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Golpe no Chile explodiu em 11/09 pois Allende anunciaria um plebiscito, revela ex-ministro

Segundo Jorge Arrate, votação poderia dar legitimidade ao governo para avançar na via institucional, o que causou o temor dos golpistas
Aldo Anfossi
La Jornada
Santiago

Tradução:

Está documentado que em 1970 e anos posteriores, durante a presidência de Richard Nixon, o governo dos Estados Unidos, em cumplicidade com a direita política e empresarial, conspiraram permanentemente contra Salvador Allende, a ponto de facilitar dinheiro e armamento que foi ingressado em malas diplomáticas ao Chile e que se empregou para financiar e cometer atentados. 

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Entre eles, houve o operado contra o comandante em chefe do Exército, René Schneider, em outubro de 1970, para impedir que Allende assumisse a presidência. 

Em meados de 1973, a situação política, econômica e social do país havia alcançado tal nível de polarização que o presidente considerava plebiscitar a continuidade de seu governo.

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“Todos sabemos que Allende, em 11 de setembro de 1973, ia anunciar que apelaria a um plebiscito e que se ele perdesse ia convocar eleições. Isso está mais que estabelecido e por isso adiantaram o golpe, tinham temor que ele ganhasse o plebiscito”, diz o dirigente e ex-ministro de Allende Jorge Arrate.

Agrega que também antes, especificamente depois de abril de 1971, quando Allende completava seis meses na presidência e a Unidade Popular (UP) acabava de ganhar por maioria absoluta as eleições municipais, também se considerou realizar uma consulta, “mas os partidos da UP não o acolheram; foi o Partido Socialista (PS) que fez essa proposta”. 

Segundo Jorge Arrate, votação poderia dar legitimidade ao governo para avançar na via institucional, o que causou o temor dos golpistas

Rio Bueno Notícias
Jorge Arrate: "50 anos depois, comparar em termos políticos o governo de Boric com o de Allende não tem sentido"

Confira a entrevista

La Jornada | Em que se consistia especificamente a proposta de Allende?
Jorge Arrate | Em plebiscitar um conjunto de matérias que dessem ao governo mais legitimidade para avançar na via institucional. Ninguém sustenta que seja só a intervenção norte-americana, a oposição empresarial e da direita oligárquica o único fator que deteriorou o governo da UP.

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Houve erros, mas para simplificar: o que se passaria no Chile hoje se os Estados Unidos e os empresários decidissem derrocá-lo; como seria? Eu creio que na oposição há uma intenção avessa de triturá-lo.

Questionaram a lealdade do PS com Allende…
Atualmente há socialistas que dizem ‘que não ocorra agora o que fizeram com Allende, que o abandonaram’. Isso não é assim. O PS se constituiu e se desenvolveu na heterogeneidade e isso pode ser muito virtuoso, mas também pode não ser e se converte em uma luta de correntes que termina sendo destrutiva. Efetivamente, no PS havia correntes que tinham posturas extremas, mas daí que o PS abandonasse Allende… a reação entre o (secretário-geral) Carlos Altamirano, e Salvador Allende, era de uma amizade íntima que nunca se rompeu mesmo que tivessem diferenças políticas.

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Altamirano tinha que se apresentar ante Allende, que tinha uma opinião crítica que ele compartilhava em muitos aspectos, em outros não, mas que devia transmitir. Sempre pensei em Altamirano mais como uma correia transmissora entre o La Moneda e setores esquerdistas do PS.

A maioria daqueles que estiveram com Allende no 11 de setembro eram socialistas, nesse dia saíram e as poucas pistolas que havia, trataram de usar, o defenderam e tentaram ir resgatá-lo no La Moneda, o lugar onde ele queria estar porque esse era seu plano e sua decisão…

Anatomia de um golpe I: A história do 11 de setembro no Chile, por Paulo Cannabrava Filho

Anunciou isso um ano antes…
Muito antes! Um dia me disse, recordo duas expressões, porque usava metáforas: ‘quero que saibas jovem, não me tiram daqui senão em pijama de madeira’; e outras vez ‘eu não saio daqui senão com os pés para a frente’. Creio que os socialistas tiveram, muitos deles, um comportamento heroico no 11 de setembro, é um partido que não tinha a fibra orgânica, assim como para se organizar, e desordenadamente esteve por trás de Allende.

O Chile hoje...

Falemos do Chile atual. Foi feito certo paralelismo entre a UP e o governo de Boric, que similitude pode haver?
Passou-se meio século, a UP é um fato histórico que não admite calco nem cópia – como diria (o dirigente socialista José Carlos) Mariátegui –, que corresponde a um mundo determinado, bipolar, onde havia condições sociais de vida completamente distintas. Estão vigentes as perguntas às quais respondia a UP, porque continua a fome no mundo, continua a desigualdade escandalosa no interior de nossas sociedades. No caso do Chile, está no centro de nossa problemática. Mas 50 anos depois, comparar em termos políticos o governo de Boric com o de Allende não tem sentido.

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Boric fez um resgate dos governos da Concertação.
A geração que hoje encabeça o governo não viveu a UP, a conhece de ouvido pelos seus pais ou os livros, mas não teve a vivência, é uma geração que provavelmente nasceu na época da Concertação cujo olhar está em formação acerca da UP e de Salvador Allende.

E em relação à Concertação, eles tiveram, como ocorre com os jovens, um olhar despectivo muito exagerado contra ela. Os 30 anos da Concertação tem elementos que são resgatáveis e valiosos. E o que  Boric fez, de começar a apreciar isso, o faz com absoluta sinceridade, sem oportunismo, mas se dá conta de que o que disse em alguns momentos foi uma mirada extrema. 

Anatomia de um golpe II: A história do 11 de setembro no Chile, por Paulo Cannabrava Filho

Sua visão de que a direita tenta triturar o governo de Boric, o que aponta com essa intenção?
É evidente a ação da direita fundada no controle praticamente absoluto dos meios de comunicação, fato que nunca se havia dado no Chile a este nível. No governo da UP, havia três ou quatro diários que o defendiam, hoje não há nenhum; havia rádios, agora não há nenhuma que se identifique com o governo, nem canal de televisão. Na direita, há aqueles que tentam consolidar-se em uma identidade parte da qual é destruir a esquerda, ao Partido Comunista, porque são anticomunistas essenciais, e à Frente Ampla, porque vêm aí uma esquerda do século 21 que não se encontra na esquerda tradicional, especificamente no Partido Socialista.

Então estão destruindo lideranças, essa é a postura dos Republicanos (extrema direita) enquanto o resto da direita está muito confundida, porque não é capaz de levantar com dignidade uma alternativa de diálogo democrático que os Republicanos fecham, um fenômeno que não é propriamente do Chile, mas mundial. 

E isso como explica no caso chileno? Como passamos do Chile do “outubrismo” de 2019 a um país onde se discute uma constituição ainda mais conservadora que a de Pinochet?
Nenhum de nós é o mais adequado para resolver essa equação, porque o conjunto da esquerda não foi capaz de entender que esse processo podia desatar-se, algo nos cegou e a grande oportunidade que foi a Convenção Constitucional em 2021 se perdeu. Não creio que por erros dos convencionais aos quais se atacou muito duramente. Eu diria que no Chile há uma quebra entre os partidos e o mundo social e na Convenção houve muita representação desse mundo, de organizações que não são partidos, gente que não está em partidos. 

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Essa falta de sintonia entre os partidos e a organizações social é o nó a examinar para entender o que aconteceu. A chave do desenvolvimento do ‘allendismo’ e da esquerda foram seus 20 anos dourados, entre o início dos 50 e começo dos 70, quando sempre o político e o social estiveram amarrados. Hoje estão completamente separados, os partidos não são capazes de estabelecer uma aliança virtuosa com os representantes das organizações sociais, buscaram acordos como de troca, que não concordaram ideias comuns e por isso a Convenção terminou como sabemos.

Fim da entrevista.

* * *

Marcos Roitman lança no Chile seu livro “Por que o governo de Salvador Allende não fracassou”

“Por que não fracassou o governo de Salvador Allende” se intitula o mais recente texto do sociólogo chileno/espanhol Marcos Roitman Rosenmann, articulista do La Jornada, lançado na sexta-feira, 1º de setembro, na capital chilena, na sede do Fundo de Cultura Econômica. 

Em sua terceira visita ao país desde que, em 1974 – com a idade de 19 anos e depois de ser preso em 12 de setembro de 1973 pelos militares na então Universidade Técnica do Estado, onde estudava engenharia metalúrgica, e ser prisioneiro nos estádios Chile e Nacional – se exilou na Espanha onde “as minhas prioridades mudaram”. 

“Prontamente decidi não retornar ao Chile, e isso me levou a uma militância e a vincular-me com a realidade espanhola, mas nunca abandonei a parte chilena nem a militância latino-americana. Tudo o que há no que escrevi, é a paixão e a necessidade de explicar coisas, não de escrever por escrever. Não é essa literatura acadêmica em que a gente gosta de si mesmo, mas sim se trata da denúncia do poder com rigor teórico; dizer ao poder a responsabilidade que tem com suas decisões”, explicou aos seus editores. 

O livro, que disse ter redigido em 20 dias, começa relacionando Espanha e Chile, o que justifica porque “o golpe de Estados de 1935 na Espanha se parece muito ao de 1973 no Chile, fundamentalmente porque ambos foram civil-militar, embora com a diferença de que na Espanha as forças armadas se dividiram, ficou uma grande parte com a República e isso implicou na guerra civil. Mas nos dois casos triunfaram e isso significou a concepção do anticomunismo, o ódio e o despreza à política”.

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A respeito do que o motivou, disse que “o texto não é oportunista”, mas sim “sai depois de conhecer as palavras do presidente Gabriel Boric dizendo que devia ler (Daniel) Mansuy, como um elemento de explicação de que o governo de Allende havia fracassado e sido derrotado, e que a Unidade Popular foi derrotada pela falta de consenso e de acreditar na democracia por aqueles elementos que assumem a violência política, não a negociação. 

Daniel Mansuy é um acadêmico chileno, doutor em Ciência Política que publicou recentemente o texto “Salvador Allende, a esquerda chilena e a Unidade Popular”. 

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“Me doeu e isso significou que eu devia dar uma reposta. Escrevi um artigo no La Jornada que era ‘Fracassou a Unidade Popular?’

“É um texto de combate, mas de rigor, não é de insulto, que busca recuperar a história que a verdade negou, que a Allende trataram de derrocar inclusive antes de assumir”, agregou.

No texto, afirma que “o Chile é uma sociedade enferma. Enquanto não entenderem a necessidade de buscar as causas do golpe não na Unidade Popular, mas sim na plutocracia, na traição das forças armadas e nas políticas intervencionistas dos Estados Unidos, não será possível construir um país democrático. A 50 anos do golpe de Estado, a mentira segue presente: de que a Unidade Popular fracassou”. 

Rotman sustenta que “as novas gerações que governam o país” possuem uma visão “espúria, restrita, da democracia”, à qual os “teóricos da transição” a reduziram a “um procedimento, afastada de considerações éticas, morais e justiça social”.

Aldo Anfossi | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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