produção de alimentos, entre outros que elevaram a qualidade de vida dos bolivianos. 

A construção das fábricas de Separação de Líquidos Rio Grande e de Gás Natural Líquido (GLN) em Santa Cruz, a Carlos Villegas (Tarija) e a de Amoníaco e Ureia (Cochabamba), entre outros projetos, evidenciaram o desenvolvimento dessa iniciativa com um investimento de dois bilhões e 84 milhões de dólares.

Da mesma forma, YPFB e as empresas operadoras investiram mais de 14 bilhões e 115 milhões de dólares para garantir a produção e incrementar as reservas de hidrocarbonetos, estas últimas avaliadas em 70 bilhões de dólares. 

Outros recursos foram destinados às atividades de exploração, assim como o transporte, refino e armazenagem para o abastecimento do mercado interno. 

Durante o ano que concluiu, autoridades do Governo, do Ministério de Hidrocarbonetos e  diretores de YPFB assinaram importantes acordos para a exportação de gás natural, ureia, cloreto de potássio e outros produtos para mercados no Paraguai, Brasil, Peru e Argentina.

Durante a gestão do presidente indígena, o país foi considerado um paradeiro seguro para o capital estrangeiro pelas garantias que oferecia

Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB)
Para superar o milhão de conexões domiciliares este ano, foram destinados 173 milhões de dólares para atingir mais de 5 milhões de clientes.

Um maior acesso da população boliviana ao gás natural foi outro dos resultados da nacionalização, com cerca de um milhão de instalações de gás domiciliar para benefício de 65% do país. 

Essa cobertura foi possível graças ao Sistema Virtual de GLN e as Estações Satelitais de Regasificação (ESR) que também chegaram a comunidades intermediárias onde os gasodutos convencionais em regiões fronteiriças não tinham acesso. 

Para superar o milhão de conexões domiciliares este ano, foram destinados 173 milhões de dólares para atingir mais de cinco milhões de clientes nacionais.

Bolívia, coração energético do Sul

A implementação em 2019 de 24 projetos solares, eólicos, geotérmicos e de biomassa para produzir 521 megawatts (MW) para 2025, foi a estratégia aplicada na Bolívia para consolidar-se como o coração energético da região com a exportação do excedente. 

O então vice-ministro de Eletricidade e Energias Alternativas, Bismar Canelas, informou em julho passado o investimento de um bilhão e 559 milhões de dólares para essas iniciativas. 

Canelas precisou que 14 projetos seriam para o Sistema Interconectado Nacional e 10 para sistemas isolados, instalações localizadas em Cochabamba, Potosí, Oruro, Santa Cruz, Tarija, Pando e Beni.

Dados do Ministério de Energia revelaram que o setor consome mil 511 MW dos dois mil 236 de oferta, com um excedente de pelo menos 700 MW, e para este ano o plano era incorporar cerca de mil MW, com um investimento de mais de 651 milhões de dólares.

O então presidente executivo da Empresa Nacional de Eletricidade (ENDE), Joaquín Rodríguez, informou em junho passado que nove de cada 10 bolivianos  desfrutam do serviço elétrico, graças aos investimentos com enfoque social impulsionados no ano passado por parte do derrocado Governo de Evo Morales.

Rodríguez recordou que em 2006, seis de cada 10 pessoas recebiam esse serviço, considerado um negócio, que com a chegada à presidência de Evo Morales, converteu-se em um direito humano. 

Desenvolvimento da industrialização do lítio 

A construção de fábricas para a industrialização do lítio permitiria a Bolívia alcançar uma produção de mais de 150 mil toneladas de sais do metal branco nos próximos cinco anos e consolidar-se como um ator fundamental no mercado de nível mundial. 

As grandes reservas de lítio, os projetos e seu valor, são considerados em seu conjunto como elemento chave no golpe que se concretizou em 10 de novembro. 

Em declarações a Prensa Latina em setembro passado, o engenheiro Juan Carlos Montenegro, então gerente executivo de Yacimientos del Litio Bolivianos (YLB), destacou que nesse mesmo período produziriam também baterias para a Alemanha. 

Montenegro precisou entre os planos de então que incursionariam na China com o carbonato e o hidróxido de lítio e atuariam como sócios na fabricação de baterias de lítio e, ao mesmo tempo, recordou que fontes de energia renováveis como a eólica e a solar requerem sistemas de armazenamento formados por baterias desse mineral. 

O país sul-americano tinha desenvolvido o projeto de industrialização do lítio em três fases; a primeiro, iniciada em 2012 com a execução do processo tecnológico e a produção de fábricas piloto de fertilizantes, comercializados principalmente no mercado interno. 

A segunda fase começou em 2016 e implicou a construção das indústrias de cloreto de potássio e carbonato de lítio para exportação, com piscinas industriais que garantiam o insumo necessário para obter sais básicos. 

A terceira fase é a fabricação de baterias de lítio em escala industrial em aliança com a firma alemã ACI Systems para sua comercialização.

Para todo esse processo, contou-se com o Salar de Uyuni (Potosí) com uma reserva geológica de 21 milhões de toneladas métricas de lítio, segundo revelou um estudo da consultoria estadunidense SRK sobre 64 por cento de sua planície, após  perfurar poços de 50 metros de profundidade. 

A Fábrica Piloto de Carbonato de Lítio, localizada nesse departamento e com uma capacidade máxima de produção estimada de 400 toneladas para 2019, formou parte da primeira etapa da industrialização e foi adjudicada à empresa chino-australiana Associação Beijing Maison Engineering Company com 96,4 milhões de dólares de investimento. 

A Bolívia afiançou sua aliança com Beijing em 20 de agosto passado com a assinatura da minuta de constituição de um empresa mista entre YLB e o grupo corporativo chinês Xinjian TBEA.

Segundo o planejado, em finais deste ano está prevista a conclusão do Centro de Pesquisa em Ciência e Tecnologia de Materiais e Recursos Evaporísticos da Bolívia, uma instalação, que na opinião de especialistas, será uma das mais importantes da região. 

O complexo com mais de 40 laboratórios está localizado na localidade de La Palca (Potosí) e entrará em funcionamento a partir deste ano com um investimento de sete milhões 976 mil 375 dólares, segundo dados oficiais. 

A unidade científica será a responsável de analisar as aplicações do lítio e dos produtos destinados ao mercado internacional, com equipamentos provenientes da Alemanha, Estados Unidos, Japão e China.

Redistribuição das riquezas, prioridade no processo de mudança

Com os ingressos obtidos por conceito de renda petrolífera, o governo do ex-presidente Evo Morales, forçado a deixar seu cargo em 10 de novembro passado após um golpe de Estado, priorizou o pagamento de bônus sociais, a implementação do SUS e outras políticas para benefício do povo. 

A Renda Dignidade, um pagamento mensal, universal e vitalício destinado aos adultos maiores de 60 anos e financiado pelo Tesouro Geral da Nação, começou com 200 bolivianos (28,96 dólares) e posteriormente foi incrementada a 300 bolivianos (43,44 dólares).

A partir de 1º de julho passado foi aumentado para  350 bolivianos (50,68 dólares) esse incentivo econômico que beneficia na atualidade mais de um milhão de pessoas no país. 

Outro bônus como o Juancito Pinto permitiu reduzir a evasão escolar com o pagamento de 28,96 dólares a estudantes do nível primário até quarto ano de secundária a cada ano. 

Da mesma forma, outro benefício social, o bônus Juana Azurduy, estabelecido mediante Decreto Supremo em 3 de abril de 2009, para reduzir a mortalidade materno-infantil, outorgava mil e 820 bolivianos (263,16 dólares) em quatro parcelas pagas às mulheres grávidas. 

Até setembro de 2019, os bónus sociais beneficiaram cinco milhões, 902 mil e 459 bolivianos, cifra que representava 51,5 por cento da população nacional, de acordo com informação do Ministério de Economia.

Por outra parte, o SUS foi implementado em 1º de março mediante a Lei 1152 para garantir um atendimento médico gratuito, universal e de qualidade para benefício de mais de cinco milhões de pessoas sem seguro, além da prevenção e o diagnóstico precoce de doenças crônicas não transmissíveis. 

A norma com mais de 300 serviços a cidadãos nacionais e estrangeiros, estes nas mesmas condições no marco de acordos internacionais, contou com um orçamento inicial de 200 milhões de dólares e outros dois bilhões para a construção de hospitais. 

Da mesma foram, previu destinar outros 30 milhões de dólares para fortalecer o equipamento e o número de profissionais para atender os pacientes em mais de mil prestações. 

Históricos investimentos nos setores energético, de hidrocarburos e do lítio marcaram 2019 na Bolívia, uma estratégia do governo do ex-presidente Evo Morales que permitiu implementar políticas sociais para benefício dos setores mais vulneráveis por uma redistribuição das riquezas. 

Durante a gestão do presidente indígena a nação andino amazônica foi considerada um paradeiro seguro para o capital estrangeiro pelas garantias legais que oferecia, fato que atraiu investidores da região e de outros continentes como China, Rússia e Índia. 

Depois do golpe contra Morales, muitos temem um retrocesso à privatização dos recursos naturais e das empresas estratégicas, um sela distintivo do neoliberalismo, e o fim da melhor Bolívia da história.

*Jornalista de Prensa Latina

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Redação Prensa Latina

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