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Acordo com caminhoneiros prevê melhorias na infraestrutura, subsídios e repressão no Chile

"Apesar da paralisação ter terminado, a acusação contra o Ministro do Interior Víctor Pérez será apresentada pois tivemos um revés nacional" diz deputado
Aldo Anfossi
La Jornada
Santiago

Tradução:

O governo chileno e os donos de caminhões organizados na Confederação Nacional de Transporte de Carga do Chile (CNTC), chegaram nesta quarta-feira a um arranjo para concluir uma paralisação que se prolongou por uma semana, e que afetou a ordem pública e o abastecimento de alimentos e combustíveis principalmente no sul do país.  

A CNTC é uma das três confederações de proprietários de caminhões que existem no país; as outras duas, que não se somaram ao movimento, são a Confederação Nacional de Donos de Caminhões (CNDC), a mais antiga e numerosa; e Chile Transporte, que agrupa as grandes companhias transportadoras.

Ao anunciar o fim da paralisação, o presidente Sebastián Piñera disse que seu governo “tem se comprometido a impulsionar um conjunto de medidas para melhorar a segurança nas estradas, para melhorar a proteção aos transportadores e para dar melhor apoio às vítimas do terrorismo e esse compromisso o Governo  vai cumprir”.

Os dirigente da CNTC falaram de “suspensão” da mobilização e se declararam atentos a reiniciá-la se constatarem o não cumprimento das promessas oficiais.

Entre os compromissos assumidos por Piñera foi incluído que o Estado pagará indenizações pelos caminhões que venham a ser destruídos nas estradas e pelo lucro cessante decorrente da falta de atividades, o que originou imediatos questionamentos. 

“Parte do ‘acordo’ entre o governo e sindicatos de donos de caminhões, é escandaloso! Serão pagos os caminhões queimados, se pagará o lucro cessante e a diferença de salário entre seguro de demissão e o do contrato. Fará o mesmo com vítimas de outros delitos? Escreveu o senador opositor Felipe Harboe.

"Apesar da paralisação ter terminado, a acusação contra o Ministro do Interior Víctor Pérez será apresentada pois tivemos um revés nacional" diz deputado

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Entre os compromissos assumidos por Piñera foi incluído que o Estado pagará indenizações pelos caminhões que venham a ser destruídos

Ministro do Interior continua na berlinda

O pacto se produziu justamente quando setores da oposição – que tem maioria da Câmara de Deputados e no Senado – decidiram concretizar uma acusação constitucional por notável abandono de deveres contra o ministro do Interior, Víctor Pérez, a quem responsabilizam por tolerar que durante os últimos sete dias os caminhoneiros alterassem a ordem pública e a tranquilidade mediante o bloqueio do trânsito em estradas, o acesso a importante portos e cidades do país e por gerar desabastecimento de bens essenciais.

“O senhor ministro do Interior não esteve à altura do que o Chile requeria com urgência. Nem a resposta às reclamações dos caminhoneiros, que em princípio têm razão em reclamar segurança. mas tampouco esteve à altura do que o Chile reclama em termos de não desabastecer e gerar mais preocupação e problemas dos que estamos tendo na pandemia”, afirmou o deputado democrata cristão Iván Flores, agregando que a acusação constitucional conta com respaldo majoritário da oposição.

Acrescentou que apesar de a paralisação ter terminado, “a acusação vai ser apresentada porque hoje temos um alto custo, temos desabastecimento, temos um revés nacional e isso já está feito. Portanto, vai ser apresentado quando a tenhamos pronta”. 

É que a tolerância governamental com os caminhoneiros da CNTC durante toda a semana da paralisação foi evidente e flagrante aos olhos de muitos, de partida pelo não cumprimento das medidas sanitárias de “distanciamento social” e de acatamento do toque de recolher, por aceitar o fechamento parcial e a tomada de significativos trechos de importante estradas, o bloqueio à entrada e saída de carga dos grandes portos de San Antonio e Valparaíso, e além disso permitindo o desabastecimento de combustíveis e alimentos que começou a ficar evidente. 

“Oposição” queria mais repressão

A partir da oposição se reclamava que lhes fosse aplicada a Lei de Segurança do Estado, um corpo legal cuja invocação é faculdade exclusiva do governo e que busca castigar aqueles que “incitem a destruir, inutilizar, interromper ou paralisar, ou de fato destruam, inutilizem, interrompam ou paralisem instalações públicas ou privadas de iluminação, energia elétrica, de água potável, gás ou outras semelhantes; e os que incorram em qualquer dos atos anteditos com o fim de suspender, interromper ou destruir os meios ou elementos de qualquer serviço público, ou de utilidade pública“, castigando-os com penas especialmente agravadas.

Os transportadores têm reclamado por mais segurança nas estradas, especialmente na Região da Araucanía (uns 700 quilômetros ao sul de Santiago), onde está concentrado o chamado “conflito Mapuche”, a etnia originária do Chile, cujas terras e propriedades foram arrebatadas primeiro pelos conquistadores espanhóis e, posteriormente, em fins do século XIX, pelo próprio Estado chileno que as ocupou militarmente e com dura repressão, para depois entregá-las a colonos brancos e a grandes corporações florestais durante a ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990).

Particularmente durante os últimos dez anos, as organizações de resistência mapuche incrementaram suas ações reivindicativas e de recuperação de territórios despojados, da mesma forma que demandando o reconhecimento oficial do Estado chileno, respeito à sua cultura e valores ancestrais e exigindo níveis significativos de autonomia territorial

Resistência Mapuche

O Estado chileno tem feito ouvidos surdos a essas demandas e longe de uma resposta política – por exemplo, reconhecer seu caráter de estado plurinacional-, recorreu principalmente a uma crescente repressão.

Essas ações de resistência – que para muitos se trata de “ações terroristas” e contra as quais a extrema direita exige mais dureza na atuação policial e presença militar -, significaram a destruição de centenas de caminhões, maquinaria agrícola e florestal, além de casa e cabanas em fazendas e espaços de lazer, supostamente pela atividades subversiva que realizam clandestinamente grupos de resistência mapuche. 

Acordo prevê melhorias na infraestrutura, subsídios e mais repressão

Entre os acordos adotados por transportadores e o governo, mencionou-se que principalmente se trata de maior infraestrutura viária, habilitação de zonas de descanso, instalação de luminárias, câmeras de segurança e câmeras térmicas, ao mesmo tempo que garanta que por cada caminhão que for destruído o Estado compensará com um subsídio não reembolsável. 

O governo prometeu fortalecer as garantias da ordem pública, mediante o investimento de uns 7 milhões de dólares em infraestrutura policial, o aumento na presença de aeronaves policiais na zona sul e com o estabelecimento de uma coordenação especial de informação de inteligência. 

No Chile, as paralisações promovidas por empresários do setor de transporte rememoram dramaticamente acontecimentos que tiveram lugar, primeiro em outubro de 1972 durante três semanas e depois, a partir de julho de 1973 e até a ante sala do golpe militar que terminou com o governo do presidente Salvador Allende (1970/73); ocasiões em que com o apoio de grupos paramilitares da ultradireita, cortaram a cadeia de abastecimento por todo o país e cumpriram assim um papel fundamental para a derrubada de Allende e a instalação da ditadura de Pinochet.   

Aldo Anfossi especial para La Jornada desde Santiago do Chile

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Aldo Anfossi

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