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Peão da ultradireita peruana, Boluarte pode ser prelúdio de regime ainda mais autoritário

Só uma persistente pressão popular pode fazer retroceder o Congresso e trazer à presidência do Peru uma liderança democrática
Carlos Noriega
Página 12
Lima

Tradução:

No último sábado (21), a repressão chegou ao interior das universidades. Como nos tempos das ditaduras, a polícia ingressou violentamente na Universidade Nacional de São Marcos em Lima, a maior e mais antiga do país. Fez isso para prender aqueles que, de distintas regiões, especialmente andinas, chegaram à capital para somar-se às mobilizações antigovernamentais dos últimos dias na chamada “tomada de Lima”.

Estavam alojados no lugar há três dias. Os estudantes abriram para eles as portas da universidade com a oposição da reitoria. Um pequeno tanque derrubou uma porta de grades e um numeroso contingente policial ingressou violentamente. Houve mais de 200 detidos. Os policiais armados com fuzis também entraram com violência na residência universitária. Congressistas de esquerda chegaram até a universidade para ver a situação de estudantes e manifestantes alojados ali, mas a polícia não os deixou entrar. Também impediram o ingresso de advogados para que assistissem aos detidos.

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Isto ocorreu em um momento em que a crise se aguça, os protestos em distintas regiões continuam e a repressão sobre a qual se apoia o governo de Dina Boluarte continua matando. Neste sábado, morreu em Puno um morador que fôra ferido de bala na sexta-feira. Já são mais de 50 os mortos confirmados por disparos de policiais e militares desde que começaram os protestos em dezembro, sete deles adolescentes. Também há um policial morto. A cifra global de falecidos durante os protestos chega a mais de 60 com as mortes por causas relacionadas aos bloqueios de vias, como não poder chegar a um centro médico. Há cerca de mil feridos.

Só uma persistente pressão popular pode fazer retroceder o Congresso e trazer à presidência do Peru uma liderança democrática

@JuanZapata108 – Reprodução/Twitter
“Está em desenvolvimento um plano para instalar um regime autoritário", afirma o sociólogo Carlos Reyna




Um morto por dia

A indignação com a repressão multiplicou os protestos que exigem a renúncia de Boluarte, o fechamento do Congresso de maioria direitista, eleições este ano, um plebiscito para uma Assembleia Constituinte e sanção para os culpados por tantas mortes. Alguns setores também pedem a liberdade de Castillo. O governo de Boluarte tem a terrível estatística de mais de um morto por dia.

O Governo diz que respeita o direito de protestar, mas criminaliza e reprime violentamente. A intervenção policial na Universidade de São Marcos busca intimidar e desmobilizar os numerosos moradores que chegaram a Lima vindos de distintas regiões para protestar na capital, onde quinta e sexta houve massivas mobilizações que foram reprimidas e deixaram mais de 60 detidos. Neste sábado, pelo terceiro dia consecutivo, os protestos ocuparam o centro de Lima. No encerramento desta nota, transcorria pacificamente.

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Manifestantes tentaram tomar aeroportos e atacaram postos policiais, escritórios públicos e algumas empresas privadas. A resposta da repressão atirando para matar foi brutalmente excessiva. O Executivo, a maioria de direita do Congresso e a mídia pretendem generalizar estas ações violentas para desacreditar os protestos e justificar a repressão. Foram denunciados infiltrados que provocam violência com esta mesma intenção.


Nos Andes se luta

Os protestos iniciados no sul andino pela destituição de Castillo – visto por estas populações como um presidente próximo deles, por razões de identificação social e étnica mais que políticas – e por estarem fartos da histórica pobreza e discriminação que sofrem, estenderam-se a quase todo o país em uma explosão de ódio multiplicado pelas mortes. Esta resposta do Estado expressa a balaços um desprezo pelas populações andinas, vítimas do racismo e da marginalização das elites e agora epicentro das maiores manifestações. A indignação também cresce devido a um discurso oficial que felicita as forças de segurança que disparam sobre manifestantes e que acusa aqueles que se mobilizam nas manifestações de terroristas ou de serem pagos para manifestarem-se. As vozes exigindo a renúncia de Boluarte não só não se calaram com a brutal repressão, mas aumentam em quantidade e intensidade.

“Boluarte encarna a tirania da ignorância. Seu comportamento é sumamente despótico e seu nível de conhecimento do país e da política é baixíssimo. Sua renúncia é a saída mínima para que a situação possa tranquilizar-se. É muito difícil precisar o quão próximo isso pode estar, mas a qualquer momento seu governo pode colapsar porque está muito debilitado pelas mortes e por sua reação encobridora e defensora do desempenho das forças armadas e policiais, que depois de tantas mortes sacralizou, dizendo que tiveram um comportamento ‘imaculado’, o que revela a mente extraviada desta senhora. As manifestações destes dias em Lima, que apesar de sua desordem e dispersão foram fortes e muito intensas, debilitaram ainda mais Boluarte. O campo que a apoia começou a erodir-se. Cada dia há mais violência e mortos, o que é insustentável. Os protestos vão continuar. Quando ficou claro que o abuso extremo das armas corresponde a um padrão de comportamento não só de policiais e militares, mas do Governo, as populações do interior do país disseram que não se renderão até a saída de Boluarte”, disse ao Página/12 o sociólogo Carlos Reyna.


Um militar espreita

Se Boluarte renunciar, será substituída pelo presidente do Congresso. O problema, e o risco, é que este cargo é exercido por um general da reserva, de ultradireita, José Williams, acusado de violações aos direitos humanos. O que ameaça aprofundar o autoritarismo posto em marcha por Boluarte. Por isso, as demandas populares também exigem a renúncia de Williams para que seja recomposta a mesa diretora do Congresso e se eleja como substituta de Boluarte uma figura que possa gerar certo consenso, que não seja parte da ultradireita. Mas a maioria direitista que controla o Congresso apoia Williams. Há consenso entre analistas que só uma persistente pressão popular pode fazer retroceder o Congresso e obrigar à troca de Williams. Os manifestantes asseguram que não aceitariam uma eventual presidência do general Williams e que, se isso acontecer, as manifestações continuarão.

Setores como a Igreja Católica ofereceram-se para mediar um diálogo. Mas com seus ataques – repressivos e verbais – contra as multidões, o Governo fechou esta porta. A ultradireita aplaude a repressão contra os setores populares e pede mais. Setores empresariais veem sua oportunidade de calar as exigências por direitos e dizem que é preciso tratar as manifestações como “uma guerra”.

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Boluarte governa com a ultradireita e os militares. Eles a sustentam. E ela joga para seus novos aliados. Esta direita espera manter e aprofundar o governo autoritário iniciado por Boluarte ganhando as próximas eleições. Têm um grande poder econômico, o apoio dos principais meios de comunicação e agora o apoio do Governo e da repressão.


Boluarte preludiaria algo pior

“Está em desenvolvimento um plano para instalar um regime autoritário, para que a direita ganhe as próximas eleições. Boluarte é um peão dessa direita, que está hegemonizada por uma extrema direita alucinada, que diz que tudo é terrorismo. Um dos parlamentares desta ultradireita propôs um Projeto de Lei para autorizar disparar contra manifestantes com o único requisito de que haja mais manifestantes do que membros das forças de segurança. Isso é uma loucura, mas esse é o tipo de liderança que tem a extrema direita peruana. Se ganharem as eleições vão governar com essa lógica, adverte o sociólogo Reyna.

Como “um marco da dignidade cidadã” e das maiores de que se recorde, qualifica Reyna as manifestações populares que sacodem o país. Afirma que em Lima foram duramente reprimidas com gás lacrimogêneo e balas de borracha, mas nas províncias a repressão foi com disparos de fuzis e pistolas. “Esta claríssima diferença na repressão é uma forma de discriminação terrível, aberrante, segundo a qual pode-se disparar e matar sem problema os provincianos, sobretudo os das zonas andinas, mas em Lima não. Estou seguro de que essa forma de raciocinar explica porque não há mortes em Lima”.

Carlos Noriega | Página12, desde Lima
Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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