Como se fosse sem querer, a apresentadora do programa do Canal N, Carla Linares apresentou recentemente uma declaração da senhora Mercedes Aráoz. Anunciou-a como “a Vice-Presidenta da República”, como se não soubesse que ela apresentou sua renúncia no ano passado, e que não cumpre nenhuma função no Governo atual.
Em sua intervenção, a senhora Araoz disse que, ao não ter sido aceita ainda sua carta de renúncia à função que desempenhava, ela seguia sendo a titular do posto e que assumiria a condução do país se “algo acontecesse” com Martín Vizcarra.
E indo além, sustentou que em tal caso, sua gestão seria meramente protocolar, dado que encomendaria as funções de governo ao Presidente do Conselho de Ministros, até a convocatória de novas eleições.
Não disse quem seria designado por ela para Presidente do Conselho de Ministros, mas não há dúvida que ele e seus colegas de Gabinete estariam entre aqueles que, na noite de 30 de setembro passado, a proclamaram como “presidente interina” em meio ao júbilo da reação golpista.
RPP
O presidente Martín Vizcarra e a ex vice presidente Mercedes Aráoz, que renunciou ao cargo no ano passado
Intenções escancaradas
O assunto poderia passar despercebido. Mas se somarmos a isso as declarações do Vice Almirante Jorge Montoya, a campanha que fazem cotidianamente Phillips Butters e Jaime Bayli na TV, as palavras do ex-congressista Roberto Vieira e as incongruências que fazem circular nas redes os adeptos do APRA e do Fujimorismo, os quais com insolência inaudita qualificam Vizcarra de “traidor”, poderíamos perceber que não se trata de uma expressão isolada. O que buscam é simplesmente derrubar Vizcarra.
A intenção forma parte de uma estratégia golpista impulsionada descaradamente pela Máfia e pelos segmentos mais reacionários, que não toleram, sob nenhum pretexto, que se levantem vozes questionando seu poder e seus privilégios.
O que foi que indignou estes segmentos que hoje se levantam? Em primeiro lugar o fato de que, diante da pandemia, Vizcarra tenha imposto a ideia de que se trata de um fenômeno social, e por isso há que atender prioritariamente os problemas da população. Eles teriam ficado mais satisfeitos se o presidente Vizcarra tivesse dito – como Donald Trump e Jair Bolsonaro – que o mais importante era “salvar a economia”, e, portanto, dar todas as facilidades ao empresariado para que funcione sem considerar o custo social da crise.
Em outras palavras, que se estenda a todos os setores o que hoje se faz no setor de mineração, no qual as empresas continuam extraindo a riqueza do subsolo à custa do esforço – e da vida – dos trabalhadores. Hoje se sabe que quase 500 mil trabalhadores estão infectados com a Covid-19 sem que a Sociedade de Mineração diga algo, nem a CONFIEP expresse a menor preocupação.
É sabido que o governo – para tranquilizar os empresários – lhes outorgou uma série de benefícios. Mas acontece que para eles nada é suficiente. Não só não querem perder nem um centavo com a crise, mas pretendem – ademais–- crescer com ela e arrancar do governo novos privilégios e maiores lucros. Os que os deixou furiosos, nesse marco, é que o governo tenha sugerido a possibilidade de estabelecer um imposto aos mais ricos.
Estes – os mais ricos – talvez poderiam aportar algo de seus lucros, mas só se essa ação fosse mostrada como expressão de sua “elevada generosidade”. O que não estão dispostos a aceitar é que “confisquem” um centavo sequer de seus “lucros legítimos”. Isso é, para eles, uma questão de princípios.
Deram agora um golpe com a cumplicidade de certos juízes ao dispor a liberdade de Keiko Fujimori. Não a libertaram para que vá passar a quarentena com suas filhas. Retiraram-na da prisão como um sinal de força do fujimorismo, para que possa se candidatar, sem maior trava, às eleições de 2021.
E para arredondar esse trabalho, agora propõem – a fim de evitar um “segundo turno” – que a eleição se faça em só um turno, e se declare ganhador quem tiver mais votos. Com essa norma, Keiko teria sido vitoriosa em 2016, e seria Presidente agora. Não deu!
Para concretizar seus planos o que a Máfia necessita é que cresça na cidadania a ideia de que “fracassou” a campanha do governo contra a pandemia. Que, por um lado, haja cada vez mais contaminados e mortos; e que, por outro, nasça a desconfiança na população e se incremente o caos. Por isso é que se registram fenômenos inéditos na vida nacional.
Mercados abarrotados, presídios amotinados, estradas bloqueadas, bem podem ser considerados sinais da incapacidade das autoridades que não encontram saída a problemas graves e deixam que se perceba alto nível de descontrole. As declarações de Carlos Bruce publicadas pelo diário “Correo”, são sintomáticas: “A culpa do manejo desta epidemia, é do governo”.
É preciso ter claro o fato de que embora formalmente não apareçam declarações de dirigentes apristas ou líderes fujimoristas, isso não significa que não estejam ou que tenham desaparecido. É que simplesmente estão trabalhando de outro modo, buscando minar as bases do poder atual para fazer o que querem e recuperar posições perdidas.
Estar alerta e perceber este perigo não implica apoiar o governo, que assume políticas equivocadas em temas essenciais, mas sim recusar com firmeza as ações de uma Máfia envilecida e derrotada, que trabalha na sombra de um Poder que busca ensanguentar nosso solo. Muito cuidado com isso!
Gustavo Espinoza M. colaborador da Diálogos do Sul desde Lima, Peru
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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