Pesquisar
Pesquisar

Amizade entre Brasil e China tem pelo menos 3 séculos e antecede relações com EUA

Presença chinesa só diminuiu quando Dom João VI instalou a Corte no Brasil e abriu os seus portos às “nações amigas” (leia-se Inglaterra)
Rosemberg Cariry
Diálogos do Sul Global
Fortaleza

Tradução:

Como muita coisa no Brasil, a cultura, a economia e a política sofreram a forte influência e o controle dos EUA, a partir da Segunda Grande Guerra Mundial. Por isso, há quem pense que somos mais próximos dos norte-americanos do que dos chineses desde sempre. Mero engano, pois as relações norte-americanas com o Brasil são um fenômeno recente, se comparadas, com as que temos com os chineses, uma relação de três séculos, a partir da chegada de comerciantes e missionários jesuítas portugueses à China, no século XVI. 

As caravelas vindas de Macau e Goa (Índia), nos séculos 16, 17 e 18, aportavam em Salvador, traziam contos e sonhos, palanquins, porcelanas, joias, pipas, papel, pólvora, móveis, foguetes, girândolas, balões, xales, chitas e sedas, arroz, chá, café com leite e, sobretudo, muitas sabedorias. É por demais longa a lista das influências da antiquíssima civilização da China sobre o Brasil em seu tempo de novo mundo.

Assista na TV Diálogos do Sul

Há quem aponte essas influências no barroco baiano e mineiro, com torres, chafarizes, esculturas de santos, santas, anjos e demônios; dragões do aleijadinho, flores, pássaros e pinturas cheias de “chinesices” (ou chinoiseries). A originalidade do barroco brasileiro nasce das misturas e das dobras ibéricas-mediterrânicas com as culturas de matrizes africanas, orientais e indígenas.

Essa presença chinesa só vai diminuir quando Dom João VI instala a Corte no Brasil e abre os seus portos às “nações amigas” (leia-se Inglaterra). Desde então, o pano de algodão e a seda chinesa foram substituídos pelo veludo, a viola pelo piano e as janelas de gelosias por aquelas de vidro. Assim, o Brasil foi forçado a se ocidentalizar.

Presença chinesa só diminuiu quando Dom João VI instalou a Corte no Brasil e abriu os seus portos às “nações amigas” (leia-se Inglaterra)

Xi Jinping e Lula na China em 14 de abril de 2023 (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Nós também “Somos chineses”, seja na origem mais remota ou pela influência de uma antiga rota comercial e cultural




Gilberto Freyre

O sociólogo Gilberto Freyre, nos livros “Sobrados & Mocambos” e “China Tropical”, foi um dos primeiros a estudar e compreender os marcantes traços orientais, notadamente da China, na cultura brasileira. Ele afirma: “sempre houve no Brasil algo de oriental, contrastando com suas características ocidentais”.

Mais recentemente, temos o livro “A China no Brasil: influências, marcas, ecos e sobrevivências chinesas na arte e sociedade brasileiras” (Unicamp, 1999), um trabalho notável do historiador José Roberto Teixeira Leite, que afirma: “O Brasil ocupou uma posição única no mundo, no que diz respeito à influência chinesa”.

Cannabrava | Um estranho no ninho: no G7, Lula diz “não” aos Estados Unidos e à Otan

Ao longo do processo, segundo o mesmo historiador, temos o Brasil “afrancesando-se e se inglesando da noite para o dia, arrependido de ter permanecido por tanto tempo índio, africano e asiático e envergonhado de ter sido senão na epiderme, mentalmente vermelho, negro e amarelo antes de tentar ser branco”.

No que tem toda razão. Ameríndio, ibérico, mediterrânico, magrebino, africano, arábico e oriental, o Brasil sofreu já tardiamente o processo de “ocidentalização” e, na história recente, de norte-americanização.


Continuamos chineses

Não importa, continuamos chineses “em numerosos usos e costumes, em certos requintes da civilização material, em pormenores de arquitetura e artísticos; chinês enfim em muitas formas de pensar, viver, agir e sentir” (cit. LEITE).

Na música “Meu Coco”, o cantor e compositor Caetano Veloso compõe versos enigmáticos e ao mesmo tempo reveladores: “João Gilberto falou/ E no meu coco ficou/ Quem é, quem és e quem sou? / ‘Somos chineses’ ’”. Talvez, o grande músico e inventor da “Bossa Nova” estivesse se referindo ao fato dos povos ameríndios, em tempos remotos, terem vindos da Ásia, da imensa região onde hoje está situada a China.

Continua após o banner

Pois é, fazer o quê? Nós também “Somos chineses”, seja na origem mais remota ou no fato de termos sido culturalmente influenciados por uma antiga rota comercial e cultural, no início da modernidade (séc. XVI). Rota essa novamente retomada em plena pós-modernidade (séc. XXI), com importantes consequências na construção de um mundo bipolar.


Rosemberg Cariry | Cineasta e escritor. Colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na TV Diálogos do Sul


Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Rosemberg Cariry

LEIA tAMBÉM

50 anos da Cadernos do Terceiro Mundo uma nova ordem informativa em prol do Sul Global
50 anos da Cadernos do Terceiro Mundo: uma nova ordem informativa em prol do Sul Global
album-referente-aos-festejos-nacionais-do-5o-aniversario-da-proclamacao-da-d4c858
Golpe e proclamação da República: a consolidação do liberalismo econômico no Brasil
A miséria humana diante da barbárie em Os últimos dias da humanidade, de Karl Kraus
A miséria humana diante da barbárie em "Os últimos dias da humanidade", de Karl Kraus
O perigo do nazismo e dos neopentecostais
O perigo do nazismo e dos neopentecostais