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Com 21 mil mortes e sistema de saúde colapsado, peruanos exigem ações contra Covid

“Em meio a pandemia, temos o dever de não ignorar a realidade mundial. O Peru é um fragmento de um mundo que segue uma trajetória solidária”
CEDIS - Centro de Estudos “Democracia, Independência e Soberania
Lima

Tradução:

O agravamento da pandemia desatada também em nosso país e que já deixou uma dolorosa sequela de afetados e falecidos, os problemas da economia, a pressão empresarial e as fraquezas do governo finalmente derivaram em uma aguda crise política.

Em primeira instância ela se expressou na queda do Gabinete Zeballos e depois na negativa do Congresso da República de outorgar a confiança de rigor ao novo Conselho de Ministros liderado por Pedro Cateriano.

Como é de lei, este fato finalmente deu lugar à designação de uma nova equipe ministerial – da qual não formam parte nem Ruggiero, nem Belaunde, ligados diretamente à CONFIEP — encabeçado por Walter Martos, um militar retirado que vinha se desempenhando na pasta de Defesa. 

A nova equipe de governo deverá obter a confiança do Congresso da República, em um marco no qual novos fatores incidiram no cenário nacional e não cessam as pressões empresariais empenhadas em fortalecer o peso da classe dominante em detrimento das grandes maiorias nacionais. 

A ofensiva do coronavírus continua em alta

Entretanto, objetivamente, a letal ofensiva do coronavírus tem se agravado significativamente depois que se dispôs o fim da quarentena e o retorno a uma presumida “nova normalidade”. O número de pessoas afetadas pela pandemia se aproxima do meio milhão e o de falecidos situa-se em 10% dessa cifra.

Coincidindo com outros qualificados porta-vozes, no Peru foram adotadas, no início, medidas adequadas para enfrentar esse flagelo: o distanciamento social, o uso de máscaras, a recomendações de higiene e a própria quarentena foram  – efetivamente – disposições apropriadas que deram resultado em outros países que hoje venceram esse mal.

Não obstante, no Peru não se conseguiu tal propósito e a Covid-19 incrementou sua presença e causou consideráveis prejuízos à população.

Isso ocorreu por diversos fatores, mas os mais importantes foram quatro: a precariedade da estrutura econômica do país; a incapacidade manifesta do sistema de saúde; a corrupção generalizada que afeta o conjunto da sociedade; e os erros, e limitações do governo, que não tem sido capaz de superar as armadilhas causadas pelo modelo neoliberal em vigor.

Modelo de gestão

Há quarenta anos, a classe dominante impôs no país um “modelo” de gestão econômica e social irracionalmente explorador. Como consequência disso, 72% da população economicamente ativa (PEA) é informal e o desemprego se foi institucionalizando em níveis muito altos.

A população empregada ganha pouco e tem péssimas condições de vida e trabalho. A isso se acrescentam os desníveis registrados entre a população urbana e a rural, e o fato é que 30% dos habitantes do país vive em condições de pobreza severa, em moradias precárias, insalubres e apinhadas. Carecem de água e de serviços básicos e não tem nenhuma condição de poupar. 

Tudo isso fez com que muita gente não tivesse a possibilidade de suportar uma prolongada quarentena e se visse forçada a sair à procura de recursos e alimentos cotidianamente.

Sistemas de saúde e corrupção

O sistema de saúde tampouco teve capacidade de atender à população afetada pela pandemia. A rede pública encarregada dessa tarefa colapsou praticamente desde o início e ainda hoje registra deficiências que se tornam objetivamente insuperáveis.

O sistema privado de saúde, que se ofereceu como alternativa, especulou com a crise e se dispôs a obter lucros descomunais. O atendimento nas clínicas elevou seus custos de maneira desmedida, o que aconteceu também com os preços de medicamentos e de insumos básicos que estiveram absolutamente fora do alcance da população. Um fato similar ocorreu com os balões de oxigênio que foram oferecidos a preços muito altos, e com os instrumentos de biossegurança.

A corrupção gerou o ascenso de máfias que especularam com todos os recursos sanitários e privam a população dos serviços médicos essenciais.

O governo, por sua parte, atado ao sistema de dominação vigente e sem possibilidade de administrar recursos para auxiliar a cidadania, não pode tampouco adotar medidas que rompessem os cânones impostos e se esforçou por conciliar com práticas nocivas, o que lhe impediu de atender os requerimentos básicos da população. 

Essa realidade foi detectada desde o início da pandemia, mas não foi assinalada nem combatida pelas autoridades que optaram por conciliar com práticas perversas e procedimentos turvos.

No outro extremo, segmentos pauperizados da população não receberam os bônus anunciados pelo governo como ajuda aos mais vulneráveis; mas os chamados “programas de reativação” foram orientados em proveito de setores que não estavam realmente afetados pela crise sanitária. 

Então aconteceu o que se constata hoje, e que tem que ser encarado com medidas práticas e executivas. O governo tem como principal dever programá-las e impulsioná-las. O essencial é pôr em prática, e com força, a solidariedade comunitária. É a única que pode, realmente, ajudar-nos a vencer a pandemia. 

Brigadas Médicas Cubanas 

A presença das Brigadas Médicas Cubanas que chegaram a nossa pátria mediante um acordo soberano em defesa da saúde e da vida, subscrito pelos governos do Peru e de Cuba, é um passo sério nesta direção. Hoje, essas brigadas trabalham esforçadamente em Moquegua, Arequipa, Ayacucho e Chimbote salvando vidas e ganhando a simpatia e o apoio da população. 

A resistência oferecida pelas forças reacionárias que combateram esse convênio, no entanto, não cessaram e se mantém ainda – embora de modo soterrado – em determinados círculos médicos e mais abertamente nos meios de comunicação ao serviço da oligarquia.

Os estudantes peruanos formados em Cuba – muitos dos quais estão cumprindo heroicamente suas tarefas profissionais – têm o dever de cerrar fileiras e derrotar esta campanha. Um símbolo disso é o sacrifício do Dr. José Paredes Abanto, caído no cumprimento de suas tarefas, e cuja memória deve ser honrada por nosso povo.

Além da vontade de uns e outros, o problema da saúde em nosso país não pode passar a segundo plano, relegado pelos requisitos da “recuperação econômica”. 

“Em meio a pandemia, temos o dever de não ignorar a realidade mundial. O Peru é um fragmento de um mundo que segue uma trajetória solidária”

Youtube / Reprodução
É indispensável que o país inteiro insista na ideia de que a batalha principal é pela vida

Sem saúde, não pode haver recuperação 

A CONFIEP e grupos vinculados a ela, assim como os meios de comunicação têm insistido na “imperiosa necessidade” de recuperar a economia. Para esse efeito, têm usado os programas oficiais como operações de “resgate financeiro” e têm pretendido usá-los para pôr em marchas seus negócios. Para este efeito, têm recorrido aos trabalhadores, confirmando que são os trabalhadores – e não o capital – que geram a riqueza.

Os empresários usaram primeiro 61 bilhões de soles para se “ressarcir” das perdas registradas na marco da pandemia. Depois se beneficiaram com o apoio do Estado para as folhas de pagamento. Após, demandaram benefícios tributários e a postergação de pagamentos ao Estado.

Adicionalmente, arrancaram do governo o decreto que normatiza a “suspensão perfeita” das relações trabalhistas, desse modo despedindo mais de 450 mil trabalhadores. 

Hoje, querem somar a tudo isso novos benefícios, razão pela qual, através do Gabinete Cateriano, inseriram novos ministros adeptos de suas exigências nos ministério do Trabalho e de Minas. Embora isso tenha sido parcialmente superado, ainda subsistem dificuldades e perigos porque a ofensiva patronal não cessa.

Batalha pela vida

Neste marco, é indispensável que o país inteiro insista na ideia de que a batalha principal é pela vida e pela saúde da população, e não pelos negócios dos empresários. 

Urge então um programa que permita valer-se da habilitação de centros de atendimento primário e hospitalização. Se a rede hospitalar colapsou, há que usar outros ambientes para o mesmo efeito; locais escolares que não estão funcionando, igrejas, centros comunitários e paroquiais, dependências públicas, unidades militares e instituições armadas, devem ser habilitadas como áreas de hospitalização. 

E é preciso estimular a produção imediata de respiradores mecânicos idealizados no país pelas universidades. É ainda indispensável estimular e abastecer os Comedores Populares e, mediante eles atender a população também com medicamentos e outros dispositivos de proteção à saúde, como máscaras, protetores faciais e indumentária de segurança. 

É indispensável, nessa ordem de coisas, melhorar a situação do pessoal médico e hospitalar. É inadmissível constatar que médicos, enfermeiras e outros, que faleceram, não tinham tido nomeações, mas contrato a prazo fixo e recebido remunerações mesquinhas e eventuais. Assegurar o pessoal de saúde constitui um imperativo na atual conjuntura, quando precisamente se constata a insuficiência destes profissionais. 

E é indispensável também fortalecer a educação cidadã, assegurando que cada quem adote as medidas de proteção indispensáveis. E se for preciso, estimular e dispor de uma quarentena ainda mais rígida, se a crise sanitária assim o requerer. 

Um programa de ação que beneficie o povo

O que se requer, e o que o país reclama aos autoridades hoje, é um programa efetivo e concreto que nos permita derrotar a pandemia e recuperar as possibilidades de desenvolvimento do país. 

Temos a possibilidade de fazê-lo, apesar de todas as dificuldades, mas com a condição de que seja facilitada a participação da cidadania, se estimule a ação organizada da população. Se não for possível – como confirmou a experiência, deve-se depositar a esperança em um povo honrado que não tem compromissos com o passado e que nunca teve realmente possibilidades de gestão. 

As organizações sindicais e as instituições de cultura, as federações estudantis e as entidades representativas dos mais amplos aspectos da vida peruana, têm a palavra. As capas tradicionalmente marginalizadas, as populações originárias, os sindicatos, as mulheres, os jovens, os camponeses, os profissionais e os técnicos, habitualmente excluídas da gestão pública podem desempenhar um papel protagônico na tarefa de recuperar o Peru e ir adiante. 

Para este efeito é indispensável corrigir rumos, o que não será possível nos marcos em que hoje se move a atual administração do Estado. A convocatória de novas eleições gerais para abril do próximo ano poderia permitir-nos encarar essa tarefa com a condição de que se construa a mais ampla unidade das forças progressistas e democráticas e se derrotem os grupos mafiosos do passado.

Corresponde à esquerda política liderar essas iniciativas depondo ambições pequenas, interesses subalternos e afãs caudilhistas. É hora da soma e da vitória. A ela estamos chamados aqueles que combatemos esforçadamente pelos verdadeiros interesses do Peru. 

O cenário mundial alenta a esperança

A poucos meses das eleições presidenciais nos Estados Unidos, a administração ianque aumenta pressões contra os povos. Desta vez elas se fizeram mais notáveis na América Latina pela ofensiva brutal com a qual o governo estadunidense assedia a Cuba socialista, à Venezuela bolivariana e a Nicarágua sandinista. 

Em lugar de suspender o bloqueio até por razões humanitárias, como têm demandado inclusive governos capitalistas de diversos países, o senhor Trump insiste na intenção de afogar Cuba, derrubar o governo de Nicolás Maduro na Venezuela e gerar novamente caos e violência contra a gestão sandinista do presidente Ortega. Encontrou-se, no entanto, com uma resposta digna e firme de povos e governos ameaçados por essa ofensiva sinistra.

Washington não descansa em sua ofensiva contra os povos e alimenta uma sistemática campanha de ódio contra a República Popular da China e contra a Rússia de nosso tempo. Detesta que esses governos tenham se convertido em contrapeso de suas intenções imperiais e busca em vão desacreditar suas políticas diante dos olhos do mundo.

Lhe indigna que a RP da China tenha combatido a pandemia com mais êxito e menos prejuízos que os Estados Unidos; e que a Rússia tenha criado uma vacina anti-Covid e a ponha a serviço da América Latina e do mundo a partir de outubro. É deplorável, no entanto, que na relação dos 7 países da região que – além de Cuba, Venezuela e Nicarágua – receberão essa vacina, não se encontre o Peru, simplesmente por desídia das autoridades peruanas. 

Em nossa região, no entanto, governos abertamente reacionários, como Bolsonaro no Brasil, Piñera no Chile, Añez na Bolívia e Duque na Colômbia, aumentam sua ofensiva contra os povos, o que nos impõe, adicionalmente, tarefas solidárias. E essa solidariedade deve se estender, na conjuntura, ao sacrificado povo do Líbano, que hoje atravessa um horrenda drama derivado de uma tragédia ainda não suficientemente esclarecida

Também no plano internacional, é hora de somar para isolar e derrotar os inimigos da paz, do progresso e do desenvolvimento. Não devemos nunca esquecer do preceito Mariateguista: “Temos o dever de não ignorar a realidade mundial. O Peru é um fragmento de um mundo que segue uma trajetória solidária”.

Ao completar-se nos próximos dias um novo aniversário do nascimento do Comandante Fidel Castro e os 90 anos de Tomás Borge, é nosso dever honrar suas memórias.

Lima, 8 de agosto de 2020

CEDIS – Centro de Estudos “Democracia, Independência e Soberania

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
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