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Entrada no Brics é crucial para livrar Argentina do FMI, da dolarização e do projeto de Milei

Ingresso e acordos com Brasil são saídas econômicas inexoráveis para os povos diante do saqueio financeiro do neoliberalismo
Helena Iono
Diálogos do Sul Global
Buenos Aires

Tradução:

A incorporação da Argentina ao BRICS-11, com a pressão de Lula, é um voto a favor da continuidade do governo da União pela Pátria (UP) em outubro, através do candidato a presidente, Sérgio Massa, alentando o fim da dependência ao FMI. Dois acontecimentos oxigenantes, posteriores às duras advertências dos resultados das PASO, fazem parte do contexto internacional do qual não se pode prescindir na avaliação das perspectivas para as próximas eleições presidenciais:

Entrada da Argentina no BRICS-11

Com a entrada no BRICS-11, vejamos os benefícios comerciais para a Argentina que se consolidam: Rumo à China, já 8 províncias (estados) exportam soja e carne; a Índia é o principal sócio comercial da indústria de azeite de San Juan e Santa Fé; o Brasil é o principal destino exportador de trigo, indústria automotora e vinho de Buenos Aires, Córdoba, Mendoza e La Rioja; poderá negociar com os demais países do BRICS-11 com moedas nacionais, sem o dólar. O NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), presidida por Dilma Rousseff com critérios favoráveis aos países em vias de desenvolvimento, poderá obter investimentos em infraestrutura

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A consolidação do BRICS é um fato histórico, demarca uma nova era: a do mundo multipolar contra a hegemonia financeira dos EUA e Europa, e o fim do dólar como moeda de referência internacional desde o acordo de Bretton Woods. Os 5 países inaugurais do BRICS são 42% da população global, 30% do território mundial, 23% do PIB e 18% do comércio mundial. Estes valores ultrapassam os do G7 (dos grandes países capitalistas) inteiro.

Os acordos econômico-militares entre a Rússia e os países africanos firmados na Cúpula de São Petersburgo, rompendo, entre outras, a sabotagem europeia de envios de fertilizantes russos a boa parte da África, são outros sinais dos novos tempos. Os povos excluídos da África, ainda colonizada, se rebelam pela sua soberania: Burkina Faso, Mali, Níger vão por essa senda. E Putin deixa claro que a Rússia e o continente africano estão comprometidos com uma “ordem mundial multipolar” contra o neocolonialismo

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É nesse contexto mundial que surgem personagens imprevistos e irracionais, eleitoreiro-midiáticos, anti-política, anticorrupção, e anti-Estado, e anti-povo, como Zelensky, Milei e Bolsonaro, servis a um contexto mundial em que o poder concentrado financeiro mundial decadente necessita a guerra, o nazismo e a violência extrema para sobreviver. Até o Papa Francisco, entidade máxima dos direitos humanos, que recentemente abraçou o neto argentino encontrado, 133 dos mais de 400 desaparecidos, tem sido alvo dos ataques de Milei: “Jesuíta promotor do comunismo!”, “representante do mal na Terra!”. Mas, a Equipe de Padres das Favelas e Bairros Populares de Buenos Aires não é de se calar e organizou uma ampla missa em defesa do Papa. 

Diante dessa onda de ataques de ódio, as ações e os discursos do governo chinês e russo, antepõem a necessidade das negociações de paz, ampliando a soberania africana e o BRICS, em prol da igualdade social. Mas, ao mesmo tempo, expressam a consciência de que a mesma se defende com “Firmeza”. Interessante ver a objetividade política do ministro russo, Lavrov, na Conferência de Imprensa: “Todos os membros do BRICS estão a favor de engrossar nas suas filas os países afins; países que creem na multipolaridade, na necessidade de relações internacionais mais democráticas e justas”. Lavrov expõe as razões humanitárias, muito além da econômica e militar, sobre a participação russa na África, na Ucrânia e no BRICS. Lula vai nessa sintonia ao visitar a irmã Angola.

Ingresso e acordos com Brasil são saídas econômicas inexoráveis para os povos diante do saqueio financeiro do neoliberalismo

Foto: Ricardo Stuckert
Sergio Massa, Lula e Fernando Haddad

O encontro de Lula da Silva com Sérgio Massa 

Este, além da entrada ao BRICS, foi outro fato de relevância, no contexto prévio às eleições na Argentina, acolhido com muito entusiasmo na área do governo e da militância peronista-kirchnerista. As palavras de Lula a Massa – “Deixe de juntar dólares, junte votos!” – foram além de uma orientação, uma injeção de acordos concretos, via Fernando Haddad, com garantias dadas pelo Banco do Brasil às exportações brasileiras (alimentos e automotores) e da contra garantia do CAF à Argentina, sem usar suas reservas e os yuanes.

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Enfim, a entrada no BRICS e os acordos com o Brasil (em moedas nacionais), já iniciados na última CELAC, são novas alternativas para deixar de juntar dólares e independizar-se do FMI. Não são opções ideológicas como gritam os opositores da direita, Miley e Patrícia Bullrich. São saídas econômicas inexoráveis para os povos diante do saqueio financeiro do neoliberalismo. A expansão do BRICS vai rumo à desdolarização, oposta ao engodo que promete Milei a seus votantes. Leia “BRICS é queda da bastilha para o dólar” (Cesar Fonseca).

O contexto nacional

Massa anunciou um pacote de medidas econômicas urgentes

O governo argentino, através de Sérgio Massa, candidato e atual ministro da economia, lançou um primeiro pacote de 12 medidas econômicas, valendo-se da entrada de 7,5 bilhões de dólares, após a dura negociação de 20% de desvalorização do dólar, quando o FMI queria 100%. São medidas dentro de uma contenda eleitoral, mas, sobretudo, uma resposta emergencial necessária e possível somente por parte deste governo popular e não de um eventual Milei que promete ser ainda mais duro que o FMI nos cortes de gastos.

Massa, na última entrevista televisiva, desmascara que a cantilena da dolarização (num país sem dólares), sob a lei do mercado, responde aos 100% de desvalorização do peso, como desejado pelo FMI, com consequências incontroláveis da inflação e nefastas para a vida do trabalhador. O salário mínimo com a dolarização de Milei chegaria a 24 dólares, segundo Silvina Batakis, atual presidenta do Banco Nação.

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As 12 Medidas iniciais: bônus por três meses para aposentados que recebam a mínima; valor único adicional de 60 mil pesos para trabalhadores de serviço público e privado que recebam menos de 400 mil pesos, a ser pago em duas quotas (setembro/outubro); linha de crédito favorável para trabalhadores por 48 meses; redução de impostos e empréstimo a trabalhadores autônomos; reforço adicional em 2 meses para empregadas domésticas (com reembolso parcial ou total aos patrões, proporcional a seus salários); congelamento de aumento dos convênios privados de saúde; acordo de aumento de 5% nos preços com 425 empresas (53 mil produtos de limpeza e alimentos); algumas medidas relativas à segurança, particularmente na Rosário dominada pelo narcotráfico; além de congelamento de preço de combustíveis, transportes e remédios.

São medidas paliativas, mas respondem à emergência frente à grave dificuldade econômica das camadas mais pobres, acelerada pela inflação, num país endividado à morte pelo macrismo, com soluções postergadas pelo governo atual. Apesar da retomada da atividade produtiva (pós-pandemia), e da diminuição do desemprego, há muitos trabalhadores não registrados e 40% de pobres; não se justifica tal reforma e falta de mais Estado por parte de um governo popular.

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Não obstante, somente com a continuidade do governo peronista atual, através de Massa, haverá perspectivas futuras em 2024, considerando a inserção da Argentina no BRICS e as esperançosas relações de integração regional com Brasil e países da UNASUL. Caso contrário, com o retorno da direita, será o abismo. Isso, sem contar a exclusão e explosão social, o fim da democracia em todos os sentidos, incluindo a repressão.

 

Por onde vai a campanha do ódio, do negacionismo de Milei e da LA 

Victoria Villarruel, a negacionista, candidata a vice-presidenta de Milei, acaba de homenagear genocidas da ditadura na Assembleia Legislativa da capital, não só mostrando quem é, mas comprovando que o trágico projeto econômico do Liberdade Avança (LA), contra o Estado e os direitos sociais, se imporá com uma brutal ditadura, ao estilo militar de Videla ou Pinochet.

Tentam recuperar a imagem que a direita quis implantar, no passado, dos “dois demônios” (terrorismo de esquerda e terrorismo de Estado); imagem já apagada graças a mais de 40 anos de batalha das mães e avós que demonstraram que as verdadeiras vítimas foram as do terrorismo de Estado: os 30 mil desaparecidos por sonhar pela justiça social que Milei quer abolir.

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Os organismos pelos direitos humanos, movimentos sociais e sindicatos, e partidos de esquerda não se calam; repudiam e, inclusive, defendem a líder das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, atacada por Villarruel, e pedem uma lei contra o negacionismo. O movimento “Nenhuma a menos” das mulheres, às que se somam brasileiras e imigrantes residentes na Argentina, tem mil razões para unir-se ao “Nunca Mais”.

O machismo e a intolerância de Milei estimulam ódios como à estátua da histórica afro-descendente Maria Remedio del Valle. Villarruel quer revogar a lei do aborto, mas convalida genocidas da ditadura que eliminaram tantas mulheres grávidas e sequestraram centenas de crianças.

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Ao mesmo tempo, na área da UP surge o debate para não se submeter à agenda da oposição, sobretudo de Milei. Há os que alertam para a armadilha do tema levantado por Villarruel, exacerbando o anti-governo peronista atual e a tensão social. O tema merece que a UP conteste e retome a narrativa cultural perdida na memória das novas gerações atraídas pela “bronca” e rebeldia da base eleitoral juvenil de Milei.

Mas, ao mesmo tempo, há que confiar que a Argentina tem sido exemplar na batalha cultural-política pela “memória, justiça e verdade”, desde Alfonsin aos Kirchners, nas últimas décadas na América Latina. Tanto Milei (LA), como Bullrich (JxC), defendem o neoliberalismo, privatizante. Ambos com a mão dura: por aí, diferindo entre a conservadora via militar, e a do disfarçado lawfare, via Corte Suprema.

Campanha e perspectivas

Como analisado no artigo anterior sobre as PASO, um fator para a UP ir ao segundo turno, é enfocar a sua campanha nas medidas econômicas de Massa para melhorar a batalha comunicacional, cultural nas ruas e nas redes sociais, em tempo expresso, com uma parte minoritária do eleitorado peronista que chegou a migrar por bronca a votar por Milei; e, sobretudo, com quem não votou. Houve 10% de abstenção.

Massa, no ato em La Plata, com Kicillof e Wado de Pedro, faz um chamado: “Sabemos que muitos moradores dos subúrbios, da província de Buenos Aires e do país se sentem frustrados pela crise, pelo fracasso de algumas políticas ou pela falta de resposta de outras, então isso gera a sensação de um gosto amargo, mas não se resolve voltando atrás; porque atrás de nós está a violência, a dor, a perda de empregos e a perda de poder de compra. Nosso caminho é seguir em frente.” Veja.

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Outro fator preocupante é a falta de unidade da UP: é incompreensível e, para muitos, indignante, como alguns governadores e prefeitos peronistas, que como os macristas, se negam a pagar os bônus de auxílio firmados pelo governo nacional a suas populações locais. Depois disso, não há que se surpreender com o fato de que em várias províncias com governadores peronistas, o voto a Milei cresce nas PASO.

De toda forma, na semana, Massa (UP) inicia, em Tucumán, sua campanha junto aos governadores. Axel Kicillof, da Província de Buenos Aires, a mais populosa, com seus 36% nas PASO, dá a batalha exemplar, como governador e militante kirchnerista que dialoga com os bairros. Não só aprovou as medidas de Massa e os bônus, mas ampliou: concedeu 25% de aumento salarial para estatais, um bônus aos aposentados de baixa renda e uma quota aos prefeitos para enfrentar tais despesas.

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O próprio Massa já anunciou, na já citada entrevista televisiva, medidas nacionais adicionais: registrar os trabalhadores informais; por 2 anos os trabalhadores vão estar livres de impostos; e se levará ao Congresso uma lei para reduzir o imposto de renda dos trabalhadores e aumentar o das empresas.

Nesse contexto nacional e internacional de lawfare, se deu a condenação e proscrição à vice-presidenta Cristina Kirchner, até chegar ao falido atentado há um ano atrás. Nesse contexto de guerra midiática do Clarín/La Nación e Corte Suprema (de só 4 membros, longe dos 11 majoritariamente constitucionalistas do STF brasileiro), é que Cristina não é candidata, e a figura de Milei aparece. Infelizmente, o progressismo na Argentina não consolidou uma relação de forças como no Brasil, que chega a uma revisão do STF contra o lawfare, e Toffoli anula provas declarando que a prisão de Lula foi um erro histórico.

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Uma parte da UP faz a autocrítica por não haver feito o suficiente para impedir a proscrição de Cristina. Não houve Reforma Judicial, não houve Congresso Nacional à altura, nem decretos. Lopez Obrador, desde o México levanta a voz pela eleição direta e popular dos Juízes. Cristina já propôs isso no passado. Alguém se lembra?

A necessária vitória da União pela Pátria na Argentina será fator fundamental para a defesa da democracia, para a integração latino-americana e detenção de tentativas de golpes contra Lula no Brasil, da mesma forma que a sua atuação exemplar no campo nacional e internacional, como agora junto ao BRICS, encoraja a aprofundar-se um projeto nacional e popular nas próximas eleições argentinas. 

O tema comunicacional continua sendo um problema. Bastarão os tik-toks? De que o FMI era ladrão ou não, se debateu muito. Saberá o cidadão comum o que é o BRICS e a perspectiva de futuro, e de medidas sociais que ele nos possibilitará? O presidente Alberto foi criticado por não ter ido à reunião do BRICS, apesar de que anunciou na TV a importância da entrada da Argentina.

Mas, o tema mereceria dar mais detalhes à cidadania, como fez Lavrov; inclusive explicar que os efeitos positivos da ajuda do BRICS podem vir só em 2024. Criar redes nacionais de TV e rádio, sobretudo num contexto decisivo em que se fala de não voltar ao passado e olhar para o futuro.

Avançar na integração entre as TVs Públicas do Brasil e Argentina seria fundamental. Difundir transmissões do Canal Gov como a de Lula e o ministro Camilo Santana no “Conversa com o Presidente” sobre o novo projeto de educação pública no Brasil seria um duplo exemplo para a Argentina: como avançar na educação e na comunicação. Excelentes pontos programáticos para sugerir à UP diante do avanço da direita privatizante, e assim, garantir a vitória necessária nas eleições de outubro. 

Helena Iono | Colunista na Diálogos do Sul, direto de Buenos Aires.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Helena Iono Jornalista e produtora de TV, correspondente em Buenos Aires

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