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Pandemia de coronavírus barra planos de coalizão direitista do governo uruguaio

Os componentes do atual governo comandado por Lacalle Pou são meros encarregados de canalizar os interesses econômicos dos latifundiários uruguaios
Hugo Rius
Prensa Latina
Montevidéu

Tradução:

O surgimento da devastadora pandemia do novo coronavírus atravessou os planos do governo de coalizão de direita do Uruguai, apenas um mês depois de empossado, para a restauração conservadora no manejo do país.

O Partido de Uruguai, em substancial documento de seu Comitê Central, traduz a chamada coalizão multicolor de cinco formações políticas instalada em 1º de março, como “a expressão da fração mais conservadora dos setores do grande capital, do agronegócio, com componentes de características fascistas”.

Buscando precisar se os componentes do atual Executivo são meros encarregados de canalizar os interesses de uma alta camada de proprietários rurais, o lúcido e informado jornalista Alberto Grille, à frente da revista Caras y Caretas, proporciona uma ilustrativa galeria de protagonistas diretos.

Segundo afirma, a metade do Conselho de Ministros, incluindo o presidente da República, são produtores agropecuários, estão casados com latifundiárias, são filhos de latifundiários, herdeiros de latifundiários, comerciantes de gado ou poderosos arrendatários.

Estão neste caso, diz, pelo menos o presidente Luis Lacalle Pou, o secretário da Presidência, Álvaro Delgado, e os ministros da Pecuária, Carlos María Uriarte, da Economia e Finanças, Azucena Arbeleche, cuja família se dedica à criação de gado com cerca de mil cabeças; do Transporte Luis Alberto Heber e da Habitação, Irene Moreira.

Trata-se do núcleo central da “coalizão oligárquica, idealizada, projetada e liderada pelo ex presidente Julio María Sanguinetti, e encabeçada nominalmente por Luis Lacalle Pou”, segundo Grille.

Os componentes do atual governo comandado por  Lacalle Pou são meros encarregados de canalizar os interesses econômicos dos latifundiários uruguaios

Agência Brasil
O presidente do Uruguay Luis Lacalle Pou

Para implementar os desígnios conservadores depois de 15 anos de Frente Ampla (FA), de progressismo e conquistas populares, o dominante na coalizão Partido Nacional elaborou um anteprojeto de Lei de urgente consideração (LUC), de 457 artigos, com a intenção de que o parlamento o aprovasse em 90 dias.

No entanto esta espécie de manifesto do retrocesso restaurador encontrou de imediato objeções alertadoras por parte da agora opositora FA sobre seu conteúdo e alcance, do movimento sindical que vislumbrou perdas de direitos para benefício empresarial e de organizações sociais por ameaças de cortes em programas protetores de populações vulneráveis.

Entre seus objetivos destacaram-se as empresas dos convênios coletivos, cortes da execução orçamentária, privatização das empresas estatais, desmantelamento da educação pública, ataque ao direito de greve e a repressão da mobilização popular.

O que fora acertado desde a campanha eleitoral do ano passado pela equipe mais próxima ao então candidato presidencial do PN, Lacalle, também não transcorreu, já no poder, sem empecilhos, posto que dentro da própria e conjuntural coalisão surgiram reparos quanto a formulações, que embora nunca de fundo, geraram mais demora.

Assim, entre idas e vindas do rascunho, com três datas sucessivas de adiamentos da apresentação da proposta ao Legislativo, em 2, 9 e 16 de março, pouco antes de vencida esta última oportunidade, o Ministério de Saúde Pública confirmou os primeiros casos de coronavírus Covid-19 no país.

De repente mudou a cor dos planos da direita uruguaia com a inevitável declaração de Emergência Sanitária que levou não só o governo, como a nação inteira, a estabelecer outras prioridades posto que agora trata-se de enfrentar uma crise de dramáticos impactos econômicos e sociais.

Embora a LUC, por força do evento global ficasse no momento em compasso de espera, o governo seguiu adiante com seus impopulares planos de aumentar as tarifas de eletricidade, água e telecomunicações, que encarecem o custo de vida.

Antes de tomar posse, Lacalle exigiu da Frente Ampla que decretar esses aumentos de preços, incluindo também os combustíveis, que agora ficaram fora de taxas, por uma tendência do mercado internacional à baixa, muito favorável, claro, ao agronegócio. E começou a pagar o apoio eleitoral do “campo”.

No mesmo sentido vai o mais recente pacote de medidas econômicas expostas pela mencionada Arbeleche, que incluem aumentos no IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) para trabalhadores com cartões de bancos que blindavam contra os pagamentos “por fora” por magnatas e cortes drásticos de gastos sociais públicos.

O que mais agradou ao grande capital foi o estímulo à subida do preço do dólar que coloca em vantagem competitiva os exportadores agropecuários e aqueles que recebem sua renda nesta sobrevalorizada moeda.

Por contraste significará uma brutal depreciação do peso uruguaio, de que só dispõe a imensa maioria das famílias do país, com o que poderá comprar menos bens e além do mais com o castigo da inflação em cascata gerada por uma desvalorização.

Certamente a crise do coronavírus, com mais de 300 contagiados, colocou no centro das atenções seu enfrentamento. Da oposição a Frente Ampla saudou e apoiou as medidas adotadas e implementadas pelo governo.

Mas considerou-as insuficientes e apresentou um elenco de propostas que tem entre suas principais contribuições o pagamento de uma renda provisória a cerca de 400 mil uruguaios, que ganham seu sustento em trabalhos informais diversos, sem cobertura de seguridade social, para que possam ficar em casa ante uma já prevista quarentena obrigatória.

Algo parecido aconteceu com a criação de um Fundo Coronavírus que inclui um bem vindo desconto salarial de 20 por cento para o presidente, ministros, legisladores, dirigentes de organismos autônomos e uma polêmica extensão aos demais funcionários e empregados estatais.

Opiniões críticas de figuras relevantes da FA concentram-se sobretudo na ausência neste esforço solidário dos ricos, do empresariado e dos mais privilegiados da sociedade, os que “fizeram muito dinheiro com a subida do dólar”, dos que recebem “salários faraônicos” de empresas privadas que trabalham para o Estado.

A “notória falta de equidade”, observada por eles, marca outra vez a oligarquia da restauração conservadora, até nas emergências humanas.

Hugo Rius, Correspondente de Prensa Latina no Uruguai.

Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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