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ToggleSe a Guatemala cruzou por abusos extremos contra seu povo, com um conflito armado interno por mais de quatro décadas e o atroz genocídio dos povos indígenas, hoje enfrenta uma das provas mais duras e definidoras de sua história recente.
Presos em um sistema que não deixa espaço algum para a participação cidadã, os guatemaltecos observam como – graças a um pacto perverso – as cúpulas empresariais e políticas derrubam, com o respaldo do exército, qualquer vislumbre de institucionalidade e praticamente declaram o estabelecimento de mais uma ditadura em uma história infestada de delitos contra o povo.
O presidente não preside. É um títere do setor empresarial organizado que tem o poder sequestrado por décadas através de uma entidade a partir da qual utiliza toda classe de mecanismos para proteger seus privilégios, à custa do desenvolvimento do país.
Enquanto isso, o setor político se aferra a uma lei eleitoral e de partidos políticos (LEPP), elaborada com toda a intenção de impedir uma eleição verdadeiramente popular e democrática das autoridades; e para garantir a continuidade de um sistema podre até a medula.
Desse modo têm sido capazes de retorcer a justiça, apoderando-se dos tribunais, bem como estabelecer pactos com o Departamento de Estado com o propósito de evitar a “ameaça” de uma mudança de direção política para um sistema mais justo.
Venezuela Notícias
O novo presidente guatemalteco, Alejandro Giammattei
Cenário de Guerra
O panorama de hoje põe a cereja no bolo ao confinar a cidadania diante da ameaça de um contágio viral. O pacto dos corruptos tem a mesa posta para executar – literalmente – toda classe de manobras com a finalidade de eliminar de golpe a sombra de democracia que ainda resiste.
O cenário no país se assemelha às piores catástrofes humanitárias de países em guerra. As imensas somas de dinheiro procedentes do narcotráfico blindam certos políticos contra qualquer tentativa de depuração e se filtram facilmente para o sistema jurídico com a fim de evitar uma tentativa de frear seus abusos.
A paralisia cidadã se vê hoje agravada pela doença e pela morte. Carentes de atenção sanitária de qualidade — e, pior ainda, carentes de tudo em grande parte do território – milhões de pessoas estão condenadas à sua sorte por ordem presidencial.
O governo, incapaz de executar os fundos destinados a atender a população e estabelecer medidas de contenção contra a pandemia, se declara abertamente incompetente e a deixa abandonada.
E em um país onde a miséria tem sido política de Estado e onde mais da metade da população infantil padece de desnutrição crônica, os efeitos dos coronavírus se assemelham a um incêndio devastador. Só sobrarão cinzas.
O cinismo dos governantes – dos três poderes do Estado – é uma realidade contra a qual não se observa qualquer reação do povo, além da frustração e da ira expressadas em redes sociais.
Divisão impede reação
No entanto, essa ira acumulada não tem uma saída efetiva devido à divisão cultural, social, econômica e étnica da cidadania; e devido também a que ela foi privada de acesso a uma educação de qualidade capaz de dar-lhe ferramentas de análise.
Isso tem permitido a infiltração de entidades a partir das quais se convenceu o povo que a salvação reside na fé. Uma manipulação espiritual convertida em lucrativo negócio para as igrejas pentecostais.
Hoje, o povo necessita recuperar a dignidade que lhe foi arrebatada durante sua história e para isso requer coragem, mas sobretudo compreender a importância do seu papel nesse processo.
Um Estado capturado pela corrupção deixa de ser legítimo.
Carolina Vásquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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