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Fim do Ministério do Trabalho: Que capitalismo é esse que dispensa o trabalhador?

O dinheiro que é dos trabalhadores está correndo sérios riscos; vale apostar que o passo seguinte será a extinção da Justiça do Trabalho
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

* Atualizado em 29/04/2022 às 13h00

O futuro presidente da República Jair Bolsonaro anunciou que extinguirá o Ministério do Trabalho. Aquilo que é o mais forte no Ministério, que são o Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (FGTS) e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vai para as mãos do super-ministro da Economia, Paulo Guedes. Esses fundos acumulam quase que R$ 900 bilhões. Dinheiro suado do trabalhador brasileiro.

O dinheiro que é dos trabalhadores está correndo sérios riscos. Como correm risco também todos os seus direitos. Vale apostar que o passo seguinte será a extinção da Justiça do Trabalho.

Desregulamentação total do trabalho, o sonho do neoliberalismo sob a ditadura do capital financeiro, está prestes a ser realizado. Afinal, se o capital se multiplica por si mesmo, pra que trabalho?

O dinheiro que é dos trabalhadores está correndo sérios riscos; vale apostar que o passo seguinte será a extinção da Justiça do Trabalho

EBC
Ricardo Gaspar: "Em outras partes do mundo, o trabalho qualificado é sinônimo de progresso; no Brasil é reduzido à sua condição servil"

Temer, o ilegítimo, não o fez porque necessitava do ministério como moeda de troca para manter-se no poder e aprovar suas maldades contra o povo trabalhador e a venda das riquezas nacionais. O novo governo, antes mesmo da posse, se gaba de que o novo Congresso dirá amém a tudo o que o seu mestre mandar. Para a oposição sobra o Jus Esperniandi (o direito de espernear).

Há que considerar que o super-ministro da economia, planejamento e tudo o mais que se refere à gestão econômica da União, já reiterou que quer arrecadar um trilhão de reais para pagamento da dívida. Admitiu, em seguida, que como não venderá nem a Petrobras nem o Banco do Brasil, arrecadará só um pouco mais de R$ 800 bilhões.

Desde que assumiram o controle da economia, os iluminados estão querendo vender patrimônios que não lhes pertencem, patrimônios que constituem a riqueza, a tecnologia e os bens do país, patrimônios que são teus, meus, dos nossos filhos e netos. Para quê? 

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Para pagar a dívida é que não é, pois em todo esse tempo a dívida pública só cresceu, ultrapassa hoje os 3,1 trilhão, quase 80% do PIB e que, segundo o próprio FMI, não vai parar de crescer e que até 2020 ultrapassará de 100% do PIB. Se não é para pagar a dívida, dívida cujo pagamento dos juros leva 47% do orçamento da União, para que é então?

Impressiona que todas essas maldades, presentes e futuras, sendo que o futuro é o mês que vem, -1º de janeiro está aí, é amanhã-, não provoque reação alguma entre os trabalhadores.

Vejam o que está acontecendo na França. O simples anúncio de que a partir de 1º de janeiro haveria aumento no preço dos combustíveis provocou uma verdadeira sublevação em toda a população. Paris e outras importantes cidades estão transformadas em praça de guerra, com toque de recolher, locais públicos cercados, metrô paralisado e repressão das mais violentas respondida com a violência dos rebelados.

A revista Diálogos do Sul enviou para alguns de seus colaboradores a pergunta formulada no título dessa nota: “Que capitalismo é esse que dispensa o trabalho?”. Para o economista Ladislau Dowbor, é o império da burrice; enquanto para Ricardo Gaspar é jogar fora 400 anos de história. Do Peru, Gustavo Espinoza nos manda um recado assertivo: agora não há mais para quem reclamar, sobra repressão. Confiram as respostas:


“É a burrice no poder a se perpetuar e nela se afundar”

Ladislau Dowbor, economista, é professor titular da PUC/SP e consultor de várias agências das Nações Unidos e integra o núcleo fundador de Diálogos do Sul. Seus livros sobre economia foram traduzidos para dezenas de idiomas e estão à disposição em sua página pessoal

“Insistir numa política que empurra o país para trás, mesmo depois de quatro anos de desastre, não é evidentemente uma coincidência, é a regra. No túnel da burrice, os que a perpetram sempre imaginam que logo adiante surgirá a proverbial luzinha. Se a política sacrifica em vez de ajudar, dirão que o sacrifício não foi suficiente, é só aprofundar um pouco mais. Com gigantesco esforço de mídia, de fake news e de dinheiro, elegeu-se um presidente cujo rumo é simplesmente acelerar a marcha. Com Deus e a Família rumo ao absurdo. 

Acostumamo-nos a que tipicamente 5% do nosso PIB fosse desviado via governo para intermediários financeiros, sem que produzissem nada, pelo contrário, desviavam-se os recursos do investimento produtivo para a aplicação financeira. Para cobrir os juros sobre a dívida, o dinheiro tem que vir de algum lugar: normal é que venha dos impostos, ou seja, é a carga tributária. Se não há produção sobem a carga tributária, vendem os ativos e insistem em que não é preciso o desenvolvimento industrial. 

A austeridade, para quem não tenha notado, não funciona. Como diz [o economista Joseph] Stiglitz, nunca funcionou. Por uma razão simples: o capitalismo, para se expandir, precisa de produtores, mas também de consumidores. No centro do raciocínio, está a ilusão de que não temos recursos suficientes para incluir os pobres. As políticas sociais e um salário mínimo decente não caberiam na economia, no orçamento, ou na Constituição, segundo os políticos. 

Façam um cálculo simples: o Brasil produz R$ 6,3 trilhões de bens e serviços, o montante do nosso PIB. Isso dividido por 208 milhões de habitantes nos dá um per capita de R$ 30 mil ao ano, ou seja, R$ 10 mil por mês por família de quatro pessoas. Isso está longe das ambições de consumo da nossa classe média alta, mas assegura, para o comum dos mortais, o suficiente para uma vida digna e confortável. Nosso problema não é falta de recursos e sim a burrice na sua distribuição. Na fase do lulismo, a economia cresceu, sendo que a renda dos mais pobres e das regiões mais pobres cresceu mais do que a renda dos mais ricos: todos ganharam, os pobres de maneira mais acelerada, reduzindo a desigualdade. 

A ascensão dos pobres gerou nos ricos a reação esperada: a mesma que tiveram com Getúlio e com Jango, agora repetida com Dilma e com Lula. Reconhecer que funciona o que sempre denunciaram seria penoso demais. A burrice é muito teimosa. 

Portugal tem uma experiência simpática: mandou a austeridade às favas, e está indo de vento em popa. Com uma lei absurda de teto de gastos, nós institucionalizamos o aprofundamento da desigualdade. Já se notou que a austeridade recomendada é a dos pobres que têm pouco, e não a dos ricos que têm muito e ainda esbanjam?”


“Ditadura de credores prescinde do trabalho humano”

Ceci Vieira Juruá é professora de economia na UFRJ, membro do conselho da Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU) e colaboradora da Diálogos do Sul.

“Desde a década de 1970, o capitalismo iniciou um processo de afastamento da social democracia. Em 1980, tivemos o big bang nos Estados Unidos e no Reino Unido e fica evidente, para o mundo, que a nova fase que se inicia é de financeirização da acumulação. Também conhecida como a ditadura dos credores. A acumulação financeira prescinde de produção, e portanto do trabalho humano. Eles acreditam que o capital fictício, a moeda, a liquidez, é suficiente para produzir riqueza. E investem nisso. Desconhecem a lenda do rei Midas. Penso ainda que se trata de um modelo suicida, requer a redução da população mundial, daí o esforço em reduzir salários e destruir os sistemas de seguridade social.

Por outro lado, é um mundo de guerra. Trustes, cartéis, conglomerados, corporações competem duramente pelo controle da produção mundial. Pelo domínio absoluto do que é e do que poderá ser o mercado mundial. Não há ética. Vale tudo. A história da colonização diz que uma das armas mais usadas era a corrupção. Talvez permaneça esta arma. E explique o que está acontecendo nas periferias”.


“Aqui, abrimos mão de forjar capacidades coletivas de trabalho”

Ricardo Gaspar, professor de economia na PUC/SP, assessorou a gestão econômica em vários municípios do Estado, colabora com Diálogos do Sul desde sua fundação. 

“Me vem à cabeça o título de um dos últimos livros de Celso Furtado: “Brasil: a construção interrompida”. Pois, depois de quatro séculos de colonização, fizemos um esforço apreciável de desenvolvimento, entre 1930 e 1980. Com todos os percalços e insuficiências, edificamos uma base econômica diversificada e uma indústria forte. 

Porém, de lá para cá, salvo um momento efêmero no governo Lula, acumulamos fracassos. Paralisamos investimentos em ciência e tecnologia, abrimos mão de forjar capacidades coletivas de trabalho, descuidamos da indústria. 

Em outras partes do mundo, o trabalho qualificado é sinônimo de progresso — embora não sem luta e antagonismos vários — aqui é fustigado politicamente e reduzido à sua condição servil. Assim, andamos pra trás. Algum dia isso se reverterá. Contudo, impossível prever quando ou como”.


“No Peru, os trabalhadores ainda resistem”

Gustavo Espinoza Montesinos, sindicalista e político peruano, foi presidente da Central Geral dos Trabalhadores, dirige o Centro de Estudos José Carlos Mariátegui. Queríamos saber em primeiro lugar se lá ainda funcionava o Ministério do Trabalho depois de tantos desmandos governamentais. Eis a resposta:

“Sim. No Peru existe o Ministério do Trabalho. Sua criação e seu funcionamento radicam em uma das concepções do capitalismo de nosso tempo, aquele que busca elidir a realidade e incuba a ilusão que a luta de classes pode ser “superada” graças à “inteligência humana”. Os que acolhem essa ideia sustentam que “há que concertar esforços” para “superar os conflitos do trabalho”, e para isso, nada melhor que uma autoridade superior — o Estado — que sirva de “árbitro”, que tutele e regule as relações de trabalho para “unir as vontades”.

Quando a luta de classes ultrapassa esse esquema e se mostra em sua maior dimensão, e quando os opressores sentem que “não vale a pena” negociar, mas sim reprimir e escravizar, o Ministério do Trabalho se lhes torna inútil. Pra que existir? Não há nada para conservação, nada pra tutelar, nem para buscar acordos de qualquer natureza. A única coisa a fazer é reprimir e espoliar. Valer-se da força e do aparato burocrático-militar do Estado para submeter e neutralizar.

Nessa circunstância, a só existência de um Ministério do Trabalho é contraproducente porque “alimenta esperanças”. Semeia a ideia de que é possível “queixar-se para alguém” , e que um ente “por cima das classes”, possa “regular” e impedir abusos contra os mais débeis: ou seja, os trabalhadores.

Por isso, os governos mais reacionários tratam de suprimir o Ministério do Trabalho ou, simplesmente, impedir que cumpra suas funções. Isto ocorreu no Peru durante longos períodos, quando o Ministério do Trabalho foi apenas uma dependência das organizações patronais e um feudo dos empresários. Isso só mudou durante os anos de Velasco Alvarado (1968 – 1975), quando o Ministério foi convertido em um ente regulador, mas também em um organismo destinado a impor o que se conhece como Justiça do Trabalho.

Isso durou poucos anos. Depois de Velasco, tudo “voltou à normalidade”. Os patrões retomaram suas velhas maneiras de atuar e o Ministério novamente passou a ser instrumento de dominação. Não se atreveram a “extinguir” o Ministério porque ainda lhes serve, porém, se conseguirem definitivamente domesticar a resistência sindical, claro que o farão”.


Recado da Itália

Nossa amiga e parceira na Itália Elza De Matteu, manda uma advertência do alto de sua experiência e conhecimento do mundo:

“A história mostra que estão recriando duas classes que foram definidas durante a monarquia: militares e judiciário. Já existia no Império Romano, atravessou a monarquia e se tentou superar durante a República até que houve a retomada, na Itália, com a Operação Mãos Limpas, que inspirou as ações no Brasil. O neoliberalismo é mais que retrocesso, é o fim do mundo! Tem que haver reação a isto, minha gente!”

Paulo Cannabrava Filho é jornalista e editor da Diálogos do Sul.


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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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