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Pandemia mostrou aos peruanos que Estado foi posto a serviço de quadrilhas no poder

Nos 300 dias do “Estado de Emergência” disposto pelo governo, peruanos viveram diversas experiências políticas que deixaram lições precisas
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul
Lima

Tradução:

Dois importantes acontecimentos esperam os peruanos em 2021. O primeiro está previsto para abril. Serão as eleições presidenciais e parlamentares que serão celebradas no dia 11 desse mês e que parecem particularmente significativas. O segundo será o Bicentenário da Proclamação da Independência. 

Nos 300 dias do “Estado de Emergência” disposto pelo Estado, os peruanos viveram diversas experiências políticas que deixaram lições precisas na cabeça das pessoas. 

Todos pudemos perceber o fracasso do modelo de dominação vigente – o neoliberalismo – que provocou gravíssimos danos à vida nacional. Foi confirmada a quebra da estrutura econômica e social do país, a desarticulação de sua base produtiva, a informalização da economia, o incremento severo de desemprego, a destruição do sistemas de saúde e assistência sanitária; afetou a comercialização de produtos elementares como os remédios e converteu a educação em uma atividade lucrativa em benefício de simples mercadores. De forma paralela, institucionalizou a corrupção e o desgoverno, quebrou a moral pública e converteu os recursos do Estado em objeto de pilhagem. Isso explica a situação de ex-presidentes peruanos acusados de enriquecimento ilícito e assalta ao patrimônio do Estado. 

Os peruanos puderam constatar, adicionalmente, que todo o aparato do Estado foi posto a serviço de verdadeiras quadrilhas enquistadas na estrutura do poder, com o ânimo de perpetuar o sistema de dominação. 

Mandatários extremamente corruptos como Alberto Fujimori, Alejandro Toledo, Alan García ou Pedro Pablo Kuczynski foram os principais atores e beneficiários desta representação que golpeou seriamente os peruanos. Em alguns casos, outros como Ollanta Humala ou Martin Vizcarra menos comprometidos com essas máfias pretenderam oferecer uma certa resistência a essas políticas; mas o primeiro enfrenta processos por se referir a presumidos subornos do governo brasileiro, via Odebrecht; e o segundo deve responder por acusações diversas após o 10 de novembro passado. Nenhum deles tocou o neoliberalismo. 

Durante vários anos os peruanos ofereceram resistência a essas políticas. Isso explica as grandes mobilizações de massa ocorridas contra Alberto e Keiko Fujimori desde os anos 90 hasta até hoje, o combate a García e, sobretudo, a massiva ação de 9 de novembro e dias sucessivos que derrotou o Golpe Ultraconservador tramado desde o Congresso da República, que deixou sem jogo a dupla sinistra Merino-Flores, e que lhe impediu de concretizar seus propósitos. 

Todo isto está muito fresco na cabeça dos peruanos e se mostra no cenário eleitoral de hoje marcado pelo descrédito da direita, a desarticulação e dispersão de suas forças, e a ignorância de seus candidatos. Objetivamente, a direita não é agora carta eleitoral significativa. 

Nos 300 dias do “Estado de Emergência” disposto pelo governo, peruanos viveram diversas experiências políticas que deixaram lições precisas

Vatican News
Durante vários anos os peruanos ofereceram resistência a essas políticas.

Por isso tentou em novembro um Golpe preventivo que lhe permitisse diferir as eleições para outra oportunidade. Mas ainda não renunciou a esse propósito. Inclusive incuba a ideia de perpetrar um Golpe que ponha fim à campanha prevista para culminar em abril. Por outra estão preparando freneticamente as condições para fazê-lo possível. 

Se a direita fracassar em seus propósitos e as eleições se realizarem, a esquerda terá possibilidade reais de vitória. Sua candidata mais bem situada – Verónica Mendoza- poderia ser vitoriosa deixando muito longe inclusive seus competidores do mesmo espectro, Pedro Castillo e Marco Arana, também desacreditado por suas ações inequívocas nos acontecimentos de novembro.

O segundo grande acontecimento de 2021, o Bicentenário da Independência Nacional, será em 28 de julho deste ano, coincidindo com a subida do novo governo. Embora uma boa parte dos peruanos considere que não tem “nada a celebrar” dado que o país não é realmente independente e que a ação de 200 anos atrás foi finalmente escamoteada pelos liberais locais que impuseram um regime servil ao capital estrangeiro, de qualquer modo a data continua sendo significativa. 

Nela não cabe recordar somente a proclamação formal da Independência, mas sim os acontecimentos que a tornaram possível, ou seja, a luta contra o domínio estrangeiro desempenhada pelas populações originárias em solo peruano desde a chegada dos conquistadores.  

Reivindicar a resistência indígena, o sacrifício de Calcuchimac, a luta dos Incas de Vilcabamba, a gesta de Tupac Amaru I, o heroísmo de Juan Santos Atahualpa, a rebelião de Tupac Amaru e  Micaela, em  1780;  as sublevações de sublevações de Crespo e Castillo, de Pallardelle e Zela, de Cahuide e os irmãos s Angulo, o sacrifício de Melgar, o heroísmo do cura bonecas.

Também a ação dos exércitos libertadores. San Martin y Bolívar encabeçaram épicas jornadas e semearam consciência internacionalista que hoje toma corpo no processo emancipador latino-americano no qual homens de diversos países somam força para concretizar a vitória dos povos nesta Nossa América, como a chamaram José Martí e José Carlos Mariátegui.

Não celebraremos, certamente, La Mar, Riva Agüero ou Torre Tagle, que se deitaram monárquicos e amanheceram republicanos. Deixemos esse triste papel a seus seguidores. Nós celebraremos os nossos e suas lutas. Nelas se afirma o caminho da vitória.

* Colaborador de Diálogos do Sul, de Lima, Peru. 


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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