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Nada mais contemporâneo do que celebrar guerras e a imbecilidade humana

Onde estão os 117 fuzis apreendidos no condomínio de Bolsonaro? De quem é a culpa pelos desabamentos na favela da Muzema, no Rio?
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

“Os fuzis da senhora Carrar” é o nome de uma obra do genial Bertold Brecht, escrita em 1937, em plena guerra civil espanhola. É um hino de protesto à imbecilidade humana, à violência das guerras — no caso guerra de espanhóis contra espanhóis.

A lembrança me veio à tona por causa da pergunta que ficou sem resposta: onde estão os 117 fuzis M-16 e HKM 27 de uso exclusivo dos fuzileiros navais estadunidenses? Aqueles fuzis encontrados na casa de Alexandre Mota de Souza — um amigo do PM Ronnie Lessa, suspeito matador da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018 — morador no mesmo condomínio em que vive a família Bolsonaro. Em janeiro de 2017 já tinham sido apreendidos 60 fuzis no aeroporto do Galeão e em janeiro deste ano (2019), outros 100.

São armas que estão sendo utilizadas pelas milícias. Milícias que substituíram o poder do Estado nas maiores favelas do Rio de Janeiro, como o Escritório do Crime na favela do Rio das Pedras, de onde saiu a ordem para o matador de Marielle.

O antropólogo Luiz Eduardo Soares, às vésperas das eleições de outubro, alertava sobre a linguagem e as mobilizações em torno de Bolsonaro e que a vitória dele provocaria um banho de sangue na nação. A mesma percepção teve Bruna da Silva no enterro de seu filho Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, morto por tiros na favela da Maré, a segunda maior favela da cidade do Rio de Janeiro, depois da Rocinha. O adolescente ia para escola quando foi atingido. 

O que disse a mãe: “Naquele dia 20, só o meu filho morreu de inocente. Se Bolsonaro ganhar, pode preparar os sacos pretos, porque vai ter muito inocente para entrar dentro deles”. 

O que disse o capitão às vésperas da posse: “Bandidos do MST, bandidos do MTST, as ações de vocês serão tipificadas como terrorismo”. Disse também que “faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”.

E teve ainda o general Luiz Gonzaga Schroeder, que antes de o STF decidir manter a prisão de Lula, negando o habeas corpus solicitado pela defesa, falou, em vídeo circulando pelas redes sociais: “…se (Lula) for solto, vai correr sangue!”.

Pelos discursos, eles estão se preparando para uma guerra civil. Eles continuam dizendo abertamente que é preciso exterminar com o marxismo, com o petismo, com o comunismo…

Que inteligência é essa que acha que a Terra é plana, e que só os comunistas não aceitam isso?

As milícias evoluíram e tomaram o lugar do Estado. Ocupação militar, estado de sítio nas favelas não resolveram o problema. Por que será? Não será porque o próprio Estado é o problema? 

As milícias ocuparam um terreno na favela da Muzema, no Rio de Janeiro, e construíram prédios em área proibida e de alto risco de desabamentos, mas ninguém sequer fiscalizou ou se importou, nem com a ocupação nem com a construção. 

Milicianos constroem e vendem apartamentos em áreas invadidas e de risco na área metropolitana do Rio de Janeiro. Foto: Reprodução

Além disso, ainda permitiram que famílias adquirissem e habitassem os imóveis, vendidos por valores que variavam de R$ 40 mil a R$ 110 mil. Imóveis esses que protagonizaram uma das tragédias recentes no país, com o desabamento de um dos prédios, provocando a morte de 24 pessoas. Os bombeiros anunciaram que terão que implodir os 16 prédios que ainda estão de pé, para que não haja mais mortos.

A culpa é sim do Estado, senhor governador Wilson Witzel (PSC). Na ausência de políticas públicas para enfrentar o déficit habitacional, a população, criativamente, faz sua própria reforma urbana. No caso do MTST, foram violentamente reprimidos, já no caso das milícias, nada. Até quando?

*Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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