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ToggleA imprensa repercutiu, mundialmente, os protestos realizados no último domingo (11) em várias cidades de Cuba. Foi de fato um evento digno de nota, afinal desde os anos 1990, com o maleconazo, não víamos protestos tão amplos.
Ao procurar o que exatamente teria motivado a revolta popular, encontrei temas que realmente estão impactando a vida da população: aumento dos casos de Covid-19; cortes de luz; insatisfação com a situação econômica; entre outros. Um bom texto sobre o tema foi escrito pela pesquisadora Joana Salém e pode ser lido aqui.
Nada disso, porém, me pareceu explicar a ida às ruas e de forma tão organizada, em várias cidades e com forte repercussão internacional. Qual o componente novo? A internet.
O jornalista Julián Macías Tovar, de Madri, criador do site pandemia digital jogou luzes sobre o assunto ao publicar um interessante fio em seu Twitter. Com base em sua análise, publico as informações que se seguem neste texto:
A Covid em Cuba
A província de Matanzas, a 100 quilômetros da capital, Havana, está vivendo o pior momento da pandemia, com a chegada das variantes beta e delta, e a flexibilização das medidas de isolamento.
Na ilha, estão sendo registrados, nos últimos dias, cerca de seis mil novos casos de covid-19, mas somente em Matanzas, na última segunda (12), foram 1.468 novos casos. Até o momento, Cuba, com cerca de 11 milhões de pessoas, teve 1.608 vítimas fatais da doença.
Para efeitos comparativos, a cidade de São Paulo tem 12 milhões de pessoas. De acordo com o boletim oficial da Prefeitura, 1.307.572 pessoas foram contaminadas e 34.181 morreram.
Hospital de Matanzas
No dia 2 de julho, o presidente Miguel Díaz-Canel esteve em Matanzas para avaliar, com epidemiologistas, a situação. O governo anunciou, em 6 de julho, que os leitos para pacientes com covid seriam duplicados.
Ante el aumento de casos en #Matanzas también se trabaja con urgencia para habilitar nuevas capacidades hospitalarias. Desde el Gobierno central se envían recursos para reforzar el enfrentamiento a la epidemia. Ningún territorio está solo en esta lucha que es de todos.
— Miguel Díaz-Canel Bermúdez (@DiazCanelB) July 6, 2021
Da mesma forma, mais 500 profissionais da área da saúde foram deslocados para a província. Também foram convocados 100 médicos e igual número de enfermeiros da brigada internacionalista Henry Reeve, além de 370 profissionais recém-formados.
Pela segunda vez na semana, em 9 de julho, Díaz-Canel se dirigiu a Matanzas. “Hoje acordamos novamente com altíssimas cifras de novos casos e mortos pela covid-19, aos quais não estamos acostumados e não nos acostumaremos”, escreveu em seu Twitter.
Hoy amanecemos nuevamente con altísimas cifras de nuevos casos y fallecidos por la #COVID19, a las que no estamos acostumbrados ni nos acostumbraremos.
— Miguel Díaz-Canel Bermúdez (@DiazCanelB) July 9, 2021
#SOSCuba vindo do exterior
No dia 5 de julho usuários do Twitter começaram a usar a #SOSMatanzas e #SOSCuba para falar do colapso hospitalar em Matanzas.
O primeiro usuário que usou a hastag #SOSCuba fazendo relação com a covid postou um vídeo do hospital de Matanzas em 5 de julho. Em sua biografia, há uma bandeira da Espanha. Nos dias 10 e 11 postou mil tuítes e automatizou os retuítes (compartilhamento de mensagem), postando mais de cinco por segundo:
La primera cuenta que usó el HT #SOSCuba relacionado con el COVID fue con un vídeo del hospital de Matanzas por el colapso de casos COVID. Tiene una bandera de España en su bio, puso más de mil tuits tanto el 10 como el 11, y automatiza RTs poniendo más de 5 por segundo. pic.twitter.com/yMk4TRoAQO
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
Yamil Lage
Protestos realizados no último domingo (11) em Cuba.
Entre os dias 09 e 10, milhares de conteúdos foram postados — Matanzas teve recorde de três dias consecutivos em número de mortes e contágios. Porém, a principal conta a postar foi Augustín Antonietti, da Fundação Liberdade da Argentina:
El día 9 y 10 se pusieron cientos de miles de tuits con el HT por el aumento consecutivo en el número de muertes y contagios, batiendo records durante 3 días seguidos, una de las cuentas principales fue la de Antonneti de la Fundación Libertad de Argentina. pic.twitter.com/gEN73kr6PQ
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
Ocorre que essas contas estão sempre relacionadas a campanhas de desinformação e de desestabilização de outros países e são retuitadas por bots (contas automatizadas por robôs ou híbridas, com robôs e humanos operando).
No dia com mais mortes, sábado (10), quando morreram 31 pessoas, o usuário @carnota_96 publicou uma chamada para que os usuários marcassem seus artistas favoritos no post. Ele obteve 1100 comentários.
Porém, as contas que responderam a esse chamado são quase todas recém-criadas ou têm, no máximo, um ano de existência, como Macías mostra abaixo:
Una cosa llamativa es que si analizamos las cuentas que responden a ese tuit mencionando artistas y famosos, podemos ver que casi todas las cuentas son recién creadas, o tienen una antigüedad máxima de un año, como se puede apreciar en este vídeo. pic.twitter.com/fqnV3PU9kl
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
Chama a atenção também o número de contas que participaram do tuitaço e que foram criadas entre 10 e 11 de julho. São mais de 1.500 (a data pode ser observada na última coluna do vídeo abaixo).
Os artistas finalmente se somaram à campanha, a maioria colocou apenas a #SOSCuba, sem texto. Os meios de comunicação, como El Heraldo, e agências internacionais, como a Efe (espanhola), a DW (alemã) então passaram a difundir que “os famosos pediam um corredor humanitário”:
Muchos artistas con millones de seguidores participaron, poniendo en la mayoría un tuit solo con el HT #SOSCuba, sin ningún texto acompañando. Pero la mayoría de medios internacionales hablaron de que los famosos pedían un corredor humanitario. pic.twitter.com/bkrYoTGD4j
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
A tática utilizada foi a seguinte: milhares de contas — possivelmente bots — enviavam mensagens com a hastag para contas importantes. O conteúdo era o mesmo usado por dissidentes cubanos e por contas de ultradireita, como o Centro Democrático, da Colômbia, e o VOX, da Espanha:
De hecho miles de cuentas con actividad poco usual enviaban a todas las cuentas relevantes en redes mensajes con el HT en muchas ocasiones con la misma imagen usadas por disidentes cubanos y por cuentas de ultraderecha como políticos de Centro Democrático de Colombia y VOX. pic.twitter.com/CUQtmbRHKb
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
Uma das primeiras famosas a participar do tuitaço foi Mia Kalifa. Ela xingou o presidente cubano e questionou o fato de que não estava encontrando nenhum link para enviar dinheiro para Cuba.
Una de las primeras cuentas conocidas que participó en el HT fue Mia Kalifa, la que fuera actriz porno hizo vídeos y tuits contra el presidente cubano y usó el HT para decir que no encontraba ningún enlace para poder dar ayuda. pic.twitter.com/2oMndOhWUO
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
Finalmente, em 11 de julho, milhares de tuítes — de muitos artistas — fizeram com que o tema se tornasse tendência no Twitter mundial e em vários países, incluindo o Brasil. A ação nas redes coincidiu com a primeira manifestação em San Antonio de los Baños, como foi publicado pelo usuário Yusnaby, com milhares de retuítes.
Volviendo al HT, el día 11 con cientos de miles de tuits y la participación de muchas cuentas de artistas, se convirtió en tendencia mundial y en varios países, momento en el que sucedió la primera manifestación en San Antonio de Los Baños publicada por Yusnaby con miles de RTs pic.twitter.com/bSEQOuNuOa
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
Macías, que analisa as campanhas de desinformação pelo mundo, destaca que o nome Yusnaby (US Navy) é o que mais aparece em suas análises porque é um dos padrões das contas falsas automatizadas que divulgam fake News e campanhas de ódio. Eles têm em comum as mensagens exatas e o número de seguidores e contas seguidas, graças ao sistema automático para ganhar seguidores.
Algunas de las curiosidades del HT es la repetición de tuits exactos, en las que vemos este tipo de patrones automatizados con cientos de miles de tuits y número similar de seguidos y seguidores, por el sistema automatizado de ganancia de seguidores. pic.twitter.com/sGxi1g8hli
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
Outro clássico são as manipulações de imagens e vídeos, tirados de contexto e apresentados como representando uma realidade que não coincide. O programa do apresentador espanhol Risto Mejide, por exemplo, exibiu uma marcha realizada a favor do governo cubano e uma imagem de argentinos comemorando o título da Copa América como sendo de cubanos antigoverno.
Otro clásico en este tipo de campañas es la distribución de imágenes y vídeos manipulados, que inundan el HT confundiendo lo que es verdad y es mentira, incluso llegan a ponerse como información en medios tradicionales como pasó en el programa de Risto.https://t.co/QdTzIdXNAc
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
Mas meios tradicionais também publicaram ~imprecisões~, foi o caso do jornal argentino La Nación, que também publicou imagens de atos pró-governo como sendo contra:
Además de usarse vídeos de manifestaciones a favor del gobierno como si fueran en contra en tuits, los principales medios de algunos países como La Nación la usan para publicarla como si fueran manifestantes contra el gobierno. Los mismos que aparecen en el vídeo puesto por Risto pic.twitter.com/uwB4tSW3z3
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
Os vídeos da comemoração argentina, no obelisco, símbolo da capital, Buenos Aires, foram compartilhadas três mil vezes no Twitter e mil no Facebook.
Também foram usadas imagens do Egito, de atos contra o governo de Hosni Mubarak, como se fossem o Malecón de Havana:
Otra de las imágenes repetidas son imágenes de manifestaciones en Egipto, diciendo que son el malecón de La Habana. pic.twitter.com/AtJT23Sv2n
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
Outra mensagem mentirosa que foi amplamente compartilhada foi a de que o ex-presidente e líder revolucionário Raúl Castro teria fugido para a Venezuela em um avião privado e secreto. A imagem, no entanto, corresponde à sua chegada a Caracas para a cúpula da Aliança Bolivariana das América (Alba), em 2017. Teve também fotos de supostos cubanos rezando, mas que, na verdade, eram nicaraguenses.
Otro de los bulos es que Raúl Castro huyó a Venezuela en avión privado y secreto. Este tuit tiene 2K RTs, solo es uno de cientos, La imagen es de la cumbre del Alba de hace 4 años. pic.twitter.com/wAALydS89A
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
Mecías esclarece que a estratégia sinérgica entre redes, meios de comunicação e as mobilizações se repete nesses protestos que têm como objetivo desestabilizar governos.
O correspondente do VOX na América Latina diz, no vídeo abaixo, coisas como “peçam intervenção militar já e todos ao mesmo tempo”. E destaca que “uma frota está no mar esperando a intervenção”. Que aviões deixaram Cuba com destino a Caracas e Buenos Aires e que os dirigentes cubanos “estão escapando como ratos”. As mensagens visam insuflar a população, gerar desinformação e caos.
Todas as contas com mais de 1.500 tuítes são automatizadas. Outro dado interessante é que todo o entorno da Atlas Network Internacional — organização que patrocina ativistas ultra-liberais — retuíta as mensagens:
Por otra parte si analizamos los tuits con más RTs vemos es linealidad que hemos visto en más ocasiones, también vemos como todo el entorno Atlas Network internacional hacen RT, como Sergio Sarmiento en México o María Fernanda Cabal en Colombia. pic.twitter.com/hzRVqiIo4x
— Julián Macías Tovar (@JulianMaciasT) July 12, 2021
#ParemOBloqueio
Todos que se preocupam com a pandemia na ilha caribenha, ao invés de pedirem SOS Cuba, intervenção humanitária, golpe, fim do governo, etc. deveriam estar mobilizados pelo fim do bloqueio econômico e financeiro contra a ilha.
Somente em 2020, quando todo o mundo teve que tomar medidas drásticas na economia devido à pandemia, Cuba registrou perdas de US$ 3,5 bilhões devido à sanção estadunidense. Desde 1959, o prejuízo total é de US$ 138 bilhões, segundo fontes do governo da ilha.
Se a preocupação é com as pessoas que estão sofrendo com a covid-19 em Matanzas, medida mais efetiva seria fazer uma campanha internacional de doação de seringas para que a vacina Abdala, totalmente desenvolvida na ilha, seja aplicada.
A escassez de seringa é global. De acordo com a Global Health Partners, “Cuba precisa de aproximadamente 30 milhões de seringas para sua campanha de vacinação em massa e lhe faltam 20 milhões”. Reportagem da Revista Opera esclarece que
“A maioria das seringas no mundo é fabricada por três empresas estadunidenses e cinco de outros países. Cada uma dessas empresas estrangeiras mantém vínculos com alguma entidade dos Estados Unidos, portanto estão proibidas de exportar seringas para Cuba”.
Cuba está longe de ser o paraíso socialista. Pode ser questionada quanto à sua condução política, econômica, políticas sociais. Porém, como um país liberal, os Estados Unidos deveriam dar liberdade a Cuba para que o país siga seu caminho e os cubanos possam tomar as rédeas de seu próprio destino à direita ou à esquerda. Ao contrário, querem ditar, definir e sancionar o povo cubano por serem independentes. Enfim, a hipocrisia.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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