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Análise

Jair Bolsonaro parece governar, mas é governado por um projeto lesa-pátria

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"Estamos em face de um governo lesa-pátria, organizadamente, planejadamente, ideologicamente empenhado na desconstrução do país", afirma Roberto Amaral

Roberto Amaral

Carta Capital Carta Capital

Brasília (DF) (Brasil)
2019-02-12T17:05:00.000Z

Receba nossas notícias e novidades em primeira mão!

Cabe à esquerda rejeitar as distrações, deixar de ser reativa e impor as pautas que lhe são caras.

O governo já disse a que veio e ninguém pode alegar surpresa: a insanidade foi anunciada na campanha.

A direita, desconsolada pelos insucessos dos governos Jânio e Collor, demagogos tomados de empréstimo, respectivamente, à UDN e às Organizações Globo, entrou na raia com o capitão Messias que já vinha a galope, embalado pela caserna e as clássicas forças do atraso.

Deu no que deu.

Era a vez da extrema-direita que nos foi dado merecer.

A eleição do capitão paraquedista afastado do Exército pelas portas dos fundos — 'mal militar' segundo o general Ernesto Geisel –, ironicamente ensejou a volta dos militares ao governo, dispensado, ao menos provisoriamente, o uso da tropa.

Os ritos do formalismo legal foram observados na abertura de caminho para o autoritarismo com que sonham setores atrasados da sociedade, como a turba que nos anos recentes ocupou ruas e praças pedindo intervenção militar, ignorante do que foram os idos da ditadura e seu legado de violência e desatinos que compreenderam prisões arbitrárias, tortura e assassinatos.

Aliás, a emergência de uma massa reacionária no início desta década, de cuja existência não desconfiávamos, é ainda uma esfinge desafiando a esquerda socialista.

A força do "bolsonarismo" (aqui compreendendo o establishment, que ele diz combater mas com o qual governa) está à vista e não se reduz ao apoio popular, objetivado nas urnas. Está no Congresso (onde acaba de empalmar as presidências das duas Casas (numa das quais com a ajuda de partidos do campo da esquerda) e na maioria dos governos estaduais, a começar pelas principais economias do país.

O novo governo — uma heterogênea coalização de forças dentre as quais o bolsonarismo é apenas um dos elementos –, conserva o apoio que na campanha lhe emprestaram setores majoritários do Poder Judiciário, à frente o STF, onde pontificam excelências como Gilmar Mendes, Luiz Fux e Dias Toffoli, e já pontificou a ex-presidente Carmen Lúcia, dando sombra a conhecidos juízes de piso, um dos quais agraciado com uma sesmaria. Outro contemplado com benesse foi o general Villas Bôas, a quem o capitão tributa sua vitória.

O sistema dispõe do Ministério Público, no plano federal e nos planos estaduais e tem ao seu lado o aparato policial repressivo. E ainda conta com a solidariedade de setores organizados da sociedade, como a grande maioria das seitas neopentecostais, que, ao lado da imprensa (com uma ou outra exceção, como CartaCapital), desempenharam papel relevante na campanha eleitoral, não obstante suas contradições comerciais.

Conta o governo com o apoio do deus mercado, essa criatura onisciente, invisível e onipresente, que tudo pode, e o aplauso do sistema financeiro, mais preocupado com a bolsa de Nova York; conta com a simpatia da banca internacional, e tornou-se peça relevante na estratégia político-militar dos EUA de Donald Trump, a quem esse Brasil se oferece como preposto junto aos seus vizinhos.

Esse novo governo, que é de fato um novo regime, em face de sua composição e de seu projeto, não é adversário a ser desprezado, nem seu calcanhar de Aquiles são as ligações perigosas da famiglia que o capitão chefia, ainda quando estas possam leva-lo ao mesmo destino que ceifou as ambições do antigo morador da Casa da Dinda.

Esses novos êmulos de PC Farias são removíveis a qualquer momento em nome da Causa, que está acima de tudo e de todos, e cuja conservação independe do atual locatário do Palácio do Planalto.

O tosco e burlesco Bolsonaro é uma contingência.

CUT/RS
"O tosco e burlesco Bolsonaro é uma contingência", afirma Roberto Amaral

Insisto: falcatruas que começam a ser desvendadas precisam ser denunciadas pelo que pode vir a ser a oposição que ainda não temos, mas esse não deve ser o centro de nosso combate, que nos cobra a denúncia do caráter antinacional e reacionário do governo tutelado pelo Exército.

Esta denúncia é que deve ser nosso alvo e nela devemos concentrar todos os esforços.

Nascido de uma aliança civil-militar, o novo regime desenvolve, no entanto, grave projeto de desconstrução que beira as raias da traição nacional, pois abdica da defesa de nossos interesses, renuncia aos nossos sonhos de soberania e independência, atrela nosso futuro aos interesses de uma potência estrangeira em guerra pela hegemonia política e militar do planeta, e desestabiliza aquelas áreas que respondem pelo desenvolvimento de um país: o Estado, a ciência, a tecnologia, a inovação, o setor energético (donde a privatização da Eletrobras e a destruição da Petrobras, com a venda de seus ativos na bacia das almas), a alienação da indústria aeroespacial com a venda da Embraer (e com ela a doação de seu know-how adquirido com recursos públicos), a desarticulação do programa espacial e a entrega da Base de Lançamentos de Alcântara aos EUA, em condições até aqui secretas.

Não há diálogo possível nem com este governo nem com seus apoiadores.

Faz parte de seu projeto a destruição, em marcha, do ensino, entregue a um celerado, a perseguição às universidades, ameaçadas de privatização, o ensino público gratuito ameaçado de extinção em benefício dos privilegiados, o desprezo pela proteção ambiental, as ameaças aos bancos estatais voltados ao desenvolvimento econômico e social, o desestímulo à produção cultural, o desprezo pelos direitos humanos, e o incentivo à violência, a desestabilização da sociedade envenenada pela pregação autoritária que alimenta os conflitos.

A liberação da posse e, amanhã, do porte de armas é, tão-só, um indicador do que está por vir.

Em processo de desmonte está nossa capacidade de defesa, entregue à conveniência dos interesses dos EUA.

Em tão poucos dias, a coalizão civil-militar desmoralizou nossa política externa, e transformou uma das dez maiores potências econômicas do mundo em uma republiqueta irrelevante a serviço dos interesses do Pentágono.

Enquanto cuidamos das esquisitices dos parvos, o núcleo do poder se volta para o essencial, a desmontagem da base econômica que assegurou o que até aqui foi logrado como avanços econômicos e sociais.

Enquanto cuidamos dos coadjuvantes, os atores centrais – e um deles é o ministro Paulo Guedes – seguem empenhados em desmontar nossa economia, impedir qualquer sorte de desenvolvimento autônomo, decididos a aprofundar nossa dependência ao capital financeiro internacional.

A política antinacional do ministro da Economia, porém, é apontada como a fiadora, interna e internacionalmente, do que ainda chamamos de 'governo Bolsonaro', e a ela e ao seu condutor não têm faltado, apesar das andanças e falações do vice Mourão, o apoio da corporação militar.

Grato pelo apoio recebido no planejamento de sua candidatura e na campanha, o capitão não teve dúvida em partilhar o governo com seus chefes hierárquicos, até porque esta é a condição objetiva para a conservação do poder (ou de suas aparências), condicionada pela sua eventual habilidade de, trapezista em corda bamba, governar sendo governado.

É na denúncia desse projeto que se devem unificar as forças de oposição. Sem medo de retomar suas bases ideológicas, cumpre às esquerdas se antepor à pregação da extrema-direita.

Ou seja, cabe à esquerda – de especial à esquerda socialista–, retomar o discurso, as teses e as ações organizativas abandonadas desde 2002, quando a perspectiva do poder nos levou, nas eleições daquele ano e a seguir no governo, a uma aliança com a direita partidária, ao preço de concessões político-ideológicas, a primeira das quais foi a renúncia aos nossos princípios e aos projetos que então justificavam, e justificam ainda hoje, nossa existência, independentemente da leitura dialética da realidade, que nos cobra novas reflexões e a coragem de mudar paradigmas em conflito com o mundo real.

Faz parte do projeto da extrema direita, como seu aríete, a destruição do orgulho nacional, porta aberta para o desânimo que leva ao conformismo, quando mais do que nunca a Historia exige a resistência na luta, que nos cobra, para além da retórica, a ação de massas – dependente dos sindicatos, silentes – e a proposta de um projeto alternativo que explicite nossa contraposição ao projeto da extrema-direita, mediante formulação clara, discutida e construída com a sociedade.

Ou seja: a difícil volta às bases.

Estamos em face de um governo lesa-pátria, organizadamente, planejadamente, ideologicamente empenhado na desconstrução do país. Este é, portanto, o verdadeiro alvo da oposição com os pés na terra e a vista no horizonte.

Cabe à oposição, e de forma especial à esquerda, saltar da tática simplesmente reativa para a ação direta, rejeitar a pauta imposta pela direita e recolocar na ordem do dia os temas que nos interessam como, entre tantos outros, reforma do Estado, redistribuição de renda, desenvolvimento autônomo e criação de empregos, defesa da economia nacional e soberania.

No combate a esse governo não pode haver trégua, nem composição com seus aliados.

Para enfrentar esta conjuração contra a Pátria (cuja defesa é tão séria que não pode ficar cingida aos militares) o único meio de que dispõem as forças populares, ainda desarticuladas, é a Frente Ampla que deve abraçar todas as forças que neste momento se alinhem contra o statu quo. Isso quer dizer que a Frente, porque necessariamente ampla, se não pode ser simplesmente uma coligação de esquerda, muito menos pode compreender, em qualquer alternativa, a composição com forças que compõem a coalizão governista, inclusive no Congresso.

Infelizmente, há setores importantes da esquerda socialista e da centro-esquerda que ainda não entenderam o quadro que as circunstâncias nos impõem, e, por isso mesmo, não sabem identificar nem seus aliados nem seus adversários.

Cabe à esquerda rejeitar as distrações, deixar de ser reativa e impor as pautas que lhe são cara.

O governo já disse a que veio e ninguém pode alegar surpresa: a insanidade foi anunciada na campanha.

A direita, desconsolada pelos insucessos dos governos Jânio e Collor, demagogos tomados de empréstimo, respectivamente,  à UDN e às Organizações Globo, entrou na raia com o capitão Messias que já vinha a galope, embalado pela caserna e as clássicas forças do atraso.

Deu no que deu.

Era a vez da extrema-direita que nos foi dado merecer.

A eleição do capitão paraquedista afastado do Exército pelas portas dos fundos — ‘mal militar’ segundo o general Ernesto Geisel –,  ironicamente ensejou a volta dos militares ao governo, dispensado, ao menos provisoriamente, o uso da tropa.

Os ritos do formalismo legal foram observados na abertura de caminho para o autoritarismo com que sonham setores atrasados da sociedade, como a turba que nos anos recentes ocupou ruas  e praças pedindo intervenção militar, ignorante do que foram os idos da ditadura e seu legado de violência e desatinos que compreenderam prisões arbitrárias, tortura e assassinatos.

Aliás, a emergência de uma massa reacionária no início desta década, de cuja existência não desconfiávamos, é ainda uma esfinge desafiando a esquerda socialista.

A força do “bolsonarismo” (aqui compreendendo o establishment, que ele diz combater mas com o qual governa) está à vista e não se reduz ao apoio popular, objetivado nas urnas. Está no Congresso (onde acaba de empalmar as presidências das duas Casas (numa das quais com a ajuda de partidos do campo da esquerda) e na maioria dos governos estaduais, a começar pelas principais economias do país.

O novo governo — uma heterogênea coalização de forças dentre as quais o bolsonarismo é apenas um dos elementos –, conserva o apoio que na campanha lhe emprestaram setores majoritários do Poder Judiciário, à frente o STF, onde pontificam excelências como Gilmar Mendes, Luiz Fux e Dias Toffoli,  e já pontificou a ex-presidente Carmen Lúcia, dando sombra a conhecidos juízes de piso, um dos quais agraciado com uma sesmaria. Outro contemplado com benesse foi o general Villas Bôas, a quem o capitão tributa sua vitória.

O sistema dispõe do Ministério Público, no plano federal e nos planos estaduais e tem ao seu lado o aparato policial repressivo. E ainda conta com a solidariedade de  setores organizados da sociedade, como a grande maioria das seitas neo pentecostais, que, ao lado da imprensa (com uma ou outra exceção, como Carta Capital), desempenharam papel relevante na campanha eleitoral, não obstante suas contradições comerciais.

Conta o governo com o apoio do deus mercado, essa criatura onisciente, invisível e onipresente,  que tudo pode, e o aplauso do sistema financeiro, mais preocupado com a bolsa de Nova York;  conta com a simpatia da banca internacional, e tornou-se peça relevante na estratégia político-militar dos EUA de Donald Trump, a quem esse Brasil se oferece como preposto junto aos seus vizinhos.

Esse novo governo, que é de fato um novo regime, em face de sua composição e de seu projeto, não é adversário a ser desprezado, nem seu calcanhar de Aquiles são as ligações perigosas da famiglia que o capitão chefia, ainda quando estas possam leva-lo ao mesmo destino que ceifou as ambições do antigo morador da Casa da Dinda.

Esses novos êmulos de PC Farias são removíveis a qualquer momento em nome da Causa, que está acima de tudo e de todos, e cuja conservação independe do atual locatário do Palácio do Planalto.

O tosco e burlesco Bolsonaro é uma contingência.

Insisto:  falcatruas que começam a ser desvendadas precisam ser denunciadas pelo que pode vir a ser a oposição que ainda não temos, mas esse não deve ser o centro de nosso combate, que nos cobra a denúncia do caráter antinacional e reacionário do governo tutelado pelo Exército.

Esta denúncia é que deve ser nosso alvo e nela devemos concentrar todos os esforços.

Nascido de uma aliança civil-militar, o novo regime desenvolve, no entanto, grave projeto de desconstrução  que beira as raias da traição nacional, pois abdica da defesa de nossos interesses, renuncia aos nossos sonhos de soberania e independência, atrela nosso futuro aos interesses de uma potência estrangeira em guerra pela hegemonia política e militar do planeta, e desestabiliza aquelas áreas que respondem pelo desenvolvimento de um país: o Estado, a ciência, a tecnologia, a inovação, o setor energético (donde a privatização da Eletrobrás e a destruição da Petrobras, com a venda de seus ativos na bacia das almas), a alienação da indústria aeroespacial com a venda da Embraer (e com ela a doação de seu know-how adquirido com recursos públicos), a desarticulação do programa espacial e a entrega da Base de Lançamentos de Alcântara aos EUA, em condições até aqui secretas.

Não há diálogo possível nem com este governo nem com seus apoiadores.

Faz parte de seu projeto a destruição, em marcha, do ensino, entregue a um celerado, a perseguição às universidades, ameaçadas de privatização, o ensino público gratuito ameaçado de extinção em benefício dos privilegiados, o  desprezo pela proteção ambiental, as ameaças aos bancos estatais voltados ao desenvolvimento econômico e social, o desestímulo à produção cultural, o desprezo pelos direitos humanos, e o incentivo à violência, a desestabilização da sociedade envenenada pela pregação autoritária que alimenta os conflitos.

A liberação da posse e, amanhã, do porte de armas é, tão-só, um indicador do que está por vir.

Em processo de desmonte está nossa capacidade de defesa, entregue à conveniência dos interesses dos EUA.

Em tão poucos dias, a coalizão civil-militar desmoralizou nossa política externa, e transformou uma das dez maiores potências econômicas do mundo em uma republiqueta irrelevante a serviço dos interesses do Pentágono.

Enquanto cuidamos das esquisitices dos parvos,  o núcleo do poder se volta para o essencial,  a desmontagem da base econômica que assegurou o que até aqui foi logrado como avanços econômicos e sociais.

Enquanto cuidamos dos coadjuvantes, os atores centrais – e um deles é o ministro Paulo Guedes – seguem empenhados em desmontar nossa economia, impedir qualquer sorte de desenvolvimento autônomo, decididos a aprofundar nossa dependência ao capital financeiro internacional.

A política antinacional do ministro da Economia, porém, é apontada como a fiadora, interna e internacionalmente, do que ainda chamamos de ‘governo Bolsonaro’,  e a ela e ao  seu condutor não têm faltado, apesar das andanças e falações do vice Mourão, o apoio da corporação  militar.

Grato pelo apoio recebido no planejamento de sua candidatura e na campanha, o capitão não teve dúvida em partilhar o governo com seus chefes hierárquicos, até porque esta é a condição objetiva para a conservação do poder (ou de suas aparências), condicionada pela sua eventual  habilidade de, trapezista em corda bamba,  governar sendo governado.

É na denúncia desse projeto que se devem unificar as forças de oposição. Sem medo de retomar suas bases ideológicas, cumpre  às esquerdas se antepor à pregação da extrema-direita. 

Ou seja, cabe à esquerda – de especial à esquerda socialista–, retomar o discurso, as teses e as ações organizativas abandonadas desde 2002, quando a perspectiva do  poder nos levou, nas eleições daquele ano e a seguir no governo, a uma aliança com a direita partidária, ao preço de concessões político-ideológicas, a primeira das quais foi a renúncia aos nossos princípios e aos projetos que então justificavam, e justificam ainda hoje, nossa existência, independentemente da leitura dialética da realidade, que nos cobra novas reflexões e a coragem de mudar paradigmas em conflito com o mundo real.

Faz parte do projeto da extrema direita, como seu aríete,  a destruição do orgulho nacional, porta aberta para o desânimo que leva ao conformismo, quando mais do que nunca a Historia exige a resistência na luta, que nos cobra, para além da retórica, a ação de massas – dependente dos sindicatos, silentes – e a proposta de um projeto alternativo que explicite nossa contraposição ao projeto da extrema-direita, mediante formulação clara, discutida e construída com a sociedade.

Ou seja: a difícil volta às bases.

Estamos em face de um governo lesa-pátria, organizadamente, planejadamente, ideologicamente empenhado na desconstrução do país. Este é, portanto,  o verdadeiro alvo da oposição com os pés na terra e a vista no horizonte.

Cabe à oposição, e de forma especial à esquerda, saltar da tática simplesmente reativa para a ação direta, rejeitar a pauta imposta pela direita e recolocar na ordem do dia os temas que nos interessam como, entre tantos outros, reforma do Estado, redistribuição de renda, desenvolvimento autônomo e criação de empregos, defesa da economia nacional e soberania.

No combate a esse governo não pode haver trégua, nem composição com seus aliados.

Para enfrentar esta conjuração contra a Pátria (cuja defesa é tão séria que não pode ficar cingida aos militares) o único meio de que dispõem as forças populares, ainda desarticuladas, é a Frente Ampla que deve abraçar todas as forças que neste momento se alinhem contra o status quo. Isso quer dizer que a Frente, porque necessariamente ampla, se não pode ser simplesmente uma coligação de esquerda, muito menos pode  compreender, em qualquer alternativa, a composição com forças que compõem a coalizão governista, inclusive no Congresso.

Infelizmente, há setores importantes da esquerda socialista e da centro-esquerda que ainda não entenderam o quadro que as circunstâncias nos impõem, e, por isso mesmo, não sabem identificar nem seus aliados nem seus adversários.

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Saúde

Consequência de equívocos na logística, Brasil vive escassez de imunizantes contra Covid-19

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Para Eder Frois, mestrando de engenharia na Unicamp, não comprar com antecedência foi erro grave. "Deveria ter ocorrido o planejamento”

Deborah Moreira

SEESP / Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo SEESP / Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo

São Paulo (SP) (Brasil)
2021-03-05T21:29:00.000Z

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O Brasil vive neste momento uma escassez de imunizantes para o novo coronavírus, consequência de equívocos em logística que têm comprometido a vacinação.

O primeiro desses erros foi ter apostado todas as fichas numa única vacina, a do Laboratório AstraZeneca, da Universidade de Oxford, que acabou atrasando a importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA). Faltou planejamento integrado, que teria antecipado todos os cenários possíveis, inclusive os mais catastróficos, o que daria ao País um leque de possibilidades para contornar a crise atual. É o que apontam especialistas ao Jornal do Engenheiro.

Atuando há 15 anos nesse segmento, sendo os últimos seis como gerente no setor farmacêutico, Eder Frois explica: “Existem quatro grandes macroprocessos na logística: compra, produção, distribuição e logística reversa. Um quinto processo integra todos esses, que é o planejamento integrado.”


Para Eder Frois, não comprar com antecedência foi erro grave. Mestrando do Programa de Engenharia de Produção e Manufatura da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele considera um “erro grave” o Brasil não ter efetivado a compra das vacinas no momento em que os fabricantes sinalizaram com resultados positivos nas primeira e segunda fases de testes clínicos, entre julho e agosto de 2020.

“Tão importante quanto o desenvolvimento da vacina é fazer com que ela chegue à população. Antes da parte operacional, deveria ter ocorrido o planejamento”, reforça o especialista em análise de processos logísticos.

O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ratifica que assumir o compromisso de aquisição naquele momento era um risco necessário. “Ninguém comprou vacina sem no mínimo saber como estavam os primeiros resultados. Em geral, quando as fases 1 e 2 dão certo, já é um indicativo que a fase 3 também dará”, aponta ele, que é professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

No Brasil, Instituto Butantan e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), respectivamente dos governos estadual e federal, correram esse risco ao assinarem acordos de compra de IFA e de troca de tecnologia, prevendo envase do insumo e produção local. O primeiro apostou na Coronavac, do laboratório chinês Sinovac Biotech, e o segundo, na do Laboratório AstraZeneca, da Inglaterra. 

Atraso e desorganização

 No País, estão sendo vacinadas em média 250 a 300 mil pessoas por dia. Número inexpressivo, se comparado a campanhas nacionais. Em 2010, na imunização contra o vírus H1N1, foram 100 milhões de pessoas em três meses. Em 2020, vacinaram-se quase 80 milhões contra a gripe, também em um trimestre. Uma média de 1 milhão ao dia.

 Agravante em meio à pandemia são os adiamentos e recusas feitos pelo Ministério da Saúde (MS). Seu Plano Nacional de Imunização de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, publicado em 16 de dezembro último, já está na quarta edição, sofrendo diversas modificações. A principal delas diz respeito à disponibilização das vacinas, espinha dorsal do plano.

 Isso porque o Ministério segue em negociação com diversas farmacêuticas, sendo elas Janssen, Moderna, Gamaleya, Pfizer, Sputnik V, dentre outras. Ainda assim, a Campanha Nacional de Vacinação contra a Covid-19 teve início no dia 18 de janeiro de 2021.

 No plano, o MS prevê obter 350 milhões de doses para o ano, sendo 102,4 milhões até julho próximo e mais 110 milhões (já em produção nacional) entre agosto e dezembro da vacina proveniente da parceria da Fiocruz com o laboratório de Oxford. Também conta com 46 milhões de doses da Coronavac no primeiro semestre deste ano e 54 milhões no segundo semestre.

 Na primeira versão do plano havia previsão de que o Brasil receberia 70 milhões de doses da Pfizer-BioNTech, cujo registro definitivo foi dado somente em 23 de fevereiro pela Anvisa, a qual estendeu a autorização para importação às clínicas privadas. Na atual situação emergencial, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve usar inclusive as que não forem adquiridas diretamente pelo governo, de acordo com a Constituição Federal.

 Naquele momento inicial, o governo brasileiro recusou a remessa, alegando falta de garantias. A Pfizer fez uma segunda oferta de 2 milhões de doses. No entanto, o MS divulgou nota em 23 de janeiro afirmando ter novamente recusado, desta vez por ser pouca quantidade, o que "causaria frustração em todos os brasileiros". O total, porém, é exatamente o mesmo que foi importado da AstraZeneca.

 Devido à falta de vacinas, o Brasil precisou recorrer ao Covax Facility, consórcio de nações ricas, liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para ajudar países em situação de vulnerabilidade econômica e social como Nigéria, Congo e Haiti. Segundo o governo federal, serão disponibilizadas 42,5 milhões de doses, sendo 10 milhões até julho. Mais 20 milhões foram negociadas para obtenção da Covaxin, da Precisa Medicamentos, em parceria com o laboratório indiano Barat Biotech.

 O governo brasileiro também recusou lotes maiores que foram ofertados pelo Butantan no ano passado. O primeiro ofício encaminhado à pasta, em 30 de julho de 2020, propunha 60 milhões de doses de vacinas prontas para entrega ainda em 2020 e 100 milhões para 2021, conforme afirmado pelo diretor do instituto, Dimas Covas, em coletiva de imprensa no dia 19 de fevereiro último.

Mau uso do sistema

“Nesse ritmo atual, vamos levar mais de quatro anos para vacinar toda a população alvo da campanha. Temos um sistema eficiente na cadeia logística da imunização, reconhecido internacionalmente, poderíamos ter feito melhor uso”, diz Frois, referindo-se ao Programa Nacional de Imunização (PNI), criado pelo governo federal em 1973.

Até agora, as vacinas só podem ser aplicadas em pessoas maiores de 18 anos, já que não foram feitos testes em crianças, adolescentes e gestantes. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse grupo soma 159,1 milhões de brasileiros.

O PNI viabiliza a logística de aproximadamente 300 milhões de doses dos 47 imunobiológicos distribuídos anualmente, segundo dados do Ministério da Saúde. A rede conta com uma central nacional, 27 estaduais, 273 regionais e aproximadamente 3.342 municipais, além de 38 mil salas de imunização, que podem se ampliar para 50 mil, e 52 Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Crie).

Alguns desses centros nas capitais teriam capacidade de se estruturar rapidamente para receber por exemplo a da Pfizer-BioNTech, que exige um armazenamento a menos 70 graus celsius. É o que afirma a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o PNI de 2011 a 2019.

Além disso, a fabricante desenvolveu um contêiner pequeno que mantém a vacina por até 30 dias com gelo seco, que precisa ser reposto. Depois desse período, a vacina pode ficar em uma geladeira comum, de dois a oito graus celsius, por até cinco dias. Com isso, os grandes centros urbanos poderiam usar as vacinas da Pfizer. As da AstraZeneca e Coronavac, armazenadas em geladeira comum, seriam enviadas para regiões afastadas.

Outra medida que poderia ter dado agilidade e confiabilidade neste momento seria um pré-cadastro bem feito, que coibiria os fura-filas e evitaria o desperdício, como vem ocorrendo em cidades como Rio de Janeiro, que, por falta de um planejamento diário na convocação do público-alvo, perdeu doses da vacina da AstraZeneca, que vem numa ampola de 10ml e só pode ser aplicada até seis horas após aberta.

As vacinas em geral possuem duas doses, têm tempos de intervalo diferentes e não são intercambiáveis. Ou seja, é preciso ainda ter o cuidado de fazer o registro nominal para garantir que a pessoa, quando retornar ao posto, tome a mesma vacina. Uma medida simples que facilitaria esse controle teria sido o envio de doses de um mesmo fabricante.

Outras estratégias

Domingues é categórica: “Para ter celeridade diante dessa situação pandêmica, precisaríamos vacinar entre 1,5 milhão e 2 milhões por dia.”


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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