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O fascismo tupiniquim por trás da máxima “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”

Entramos nessa guerra como perdedores. Temos que reverter essa expectativa negativa, defensiva, para uma atitude proativa, de protagonistas
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

O site Outras Palavras reproduziu interessante artigo de Michael Löwy, em A Terra é Redonda, chamado A irresistível ascensão dos novos fascistas. Compara alguns dos exemplos mais conhecidos: Trump (USA), Modi (Índia), Urban (Hungria), Erdogan (Turquia), ISIS (o Estado Islâmico), Duterte (Filipinas), e agora Bolsonaro (Brasil). Mas em vários outros países temos governos próximos desta tendência, mesmo que sem uma definição tão explícita: Rússia (Putin), Israel (Netanyahu), Japão, (Shinzo Abe), Áustria, Polônia, Birmânia, Colômbia, etc.

Analisa como a mídia se aproveita para mudar o sentido das palavras e passa a chamar de populistas líderes da extrema-direita, autoritários, quando o termo era normalmente atribuído a governos que em contato direto com o povo realizam um projeto como Getúlio Vargas, no Brasil, e Juan Domingos Perón, na Argentina.

Atribui à crise de 2008, seguida de recessão e de depressão em sucessivos países, o clima propício para a conquista do poder por essa nova direita. De fato, foram graves as sequelas deixadas pelo neoliberalismo do Consenso de Washington a partir dos anos 1980. As consequências são visíveis: os caldeirões estão fervendo, prestes a explodir.

Löwy diz, acertadamente, que enquanto boa parte da extrema-direita, em particular na Europa, denuncia a globalização neoliberal, em nome do protecionismo, do nacionalismo econômico e do combate à “finanças internacional”, Bolsonaro propõe um programa econômico ultraliberal, com mais globalização, mais mercado, mais privatizações, além de um completo alinhamento com o Império norte-americano. Isto lhe garantiu, sobretudo no segundo turno, o apoio decisivo das forças do capital financeiro e industrial, assim como do agronegócio. A oligarquia capitalista brasileira preferia outros candidatos, mas ao se dar conta que Bolsonaro era o único capaz de vencer o PT, aderiu massivamente a ele.

Ele também aponta como um diferencial a presença das diversas denominações neopentecostais como grande contribuição para a eleição dessa direita no Brasil.

“Gostaria de encerrar propondo uma breve reflexão para a ação no Brasil e na América Latina: precisamos construir amplas Frentes Únicas Democráticas e/ou Antifascistas para combater a onda da ‘Peste Marrom’”. 

Por “Peste Marrom” ele se refere às camisas marrons da militância hitlerista na Alemanha. Na Itália, a militância fascista era os Camisas Negras e, no Brasil, a militância integralista (fascismo de Plínio Salgado) era os Camisas Verdes. Para estes, a divisa era “Deus, Pátria e Família” transcrito pela Tradição, Família e Propriedade (TFP), do Plínio Correia de Oliveira nas “marchas. 

Entramos nessa guerra como perdedores. Temos que reverter essa expectativa negativa, defensiva, para uma atitude proativa, de protagonistas

Vitor Teixeira
Nosso fascismo caboclo, é fascismo de ocupação.

Concordo com o autor, faz sentido frases como America First, de Donald Trump, e também a Nação acima de tudo em países da Europa. 

No caso dos EUA, está na certidão de nascimento do Estado e no cerne na doutrina Monroe. É fundado na marcha para o Oeste da raça pura destinada a purificar a humanidade dos ímpios. Ao adotar o slogan “Deutschland über alles” Hitler não inventou nada. Apenas copiou tudo dos EUA, inclusive a conquista territorial pelas armas.

No caso de países europeus, que enfrentaram a ocupação nazi-fascista, também faz sentido a permanência de forte sentimento nacionalista, independentista. É o que justifica o sentimento anti-globalização. Está no DNA de mais de uma geração. É uma questão cultural que o projeto da União Europeia está enfrentando com galhardia, mas que ainda está longe de seu ponto de chegada.

E aqui no Brasil, que sentido faz a frase que serviu de mote para a campanha de 2018, “O Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”? 

Em primeiro lugar, o slogan é, digamos assim, “roubado” da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército. Tanto o capitão rebelde expulso do Exército como o general Hamilton Mourão foram paraquedistas e esse é o grito de guerra da tropa. 

Bom, passada a campanha não só o capitão de turno como vários membros do governo têm mantido uma retórica fortemente nacionalista, o que é pura enganação, pois ao abdicar da soberania, esse governo de ocupação está longe, muito longe, de qualquer laivo nacionalista.

Quando diz “deus acima de tudo” penso que está se referindo a Donald Trump, o predestinado, segundo o chanceler Ernesto Araújo, a salvar a humanidade dos ímpios e do comunismo, do globalismo e do petismo, do ambientalismo e dos homossexuais.

“Um Deus poderia salvar o Ocidente, um Deus operado pela nação – inclusive e talvez principalmente a nação americana. (…) Só Trump pode ainda salvar o ocidente”. William Waack, um ex-vestal da Globo, agora independente, não nunca foi de esquerda, como foi crítico feroz dos governos progressistas, tomando o cuidado de não ridicularizar o chanceler “um homem culto”, “respeitável”, deixa no ar a pergunta: “Trump está mesmo salvando o Ocidente?”

Diante de declarações como esta do chanceler e várias afirmações e atitudes dos ocupantes do Palácio do Planalto, o economista e colunista Luiz Gonzaga Belluzzo cunhou o termo “nacionalismo entreguista” para definir a ideologia do governo de ocupação. Isso ajuda a entender, mas ainda não completamente. A coisa é complexa e o buraco é mais em cima.

Entendo que o nosso, o fascismo caboclo, é fascismo de ocupação. Veja: O povo francês, seguramente não era nazista. O nazismo lhe foi imposto por tropas de ocupação do 3º Reich. Esse povo lutou por sua libertação, através da guerra de guerrilha dos “partisans”. 

O povo brasileiro também nunca foi fascista. O integralismo nunca chegou a encher um ônibus…. A verdade é que o modelo econômico, primeiro de submissão às corporações, segundo, de submissão ao capital financeiro nos foi imposto por uma potência imperialista e seus aliados da Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN). 

Como se manteve e se mantém esse regime é que constitui o busílis da questão. A equação tem que ser solucionada a partir desse eixo, deslindando cada uma das peças, perseguindo o dinheiro, e tem os elementos para desenhar a estratégia para entrar nessa guerra para ganhar. 

Os democratas de esquerda e de direita não entenderam que não se trata de um jogo político, que se resolve com eleições. Estamos em guerra e o que temos em Brasília é um governo de ocupação, a serviço do imperialismo transnacionalizado, mas imperialismo com o comando em Washington e Wall Street.

No período em que eu estive na Itália, pesquisei um pouco sobre o movimento fascista italiano e depois fui atrás de uma boa bibliografia sobre o tema. A impressão que me ficou é a de que foi um regime fundado na mobilização e organização das massas, militarização do Estado, controle da comunicação e culto ao líder, tudo a serviço dos monopólios. A Fiat é exemplo paradigmático dessa assertiva e até o Vaticano (monopólio da Igreja de Roma) se beneficiou da onda.

Com relação ao regime pós-1964, fruto de um golpe civil-militar com participação direta dos Estados Unidos, aquele foi, a meu ver, um regime fascista porque esteve a serviço dos monopólios. 

Não tendo organizado um partido de massas, controlou a vontade popular com repressão e alienação, ou seja, utilizando os meios de comunicação de massas. O historiador uruguaio René Dreifuss não usa essa terminologia, mas em seu livro “A Captura do Estado”, ele mostra exatamente isso: como o Estado foi apropriado pelas corporações transnacionais, monopólios, logicamente. 

Quando eu denunciei, na Itália, que estavam vendendo um país aos pedaços, eu já assinalava uma diferença essencial entre o fascismo caboclo e o dos oriundi: a ausência de uma burguesia nacional e da vocação nacionalista. Contudo, na sua componente econômica, com hegemonia do capital monopolista, era para mim fascista.

Meu livro “Imperialismo e Militarismo no Brasil”, editado na Itália e na Argentina, teve grande repressão e chegou a entrar clandestinamente no Brasil. Era um livro reportagem feito para justificar a nossa luta pela libertação nacional. Nossa de quem? Nossa, do povo brasileiro, conduzida por Carlos Marighella, e militantes comunistas revolucionários em todo o Brasil.

Muita água correu debaixo da ponte de nosso processo histórico. Evoluiu do domínio das corporações transnacionais para a ditadura do capital financeiro e do pensamento único sobre universidades, centros de pesquisas e meios de comunicação. E mais recentemente, com a evolução da comunicação propiciada pela convergência tecnológica (rádio, TV, Web, satélites) e inteligência artificial, chegamos a uma nova era, a era da ciberguerra.

Isso torna as coisas muito mais complexas e difíceis. Como entender a física quântica? Ou, como entender que a terra é plana? Se a guerra é cultural temos que concentrar forças para libertar nossos centros de estudo e pesquisa da servidão intelectual.

Se a guerra é ciber, temos que formar nossa guerrilha ciber. O governo de ocupação continua com suas milícias ciber atuando, nos moldes com que atuaram na campanha eleitoral, de dentro dos órgãos da administração pública.

Entramos nessa guerra como perdedores. Temos que reverter essa expectativa negativa, defensiva, para uma atitude proativa, de protagonistas. Afinal, onde estão nossos sábios, cientistas, pesquisadores, professores e alunos, os universitários, principalmente os estudantes, em todos os níveis? 

Contra a bandeira do governo de ocupação “só Trump salva”, vamos apor a nossa fundada no processo histórico. Na nossa realidade, Só o povo salva e para levantar o povo, só a juventude pode fazê-lo.  

*Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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