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Epidemia de coronavírus representa fim da globalização e colapso da ordem mundial

Acreditamos firmemente que o vácuo do universo está em equilíbrio, quer dizer, que já passou todo o ciclo da entropia possível… Mas e se só parecer que é assim, sem ser?
Alexander Dugin
Moscou

Tradução:

O coronavírus e o colapso da ordem mundial

Ao longo de décadas recentes, esperamos por algo fatal, algo irreversível e decisivo. Talvez a epidemia de coronavírus venha a ser esse evento.

Ainda é muito cedo para extrair conclusões precisas, mas alguns elementos de geopolítica e ideologia podem já ter ultrapassado um ponto sem volta.

A epidemia de coronavírus representa o fim da globalização. A sociedade aberta está madura para ser infectada. Quem queira derrubar fronteiras prepara o território para a aniquilação total da humanidade. Você pode rir, claro, mas o pessoal nos macacões HazMat brancos vedados fará calar o riso descabido. Só o fechamento pode nos salvar. Fechamento em todos os sentidos – fronteiras fechadas, economias fechadas, suprimento fechado de bens e produtos, o que (Johann) Fichte (1762-1814) chamou de “estado comercial fechado.** Soros deve ser linchado, e devemos erguer um monumento a Fichte. Lição número 1.

Segundo: o coronavírus vira a derradeira página do liberalismo. O liberalismo facilitou a disseminação do vírus – em todos os sentidos. Não há epidemias, sem a demolição de todas as diferenças. O vírus é o liberalismo. Mais algum tempo, e os liberais serão iguais aos “leprosos”, “maníacos” contagiosos infectos que convidam à dança e divertem-se onde vige a praga. O liberal é o vetor do coronavírus, o apologista do vírus. É especialmente verdade, se viermos a descobrir que o vírus foi criado nos EUA, essa “cidadela do liberalismo”, como arma química. Lição número 2: liberalismo mata.

Terceiro: os critérios para aferir sucesso e prosperidade de países e sociedades estão mudando dramaticamente. Na batalha contra a epidemia, nem a riqueza da China, nem o sistema social europeu, nem a ausência de sistema social nos EUA (que concentra o maior poder militar e financeiro do mundo) salvará aqueles critérios. Nem o regime espiritual e vertical iraniano está ajudando. O coronavírus decapitou o dedo mindinho da civilização – petróleo, finanças, livre comércio, o mercado, dominação total pelo Fed… Os líderes mundiais estão desprotegidos. Apareceram, à frente, novas exigências, completamente diferentes:

– ser proprietário de um vírus

– ter a capacidade para prover autonomamente a vida, para si e para e os próprios entes queridos, sob condições de fechamento máximo.

Satisfazer esses critérios significa reavaliar todos os valores. A vacina prospera, mais provavelmente, no mesmo solo onde o vírus foi desenvolvido; portanto, não é solução confiável. Mas todos podem, sim, fechar-se e fazer a transição para a autossuficiência, embora para tanto se exija multipolaridade. Pequenos produtores e troca natural sobreviverão ao total colapso de tudo.

Assim sendo, quais seriam os passos lógicos seguintes, depois dessa marcha triunfal do coronavírus pelo planeta? Na melhor das hipóteses, a fachada de várias zonas relativamente fechadas, pelo mundo – civilizações, grandes espaços, ou – na pior das hipóteses – os mundos de Mad Max e Resident Evil. A série russa Epidemiya vai-se tornando realidade diante de nossos olhos.

Acreditamos firmemente que o vácuo do universo está em equilíbrio, quer dizer, que já passou todo o ciclo da entropia possível… Mas e se só parecer que é assim, sem ser?

Foto de mohamed hassan formulário PxHere
É possível que toda economia mundial não colapse em apenas uns poucos meses, mas parece estar caminhando diretamente na direção de colapsar.

Os deuses praga

Começo a compreender por que em algumas sociedades os deuses praga são reverenciados e cultuados. A epidemia não tem lógica e não poupa nem o nobre, nem o rico, nem o poderoso. Destrói todos indiscriminadamente, e devolve todos ao simples fato de ser. Os deuses praga são os mais justos. Antonin Artaud escreveu sobre isso, comparando o teatro à praga. O propósito do teatro, segundo Artaud, é, com toda a crueldade possível, devolver o homem ao fato de que o homem é. Que é aqui e agora – fato que o homem procura persistentemente e consistentemente esquecer. A praga é fenômeno existencial. Os gregos chamavam Apolo Smintheus de “o Deus rato” e atribuíam às suas flechas o poder de trazer a praga. A Ilíada começa aí, como todos sabem.

A praga é o que Apolo faria, se voltasse os olhos para a humanidade moderna – banqueiros, blogueiros, RAPeiros, deputados, amanuenses, migrantes, feministas… Trata-se disso.

Buñuel tem um filme, “O Anjo Exterminador” [1962], mais ou menos sobre isso.

Como termina o mundo

Podem-se também notar os elementos da epidemia que parecem sugerir que tenha sido criado por agentes humanos, seja por permitir que o Ocidente use o vírus contra seus oponentes geopolíticos (o que explica China e Irã, mas não Itália e o resto) ou mesmo o início do extermínio deliberado de todos esses bilhões extra, por um pequeno círculo da humanidade, com uma vacina – ela própria produzida pelo “progresso” e pela “sociedade aberta”. Nesse caso, os “deuses praga” podem bem ser representantes específicos da elite financeira global, que há muito tempo já reconheceu os “limites do crescimento”. Mas mesmo nesse caso – especialmente se não for o começo de um genocídio global em grande escala, mas apenas teste preliminar –, a conclusão é a mesma: os que fingem ser responsáveis pelas sociedades humanas não são o que parecem ser.

O liberalismo é só um pretexto para extermínio em massa, como foram a colonização e a disseminação dos padrões da moderna civilização ocidental. As elites globais e respectivos fantoches locais talvez tenham certeza de que sobreviverão com uma vacina, mas algo sugere que precisamente aí está a ‘pegadinha’. O vírus pode agir de modo não recomendável, e o processo que começou no plano civilizacional e até mesmo em eventos espontâneos não previsíveis, pode espatifar os planos daquelas elites, tão cuidadosamente urdidos.

É possível que toda a economia mundial não colapse em apenas uns poucos meses, mas parece estar caminhando exata e diretamente na direção de colapsar…

Tudo que os ‘modernos’ consideram “sustentável” e “confiável” é pura ilusão, como o coronavírus está mostrando claramente e muito vivamente. De fato, tão logo a lógica do que está acontecendo continue a se desenvolver um pouco mais, provavelmente veremos o fim do mundo – fim, pelo menos, do mundo que conhecemos ontem e ainda hoje. E simultaneamente começarão a aparecer os primeiros contornos de alguma outra coisa.

A matéria ameaçada

É curioso que, paralelas ao coronavírus, que já se tornou em certo sentido o assunto de toda a civilização, estejam surgindo na comunidade científica discussões sobre “bolhas de nada” – revivendo algumas hipóteses do famoso físico Edward Witten, um dos principais teoricistas do fenômeno das “supercordas” [ing. superstrings].

Conforme pregam físicos contemporâneos, podem surgir “bolhas de nada”, a partir de um “falso vácuo”, quer dizer, de um vácuo que não chegou à estabilidade, mas parece ter chegado. No mundo decadimensional (com às quatro dimensões comuns, e outras seis, efeitos da compactificação) essas “bolhas de nada” são bastante prováveis. Se acontecem, podem sugar galáxias reduzidas a nada, e engolir o Universo. Realmente impressionantes esses redemoinhos que se formam em vácuos instáveis.

Também aqui, no caso do coronavírus, dizem que “não há nada demais no que está acontecendo; situação está sob controle”. Representantes da elite científica garantem que a probabilidade de surgirem “bolhas de nada” é ridiculamente mínima.

Mas na minha opinião, não é. Ao contrário, é muito significativa. O mundo moderno é exatamente uma dessas tais “bolhas de nada”, e cresce rapidamente, sugando os significados e dissolvendo a existência: liberalismo e globalização são suas expressões mais vívidas. O coronavírus também é uma bolha de nada.

A natureza desse vírus é, ela própria, interessante (embora eu deteste o conceito de “natureza”; nada mais sem sentido que “natureza”). O vírus está entre um ser vivo – tem DNA ou RNA – e um mineral (não é feito de células). Porém, o mais importante, faz lembrar uma rede neural ou, até, uma Inteligência Artificial. Está ali, e não está; vivo, e inanimado… isso, precisamente é o nonequilibrium vacuum [lat. no orig. “vácuo instável”], que cria as tais “bolhas de nada”.

Acreditamos firmemente que o vácuo do universo está em equilíbrio, quer dizer, que já passou todo o ciclo da entropia possível… Mas e se só parecer que é assim, sem ser?

Quando você ouve a história do mercado de Wuhan e imagina a luta entre morcegos e serpentes venenosas, a furiosa troca de pequenas flechas de não existência em formato de coroa, impossível não pensar na imagem de bolhas de nada. O mesmo sentimento nos invade, se se pensa na queda nos preços do petróleo e no colapso dos índices dos mercados de ações. Nem a guerra – com sua especificidade e alarme existencial – salva-nos de ser atacados pelo nada, agora que a motivação para as guerras modernas já está tão profundamente enredada em interesses materiais, financeiros e corruptos, depois de ter perdido toda a pureza original: o confronto, cara a cara, com a morte. Só presta, agora, como mais uma bolha de nada, seguindo a própria programação, para fazer, da matéria, esquecimento total.

Praga é evento

É possível esperar que, tendo lidado com o coronavírus, a humanidade extrairá da experiência as conclusões apropriadas, porá fim à globalização, descartará as superstições do liberalismo, porá fim à migração e às obscenas invenções da tecnologia que estão afundando todos cada vez mais fundo em infinitos labirintos da matéria? A resposta é muito claramente não. Todos rapidamente voltarão às velhas práticas num piscar de olhos, antes até de enterrarem-se os mortos. Tão logo – e se – os mercados ressuscitarem, e o Dow Jones voltar a se mover, tudo voltará ao normal. Ingênuo é quem tenha ainda qualquer esperança de que aconteça diferente. Mas o que significa isso? Significa que até uma epidemia dessa escala será transformada em desgraçado mal-entendido. Ninguém compreenderá o significado da vinda dos deuses praga, ninguém pensará sobre “bolhas de nada”, e tudo voltará a se repetir e repetir outra vez, até chegarmos ao ponto do qual não haverá retorno possível.

Quem preste atenção à passagem do tempo verá claramente que estamos, no momento, ultrapassando esse ponto.

Alexander Dugin, é um dos mais destacados geopolíticos russos da atualidade, teórico do Eurasianismo, professor da Universidade Estatal de Moscou, fundador do Movimento Eurásia;

Traduzido por Vila Mandinga

* Orig. Plague Dogs [Cães Praga]. Há aqui um trocadilho intraduzível entre “Plague Dogs” e “Plague Gods” [Deuses Praga]. Plague Dogs é título de um romance infanto-juvenil, de Richard Adams, publicado em 1977, em que se narram as aventuras de dois cães que fogem de um laboratório de pesquisas onde eram usados como cobaias, e passam a ser perseguidos pela polícia e pela mídia. Não encontramos notícia de tradução ao português [NTs].

** Orig., ing. Closed Trade State (1800), em marxists.org. Sobre Fichte, em port., 2013, dentre outros trabalhos, ver Domenico Losurdo [NTs].


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
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