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Guatemala: quando um Estado capturado pela corrupção deixa de ser legítimo

O cenário na Guatemala se assemelha à catástrofes humanitárias de países em guerra e dominados por um sistema que impede ao povo qualquer reação
Carolina Vásquez Araya
Diálogos do Sul Global
Cidade da Guatemala

Tradução:

Se a Guatemala cruzou por abusos extremos contra seu povo, com um conflito armado interno por mais de quatro décadas e o atroz genocídio dos povos indígenas, hoje enfrenta uma das provas mais duras e definidoras de sua história recente.

Presos em um sistema que não deixa espaço algum para a participação cidadã, os guatemaltecos observam como – graças a um pacto perverso – as cúpulas empresariais e políticas derrubam, com o respaldo do exército, qualquer vislumbre de institucionalidade e praticamente declaram o estabelecimento de mais uma ditadura em uma história infestada de delitos contra o povo. 

O presidente não preside. É um títere do setor empresarial organizado que tem o poder sequestrado por décadas através de uma entidade a partir da qual utiliza toda classe de mecanismos para proteger seus privilégios, à custa do desenvolvimento do país.

Enquanto isso, o setor político se aferra a uma lei eleitoral e de partidos políticos (LEPP), elaborada com toda a intenção de impedir uma eleição verdadeiramente popular e democrática das autoridades; e para garantir a continuidade de um sistema podre até a medula.

Desse modo têm sido capazes de retorcer a justiça, apoderando-se dos tribunais, bem como estabelecer pactos com o Departamento de Estado com o propósito de evitar a “ameaça” de uma mudança de direção política para um sistema mais justo. 

O cenário na Guatemala se assemelha à catástrofes humanitárias de países em guerra e dominados por um sistema que impede ao povo qualquer reação

Venezuela Notícias
O novo presidente guatemalteco, Alejandro Giammattei

Cenário de Guerra

O panorama de hoje põe a cereja no bolo ao confinar a cidadania diante da ameaça de um contágio viral. O pacto dos corruptos tem a mesa posta para executar – literalmente – toda classe de manobras com a finalidade de eliminar de golpe a sombra de democracia que ainda resiste.

O cenário no país se assemelha às piores catástrofes humanitárias de países em guerra. As imensas somas de dinheiro procedentes do narcotráfico blindam certos políticos contra qualquer tentativa de depuração e se filtram facilmente para o sistema jurídico com a fim de evitar uma tentativa de frear seus abusos.

A paralisia cidadã se vê hoje agravada pela doença e pela morte. Carentes de atenção sanitária de qualidade — e, pior ainda, carentes de tudo em grande parte do território – milhões de pessoas estão condenadas à sua sorte por ordem presidencial.

O governo, incapaz de executar os fundos destinados a atender a população e estabelecer medidas de contenção contra a pandemia, se declara abertamente incompetente e a deixa abandonada.

E em um país onde a miséria tem sido política de Estado e onde mais da metade da população infantil padece de desnutrição crônica, os efeitos dos coronavírus se assemelham a um incêndio devastador. Só sobrarão cinzas. 

O cinismo dos governantes – dos três poderes do Estado – é uma realidade contra a qual não se observa qualquer reação do povo, além da frustração e da ira expressadas em redes sociais.

Divisão impede reação

No entanto, essa ira acumulada não tem uma saída efetiva devido à divisão cultural, social, econômica e étnica da cidadania; e devido também a que ela foi privada de acesso a uma educação de qualidade capaz de dar-lhe ferramentas de análise.

Isso tem permitido a infiltração de entidades a partir das quais se convenceu o povo que a salvação reside na fé. Uma manipulação espiritual convertida em lucrativo negócio para as igrejas pentecostais.

Hoje, o povo necessita recuperar a dignidade que lhe foi arrebatada durante sua história e para isso requer coragem, mas sobretudo compreender a importância do seu papel nesse processo. 

Um Estado capturado pela corrupção deixa de ser legítimo.

Carolina Vásquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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