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Equador: “São milhares de mortos, não há um bairro sem cadáveres na rua”, diz Chamorro

Há cerca de 10 dias, o sistema público de saúde e o serviço funerário do país colapsaram; situação equatoriana é a pior em todo o mundo, diz analista político
Mariane Barbosa
Diálogos do Sul Global
Franco da Rocha

Tradução:

O coronavírus tem afetado o mundo todo de maneira devastadora. Já são mais de 100 mil mortos atingidos pela Covid-19 e, aos poucos, os números de contágio na América Latina têm crescido e alarmado a população, que até um mês atrás assistia, como num filme de “fim do mundo” o vírus atingindo países mais ricos como China, Itália e Espanha.

Na América Latina, o vírus atingiu o Equador de maneira alarmante. Nas plataformas de divulgação oficiais, o país tem, nesta sexta-feira (10), cerca de 272 mortos. Porém, um levantamento feito pelo jornal equatoriano El Universo, aponta um número de 1.371 mortos no mesmo período, indicando uma defasagem nos dados oficiais do país.

Outro exemplo é o aumento de 300% dos enterros realizados na região de Guaiaquil, apontando um colapso não só do sistema de saúde, como do sistema funerário.

Para falar sobre o tema, a TV Diálogos do Sul entrevistou o analista político Amaury Chamorro, segundo o qual a quantidade de mortos per capita no Equador supera qualquer país do mundo. Ele  faz um alerta: “a situação em Guaiaquil é a pior do planeta nesse momento.”

“Lembramos que o Equador é do tamanho da cidade de São Paulo, e o governo não tem o sub-registro das pessoas contaminadas nem de pessoas que estão sendo tratadas nem de mortos. O governo não faz a menor ideia do que está acontecendo”, comenta o analista. “Quando se fala em ‘alguns mortos’, não! São milhares de mortos, não há praticamente um bairro que não tenha cadáveres na rua, ou nas casas das pessoas”, diz.

Chamorro, que trabalha como analista de comunicação de diversos países da região explica que com o colapso do sistema público no país, as pessoas pediam por ambulâncias que nunca chegavam. Como medida de desespero, algumas levavam os infectados em seus próprios carros, chegando a hospitais que não tinham condições de atendê-los, fazendo com que voltassem com os doentes de todas as idades para suas casas.

Sem assistência médica, os doentes que voltam para casa ou os que ficam na espera da ambulância acabam falecendo e sem o serviço funerário para retirar os corpos dessas residências, “a grande maioria deles envolvia o cadáver no saco de lixo e o punha na porta de casa ou na calçada para evitar contaminação do resto da família”, denuncia Chamorro, que ressalta a inutilidade da ação, uma vez que “a pessoa acabou convivendo com aquele cadáver e com aquele doente durante o processo da doença, o que afetou praticamente a saúde de toda a cidade”.

Há cerca de 10 dias, o sistema público de saúde e o serviço funerário do país colapsaram; situação equatoriana é a pior em todo o mundo, diz analista político

Reprodução/ Twitter
Governo equatoriano passou a distribuir caixões de papelão para enterros, diante do colapso do sistema funerário do país

“Infelizmente isso ajuda [na contaminação], mas destrói o mito de que tem que ter cuidado com os velhinhos quando, na verdade, a média de idade das pessoas que estão morrendo é de 20, 30, 40 anos”, afirma. “Têm crianças de cinco anos que já morreram de coronavírus.” 

“O governo não faz ideia sequer de como recolher os corpos”

O analista conta que, em Guaiaquil, praticamente todas as famílias têm um doente ou alguém que já morreu. Rico, pobre, branco, preto, índio, todo mundo. E denuncia a falta de atendimento por parte do governo. 

“Eles não fazem ideia sequer de como recolher os corpos, já perderam milhares e as famílias não sabem onde estão os cadáveres, o governo recolheu de qualquer maneira, sem identificar, então você tem milhares de pessoas procurando na rua, nos hospitais, em qualquer lugar”, diz Chamorro.

“O governo está recolhendo [os corpos] com caminhões contêineres, daqueles de frigorífico, eles tentam esconder. Chegam de madrugada nos hospitais, carregam 200 corpos de um só hospital, enchem o contêiner e vão embora com o caminhão escoltado pelo Exército e ninguém sabe pra onde vão esses corpos”, denuncia. “A situação é de uma dramaticidade sem igual, nunca o país viveu uma coisa parecida e isso é só o começo.”

 

Um momento político regado a mentiras

 

As mentiras espalhadas pelo governo de Lenín Moreno para esconder o caos no Equador têm se tornado absurdas diante do drama sem respostas vivenciado pela população.

Há pouco mais de três anos o país vive um momento delicado na política. Vanessa Martina Silva, editora da Diálogos do Sul explica que Lenín Moreno, atual presidente do Equador, foi eleito com o apoio do então presidente e colega de partido Rafael Correa, mas ao chegar ao poder deu um golpe e tomou o controle do partido. Hoje, Moreno tem o controle de cerca da metade da Assembleia Nacional do Equador. “Lenín Moreno foi vice-presidente de Correa durante 6 anos, dos 10 anos que ele foi presidente”, completa o analista. 

Amaury Chamorro / El Tiempo ArgentinoAtualmente, Rafael Correa está auto-exilado na Bélgica e, recentemente, foi condenado a oito anos de prisão e perda de seus direitos políticos. “O que Lenin fez, foi afastá-lo através de uma ação política e dar uma giro total através do neoliberalismo”, explica ao dizer que Moreno ganhou a eleição com “uma proposta de governo amplamente progressista, fazendo muito mais profundidade a mudança dos indicadores de desenvolvimento humano e econômico”.

Há menos de um ano para a eleição presidencial, que de acontecer em fevereiro de 2021, Chamorro explica que o atual governo tem controle absoluto dos meios de comunicação no país, o que levou as empresas de mídia a esconderem o tamanho do problema. “Eles falavam que algumas pessoas estavam morrendo em casa, que a doença é muito grave, que tem que ter cuidado, tem que lavar a mão, mas isso quando, na verdade, já havia milhares de pessoas mortas na rua de Guaiaquil”, denuncia.

Veja a entrevista completa:

O que, segundo o analista, levou a população a tirar fotos, filmar e postar em suas redes sociais. “Tudo começou a se encher de fotos, vídeos, de pessoas pedindo ajuda, dizendo ‘olha, minha mãe acabou de morrer’ e a mãe morta no sofá. ‘Olha meu pai está para morrer’. E o pai sentindo falta de ar”, conta.

A partir das denúncias e pedidos de ajuda feitos na internet, o tema se tornou uma tendência mundial e os meios de comunicação de todo o planeta passaram a evidenciar o que está acontecendo no país. “Ficou em evidência que as empresas de comunicação estavam tentando esconder a situação, tentando diminuir a gravidade”, explica ao citar o forte trabalho na criação de fake news e mentiras explícitas para abafar a verdade.

Vírus democrático

“O que eu vejo para daqui alguns meses são pessoas saindo com faca na mão para brigar por comida”, diz o analista ao explicar que o Equador é praticamente soberano em sua produção alimentar. 

“Só que essa população que produz, que vende aos mercados, está doente, então vai começar a faltar comida para o rico e para o pobre, assim como já falta hospital para o rico e para o pobre”, diz Amaury Chamorro. “Coronavírus não tem classe social. Obviamente que estar em sua mansão, com o seu mercado completo e sua geladeira cheia é muito mais fácil resistir do que morar em uma casa de 20 metros quadrados com 10 pessoas dentro.”

Chamorro explica que o primeiro caso de contágio no Equador se deu através de um casal muito rico, que voltou ao país após passar um tempo na Itália e participaram de um casamento com 400 pessoas da alta sociedade do país. Em pouco tempo, a elite inteira do Equador estaria contaminada, mas de forma silenciosa, por baixo dos panos. De modo que os trabalhadores da classe operária que tiveram contato de algum modo também espalharam o vírus pelo país. “E foi assim que começou o desastre em Guaiaquil, diz.

O analista conta que em uma semana já não haviam mais leitos nos hospitais mais caros do Equador, e que as pessoas começaram a morrer porque os hospitais não estavam preparados. “Agora não tem oxigênio, respirador ou luvas. Seja para o médico privado ou para o sistema público. Você não tem mais suprimentos para atender a população e isso é o caos que pela primeira vez afetou a elite equatoriana, ressalta.

“Isso vai acontecer no Brasil também, é inevitável porque o Albert Einstein e o Sírio Libanês têm o mesmo número de UTI's e quando você tiver um milhão de afetados em São Paulo, eles não vão conseguir duplicar a capacidade de atendimento e a fila dos milionários vai ser quase igual à fila dos pobres”, explica Chamorro. “Obviamente eles em melhores condições. Eles vão morrer num sofá mais cômodo, mas eles vão morrer, porque o país não avançou corretamente, a atitude do Bolsonaro foi criminosa, genocida o que ele tá fazendo até agora”, critica. 

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Mariane Barbosa

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