O modo como a função informativa foi se transformando em um braço estratégico do poder econômico global evoluiu até se tornar parte da paisagem. O que em alguma época foi um exercício de risco, de confronto e uma ferramenta útil para a sociedade, hoje parece haver tomado o partido oposto ao manipular e ocultar verdades que, se forem do domínio público, seriam capazes de pôr de cabeça para baixo os mais poderosos. Chama a atenção, no entanto, o cinismo com que se põe de manifesto o desprezo das grandes cadeias informativas para com as tragédias humanitárias que assolam o planeta, e como seus conteúdos são aceitos como verdades absolutas.
Fazer um espetáculo da desgraça alheia é, ao que parece, uma tática capaz de aportar vantagem em termos de audiência e, por conseguinte, um substancioso incremento na pauta publicitária. O que Kapuscinski, o grande repórter polonês, considerava fundamental no exercício jornalístico: “Buscar a verdade entre as pessoas comuns, esquecer-se dos elevados círculos do poder quando é preciso encontrar respostas. Descrever os detalhes, porque às vezes neles se encontra a chave de tudo. Fugir da vaidade e da sobre dimensão do ego como da própria peste, porque aí se começa a perder a objetividade e o sentido das coisas. E viajar sozinho, para que a visão de alguém mais não distorça a percepção pura e direta do repórter”. Hoje, considera-se isso uma desvantagem competitiva.
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Kapuscinski viajou pelo mundo e não em qualidade de turista, em hotéis de alto luxo. Caminhou pelas rotas quase esquecidas onde se encontrava patente a miséria humana. E nos relatou seus achados com o senso posto – incondicionalmente – na proximidade com os seres mais humildes, os povos mais necessitados. Suas profundas análises poderiam cobrir todo o conteúdo de um doutorado em ética e seus ensinamentos seriam capazes de reverter o próprio sentido de uma profissão que, de honrosa, passou em alguns casos a ser o equivalente do mundo dos sicários.
@USArmy – Flickr
Pressões incessantes para calar a verdade e ocultar crimes de Estados não são coisas unicamente de países do terceiro mundo
Como forte opositor a todo tipo de conflito armado – em sua carreira viu muitos e, sobretudo, seus efeitos – este jornalista ganhador do prêmio Príncipe de Astúrias afirmou alguma vez que “a primeira vítima da guerra é a verdade”. Ao observar o panorama atual e pondo cada coisa em seu lugar, é importante dizer que a implantação esmagadora de espetáculo bélico e sua retórica desumanizante refletem a tendência de um jornalismo elaborado para e pela hegemonia dos países mais poderosos, garantindo assim a submissão e o enfraquecimento progressivo das nações consideradas “dependentes”.
Os autênticos profissionais do jornalismo, que vêm reduzir seu terreno por pressões de poderes fáticos, influência das grandes corporações, chantagens e ameaças de empresários e políticos e, sobretudo, de estamentos jurídicos estreitamente vinculados a organizações criminosas e exércitos corruptos, são perseguidos. As pressões incessantes para calar a verdade e ocultar crimes de Estados não são coisas unicamente de países do terceiro mundo; o vemos as grandes cadeias internacionais protegendo decisões espúrias das grandes potências e convertendo suas agressões em um exemplo de virtudes democráticas. O jornalismo, hoje, cruza a maior crise de credibilidade em toda sua história.
Kapuscinski exerceu um modelo de jornalismo que hoje se encontra em vias de extinção.
Carolina Vásquez Araya | Colaboradora da Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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